FRANTZ | 2 OUT | IPDJ | 21H30

Frantz
François Ozon

França/Alemanha, 2016, 113’, M/12

FICHA TÉCNICA
Realização - François Ozon
Argumento - François Ozon e Philippe Piazzo, a partir do filme de Ernst Lubitsch
Montagem - Laure Gardette
Fotografia - Pascal Marti
Música - Philippe Rombi
Interpretação - Paula Beer, Pierre Niney, Johann von Bülow, Marie Gruber, Ernst Stötzner,
Cyrielle Clair, Alice de Lencquesaing, Anton von Lucke
Ano - 2016
Origem – França/Alemanha
Duração - 113´


FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival de Veneza – Selecção Oficial, em Competição; Prémio Marcello Mastroianni para Novos Talentos – Paula Beer 
Prémios César – Melhor Fotografia 
Festival de Toronto – Selecção Oficial 
Festival de Sundance – Selecção Oficial

CRÍTICA

Uma bonita homenagem a Lubitsch, um dos melhores filmes de Ozon. 
Frantz tem de ser um dos projectos mais estranhos, mas também mais cativantes, da obra de um cineasta tão irregular como François Ozon. Está algures entre um remake e uma “variação”, como um músico de jazz a elaborar sobre um standard. Um remake ou uma variação sobre quê? É logo o ponto onde as coisas começam a tornar-se interessantes: Frantz inspira-se num dos filmes menos conhecidos da fase americana de Ernst Lubitsch, Broken Lullaby (também conhecido por The Man I Killed, de onde veio o título português, O Homem que eu Matei), de 1932, que também é um dos seus tesouros mais resplandecentes. Foi uma das raras ocasiões em que Lubitsch não trabalhou em registo de comédia. Bem pelo contrário, O Homem que eu Matei é dramático, soturno, grave, tintado a cores de luto: conta a história de um ex-soldado francês da Primeira Guerra Mundial que ficou tão marcado pelo rosto do soldado alemão que matou, a sangue-frio, numa trincheira, que uma vez terminada a guerra vai à Alemanha conhecer-lhe a campa, a casa, os pais, a namorada. Afundado em remorso, acaba “sugado” para dentro daquela família, toma o lugar do morto, torna-se, ele próprio, no “homem que ele matou” — duplamente, porque era como se se matasse a si mesmo para o que outro continuasse a viver. 
Contar isto não é revelar toda a história de Frantz, porque, como dissemos, Ozon “varia”, e, sobretudo a partir de certa altura, varia bastante, passando pelo final do filme de Lubitsch sem parar aí, encontrando prolongamentos e “codas” diferentes, rumo a um desfecho também ele diferente embora simbolicamente não muito distante. Mas é um filme que ganha em ser visto com a memória fresca do filme de Lubitsch, fica mais rico assim, porque a relação com ele está mesmo no seu coração — e podemos ver como, para certas cenas, Ozon recorre exactamente ao modelo lubitschiano, repetindo enquadramentos e soluções de encenações, enquanto noutras se afasta. 
Filmando cem anos depois da Primeira Guerra Mundial (no filme de Lubitsch, que também era uma espécie de “aviso” contra uma repetição da guerra que começava a estar no horizonte, estava-se apenas 14 depois do Armistício), Ozon pode ter outra distância no tratamento da época e do seu ambiente cultural, investido de um espírito ainda muito fin de siècle, com recurso à poesia de Verlaine e, em especial, a um lúgubre quadro de Manet, Le Suicidé, que por si só justifica as sequências a cores (o essencial do filme é a preto e branco, como no Lubitsch original) e simboliza, de forma mais explícita do que Lubitsch, o “desejo de morte” subjacente ao protagonista masculino da história. 
Claro que — mudemos agora a metáfora — tudo isto “tempera”, porventura excessivamente, aquilo que na origem era de uma aspereza reduzida ao essencial. Mas, se calhar estranhamente, nada no filme de Ozon parece uma traição ao de Lubitsch (que em nosso entender, é mesmo uma das suas obras-primas). Há uma justeza no tom, um acerto no casting (Pierre Niney é impecável a retomar a fragilidade de Phillips Holmes), uma inteligência no relacionamento com o modelo, que levam o empreendimento a bom porto: é uma bonita homenagem, “cinéfila”, a Lubitsch, e é um dos melhores filmes de François Ozon. 
Luís Miguel Oliveira, Público


