GODARD, O TEMÍVEL | 26 JUN | IPDJ | 21H30

GODARD, O TEMÍVEL
Michel Hazanavicius
França/Itália, 2017, 102', M/14


FICHA TÉCNICA
Título Original: Le Redoutable
Realização: Michel Hazanavicius
Argumento: Michel Hazanavicius, baseado no livro “Un an aprés” de Anne Wiazemsky
Montagem: Anne-Sophie Bion, Michel Hazanavicius
Fotografia: Guillaume Schiffman
Interpretação:Louis Garrel, Stacy Martin, Bérénice Bejo, Micha Lescot, Grégory Gadebois, Guido Caprino
Ano: 2017
Origem: França/Itália
Duração: 107‘
 
FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival de Cannes 2017: Nomeado para a Palma de Ouro 




NOTAS DO REALIZADOR 
 Sou um grande admirador de Godard, cuja escolha de títulos é sempre brilhante. O primeiro título que escolhi para o filme foi “The Great Man - O Grande Homem”, mas tinha um toque cáustico que eu não gostava. Poderia facilmente ser mal interpretado. Por outro lado, gostei das similaridades com Belmond; também é uma reminiscência de Marginal, Incorrigível, Magnifico (O Homem de Acapulco)... Gosto, igualmente, do facto da palavra poder ter uma conotação negativa ou positiva: dizer que alguém é “temível” pode ser tanto um elogio como uma crítica, uma depreciação. Finalmente, gosto da ideia de usar o truque “E assim vai a vida dentro do “Redoubtable” até ao fim do filme, o que lhe dá um toque irónico, que me agrada.