CONTOS CRUÉIS DA JUVENTUDE | 25 SET | IPDJ | 21H30


CONTOS CRUÉIS DA JUVENTUDE
NAGISA ŌSHIMA, Japão, 1960, 96', M/16


FICHA TÉCNICA
Título Original: Seishun zankoku monogatari
Realização e Argumento: Nagisa Oshima
Montagem: Keiichi Uraoka
Fotografia: Takashi Kawamata
Música: Riichirô Manabe
Interpretação: Miyuki Kuwano, Yûsuke Kawazu, Yoshiko Kuga, Fumio Watanabe
Origem: Japão
Ano: 1960
Duração: 96´


FESTIVAIS E PRÉMIOS
Blue Ribbon Awards (1961) – Melhor Realizador




CRÍTICA

Rebeldes sem causa no Japão

Personagens num vazio moral, à deriva, uma das imagens mais estranhas e poderosas do Japão dos anos 60.
Contos Cruéis da Juventude foi a segunda longa de Nagisa Oshima, estreada no Japão em 1960, quando o realizador tinha 28 anos. Como sucedeu com outros casos, a sua descoberta por europeus e americanos foi tardia e “retrospectiva”: Contos Cruéis da Juventude só conheceu ampla divulgação no Ocidente a partir do final dos anos 1970, na sequência do “sucesso de escândalo” de O Império dos Sentidos. Descobriu-se então, com espanto, um filme que parecia um primo nipónico do jovem cinema europeu do princípio dos anos 60, e da nouvelle vague – mas feito numa altura em que ainda não houvera tempo para se falar numa “influência”.
Hoje conhecemos mais desse contexto e daquilo que ficou conhecido como a noberu bagu, a nouvelle vague japonesa, mas podemos imaginar o choque dos que o viram numa altura em que a percepção dominante do cinema japonês de 60 ainda era o classicismo tardio dos filmes de Yasujiro Ozu. Sobre essa diferença não valerá a pena insistir mais. Mas vale a pena insistir em como o filme de Oshima continua a parecer “novo”, a sua energia difusa, confusa, às vezes caótica, a viver ainda maravilhosamente, porventura de forma mais genuína que noutros momentos futuros da obra de Oshima. Aqui há uma fúria, uma voracidade, que faz coincidir os temas da narrativa com a maneira como Oshima pratica o seu cinema: a exuberância cromática (os neóns coloridos das noites de Tóquio devem ser das coisas mais fotogénicas que já existiram), o tratamento do ecrã largo, a ser ocupado pelos corpos e pelos rostos, a montagem dinâmica, sincopada, às vezes ofegante. É um filme febril, e a febre não se curou nos quase 60 anos que nos separam dele.
E, depois, é um filme que podia ter a mesma epígrafe do filme de Nicholas Ray: “este rapaz e esta rapariga não foram propriamente apresentados ao mundo em que vivemos”. Os filmes de Ray – até pelas cores… – sobre uma juventude tão rebelde quanto perdida parecem de facto presentes em Contos Cruéis da Juventude, e aí talvez seja legítimo falar numa “influência”. Nem Mako nem Kiyoshi, o par de hustlers (assaltam homens de meia idade, “respeitáveis”, que ela seduz) sabe bem o lugar que ocupa no mundo. Vivem do seu lust for life, numa inconsciência – até histórica, como na cena em que assistem, sem se envolverem nela, a uma manifestação contra um acordo militar nipo-americano. São outsiders, fora do mundo, da política, da história, existem apenas num wild side, como energia destrutiva, sabotadora, os homens que eles assaltam representando a sociedade “aceitável”, burguesa, conservadora. Mas daí que o olhar de Oshima seja sempre de enorme ambiguidade, sem condenação (gosta das suas personagens) mas também sem empatia. Filma-os como produto simbólico dum Japão em crise de identidade, a erguer-se da derrota na II Guerra, titubeante entre o tradicionalismo e a modernidade. Como se existissem num vazio, moral em primeiro lugar, e andassem à deriva. Oshima não lhes oferece um porto seguro, e isso parece menos uma condenação deles do que daquele Japão, de que este filme permanece uma das imagens mais estranhas e poderosas.
, Público