Encontrei o livro por acaso numa estação de comboios, tinha-me esquecido do meu e fui comprar um. Foi assim que encontrei o romance “Um ano depois” de Anne Wiazemsky. Anne escreveu dois livros sobre a sua história de amor com Jean-Luc Godard. Num deles, Année Studieuse fala sobre o início do relacionamento, a forma como aquele homem encantador e constrangedor deu os seus primeiros passos numa grande família gaullista - Anne que foi a neta de François Mauriac - até a receção de “A Chinesa” no Festival de Avignon em 1967. “Um ano depois” fala sobre o maio de 1968, a crise que Godard atravessou, a sua radicalização, a desintegração do casamento, até à separação. Fiquei muito sensibilizado com a história, achei-a original, sequencial, sexy e simplesmente linda.
“Godard, O Temível” tem alguns elementos de Année Studieuse, mas foi baseado, essencialmente, no livro “Um ano depois”.
À primeira vista, é bastante surpreendente dedicar um filme a Jean-Luc Godard. Posso imaginar, mas não considero este filme tão inesperado, nem mesmo atípico. E é claro que Godard é um assunto particularmente complexo.
Uma das coisas que me interessou e ajudou a acreditar que o filme era possível, foi o facto de Godard, enquanto artista, ter uma reputação difícil – não estou a falar sobre os seus filmes, mas também sobre ele, como personagem – pode ser facilmente visto como um ícone de cultura POP. Ele é uma das figuras-chave dos anos sessenta, tanto como Andy Warhol, Muhammad Ali, Elvis ou John Lennon. Ele pertence à imaginação popular. Através dele, podemos abordar várias temáticas comuns a todos nós: amor, criação, política, orgulho, ciúmes, entre outros... Ele nunca foi brincalhão e nunca tentou, também, ser “agradável”. Isso torna-o num caráter complexo e humano, o que permite uma grande liberdade narrativa. Não estou condenado a elogiá-lo, uma vez que esta não é a resposta que ele mesmo tenta provocar. Mas principalmente, e tendemos a esquecer isso, os seus filmes - e também ele mesmo - eram extremamente engraçados naquela época.
Godard sabia como encantar e era muito espirituoso. Contudo, é importante destacar que foi a história de amor que me atraiu. Não é apenas uma história de sexo ou desejo. A destruição do casal Godard/Wiazemsky surge da busca, de um homem profundamente enraizado na sua época, pela verdade política e artística, combinada com uma espécie de patologia masoquista e autodestrutiva. Na busca de ideais e do amor à revolução, este homem destruirá tudo à sua volta: os seus ídolos, os seus antecedentes, o seu trabalho, os seus amigos, mas também o seu relacionamento. E até mesmo o seu nome acaba por se destruir. E Anne será o testemunho da sua espiral descendente, ela o amará o máximo que puder, mas não poderá acompanhar e será impotente contra o seu impulso autodestrutivo.
No fundo, não se pode culpá-lo. Nem a ela. Eles afastam-se por si próprios o que leva ao rompimento da relação. Acho isso muito bonito. Além disso, pude adicionar uma representação original de maio de 68. Os eventos daquela não foram descritos frequentemente no cinema francês. Queria dar-lhe uma lufada de ar fresco, um tiro de cor, espírito e alegria. Era importante porque para mim estas imagens mostram respeito, em primeiro lugar, pelo espírito de maio de 68.
Não é um filme “sobre Godard”, mas é uma história de amor. O meu objetivo era não fazer uma dissertação sobre Godard, nem mesmo uma biografia. Há o cineasta e há o homem, ambos estão tão interligados.
Mesmo o próprio Godard lamentou inúmeras vezes o facto da sua imagem nos media e o seu nome serem mais familiares para o público do que os seus filmes. Podia ter suavizado todas as contrariedades e fazer uma figura inteiramente positiva dele, erguer-lhe uma estátua, mas isso ia ser sentido como uma traição. Ao longo da sua jornada, notável para aquela época, Godard poderia ser duro, intransigente e isso tinha que ser mostrado. Ele era muito violento; ele comportou-se mal com muitas pessoas em público...
Perante este cenário, não tive vontade de criticá-lo ou fazer um julgamento a posteriori contra ele, nem mesmo ao seu maoismo. É por isso que, no início, lembro-me de ter feito uma nota mental sobre dar-lhe, literalmente, a última palavra. Foi o que eu fiz.
O verdadeiro desafio do filme foi encontrar o equilíbrio certo...entre o caráter destrutivo do personagem e a empatia que queria que tivéssemos com ele. E, também, entre a história de amor e a comédia; entre o caráter formal, a subida e o respeito pelos personagens e, finalmente, entre temas que podem parecer a priori elitistas e a minha vontade em fazer um filme popular.
Tive que distanciar-me do livro de Anne Wiazemsky, mas também de biografias, documentos, etc. ... Tive que aceitar um Godard reinventado, reconhecidamente inspirado pela verdade, mas aquele tinha que ser o meu Godard, em qualquer dos casos o Godard do filme. Uma criação. E esta criação tinha que servir num filme mais amplo.
O filme realmente começou a ganhar forma quando eu parei de pensar como o Godard, quando ele tornou-se Jean-Luc para mim. Ou seja, quando ele tornou-se um personagem parecido com qualquer outro. Eu sei que isso parece quase blasfemo para alguns, mas foi o que realmente aconteceu. A empatia que é mencionada é, naturalmente, ligada à escolha de Louis Garrel para mostrar Godard.
Louis Garrel e eu não vemos Godard da mesma forma, assim sendo, tentamos dividir o trabalho, de certa maneira. Louis pensou em seduzir os espetadores que amam Godard, e eu em quem não pensa nada em particular sobre ele. Louis garantiu um grande respeito pelo verdadeiro Jean-Luc Godard, onde tentei mexer um pouco para melhorar o meu fictício Jean-Luc Godard.
Para exagerar, eu diria que ele inclinou-se à reverência e eu para a irreverência. Mas, monopolizamos ambos a personagem de Godard, acabando por o “meu Godard” tornar-se dele também. O resultado final é um cruzamento entre o real Godard, a visão de Anne Wiazemsky sobre ele, a encarnação de Louis e a minha. A ideia era mantê-lo no mínimo, para permitir que o público acreditasse no personagem, mas sem tentar duplica-lo. Pelo contrário, era necessário conferir ao ator a máxima liberdade de interpretação em cada situação e para evitar bloqueá-lo. Permitir que ele passasse da figura privada ao público, do quadrinho ao trágico, do amor à política, etc. Deste modo, tentamos deixar o filtro humano através da interpretação para aproximar-se do tão venerado Jean-Luc.
Relativamente à personagem que Stacy interpreta, ela parece uma jovem mulher dos anos sessenta. Nasceu em Paris, mas vive em Londres e passou parte da sua infância no exterior, tem um acento muito leve, e há algo atemporal quando ela fala que eu realmente gosto.
Stacy foi notável. Na primeira parte do filme, ela basicamente escuta e olha: a sua presença é essencial, mas, claro, essas não são as partes mais emocionantes do mundo para gravar. Mas há uma beleza trágica no seu rosto, algo distante, que permite ao espetador contar a si mesmo todo tipo de histórias... para sobrepor uma riqueza de sentimentos e contrastes. Ela tem o rosto de uma atriz silenciosa, um pouco como Garbo. As cenas de observação, de escuta, tornaram-se muito simples para mim. Eu sabia que o personagem sobressaía, mesmo sem muito diálogo.
O filme conta a história da sua emancipação e da erosão do seu amor pelo marido e, desta forma, Stacy e eu estabelecemos uma perda progressiva do seu sorriso.
Para destacar a história de amor, eu precisava que o público se apaixonasse por Stacy desde o início. Para conseguir isso, tentei tratá-la como um objeto pop e filmá-la como tal. E pela primeira vez eu visualizei o casal, a representação do amor e da sexualidade.
É através de Stacy que o filme se abre para a vida, sensualidade e amor. É o personagem dela que conta a história e o amor dela por ele, apesar de todas as suas falhas, permite-nos aceitar Godard tal como ele é, sendo que ele é o ponto fixo de todo o filme.
Godard sempre foi engraçado, ele desloca-se no tapete, quebra os óculos, murmura... Ele é um pouco de Buster Keaton. Além disso, quanto mais um homem é respeitado, mais fácil é deslocá-lo para fora e fazê-lo engraçado.

O grande desafio do filme foi o equilíbrio, em particular, o equilíbrio tonal. Procurei por ele durante a escrita, tentei mantê-lo durante o tiroteio, depois na sala de edição, mas não sabemos se conseguimos ou não até o filme estar completo e o exibirmos.
O destaque está muito presente no início, depois diminui até à cena do quarto do hotel. Nesta fase, é para mim uma questão de simplesmente olhar para os personagens. Apenas a música apresenta um pouco de discrepância, um pequeno passo para trás.
Ao longo do filme tentei “brincar” com vários géneros, ser livre, misturar comédia pura com elementos mais complexos. Adoro a cena quando eles estão de regresso de Cannes, acho-a cómica.
MICHEL HAZANAVICIUS


O ESPÍRITO DA FESTA | 19 JUN | IPDJ | 21H30


O ESPÍRITO DA FESTA
Olivier Nakache, Eric Toledano 
CAN/FRA/BEL, 2017, 117’, M/12


FICHA TÉCNICA
Título Original: Le sens de la fête
Realização e Argumento: Olivier Nakache, Eric Toledano
Montagem: Dorian Rigal-Ansous    
Fotografia: David Chizallet               
Música: Avishai Cohen     
Interpretação: Jean-Pierre Bacri, Jean-Paul Rouve, Gilles Lellouche
Origem: CAN/FRA/BEL
Ano: 2017
Duração: 117’
 

TRAILER




CRÍTICAS


Max (Jean-Pierre Bacri), um empresário de festas, tenta que tudo corra bem num importante casamento num castelo do século XVII, mas do noivo cretino aos seus bem-intencionados mas incompetentes empregados, todos os que o rodeiam parecem querer o contrário. Olivier Nakache e Eric Toledano, autores de Amigos Improváveis, voltam a mostrar em O Espírito da Festa que a comédia popular de qualidade não é um género em extinção no comédia francês.
Eurico de Barros, timeout




Quem entrar no jogo de família destes atores e personagens terá recompensas senhoriais (não faltam situações hilariantes). Um filme que afirma precisamente algo de novo na atual comédia francesa (género, escusado de referir, nas ruas da miséria...). Se quisermos, o truque aqui é o modo hábil como coloca a peripécia no centro da comédia. [...]
Rui Pedro Tendinha, dn.pt



Comédia coral muito acima da média do cinema francês recente, “O Espírito da Festa” apresenta-se cono um triunfo de precisão de escrita, realização, interpretação e de orquestração do coletivo, na qual está implícita uma analogia com a rodagem de um filme. Entretenimento de primeira água, saborosamente francês do princípio ao fim.
Eurico de Barros, Observador