DIA 8 ABRIL| Terça-feira|
21h30| Auditório do IPDJ
CAMILLE
CLAUDEL 1915, Bruno
Dumont, França, 2013, 93’, M/12
FICHA TÉCNICA
Realização:
Bruno Dumont
Interpretação:
Juliette Binoche, Jean-Luc Vincent, Emmanuel Kauffman
Ano:
2013
Origem.
França
Duração:93’
SINOPSE
Inverno de 1915. Confinada pela sua família a um asilo no
sul de França – onde nunca mais irá esculpir – esta é a crónica da vida em
reclusão de Camille Claudel, enquanto aguarda a visita do seu irmão, Paul
Claudel.
CRÍTICA
Juliette
Binoche entrega-se ao ascetismo de Bruno Dumont; o resultado é capaz de ser o
mais conciso filme do realizador.
Aviso prévio ao espectador: afaste da ideia, caso se recorde dele, o filme biográfico sobre a escultora Camille Claudel que Isabelle Adjani interpretou em 1988. O que o francês Bruno Dumont, antigo professor de filosofia, faz do trágico internamento de Camille, que passou 40 anos fechada no asilo psiquiátrico onde acabaria por morrer em 1943, é uma meditação sobre os caminhos da fé e do martírio na linhagem dos seus anteriores filmes estreados em Portugal, "Hadewijch" (2009) e "Fora Satanás" (2011). E nem a presença de uma actriz “de renome” - Juliette Binoche - desvia o cineasta do seu percurso austero e asceta; parece, antes, reforçá-lo e dar-lhe um novo élan.
Aviso prévio ao espectador: afaste da ideia, caso se recorde dele, o filme biográfico sobre a escultora Camille Claudel que Isabelle Adjani interpretou em 1988. O que o francês Bruno Dumont, antigo professor de filosofia, faz do trágico internamento de Camille, que passou 40 anos fechada no asilo psiquiátrico onde acabaria por morrer em 1943, é uma meditação sobre os caminhos da fé e do martírio na linhagem dos seus anteriores filmes estreados em Portugal, "Hadewijch" (2009) e "Fora Satanás" (2011). E nem a presença de uma actriz “de renome” - Juliette Binoche - desvia o cineasta do seu percurso austero e asceta; parece, antes, reforçá-lo e dar-lhe um novo élan.
Concentrando-se nos poucos dias que antecedem uma das
raras visitas que Camille recebia do seu irmão, Paul, Dumont filma Binoche como
uma mártir do patriarcado do século XIX numa altura em que o mundo moderno
começava a surgir. Encerrada num asilo para “alienados” - ler, portadores de
deficiência - com os quais as suas obsessões mentais nada tinham a ver,
impossibilitada de criar e remoendo os seus complexos de perseguição, Camille
intui que apenas Paul, também ele artista, pode compreender os êxtases
transcendentes a que a arte e o amor a transportam. Mas os êxtases
transcendentes de Paul são de ordem mística, enquanto Camille se sustenta com a
simples força da vontade, com a esperança de sair do asilo degradado em que se
encontra e retomar a carreira que insiste ter sido sabotada pelos homens que a
encarceraram.
Dumont evita qualquer ilustração musical, funde a sua
narrativa com o seu cenário de modo pictorial, e concentra tudo numa actriz à
qual arranca qualquer traço de glamour, filmada em grandes planos sustentados
quase até ao limite da vulnerabilidade. É aqui que se vê como o cinema do
realizador explora um quadro de referências específico e muito diferente da
maioria dos contemporâneos, na linhagem que liga Bresson e Dreyer (é inevitável
pensar na Falconetti como Joana d''Arc). Binoche integra-se neste universo como
se nunca tivesse feito outra coisa na vida, como um “instrumento” de grande
sensibilidade colocado nas mãos de um virtuoso que dele retira sonoridades
inalcançáveis por outros. O resultado é para nós o seu trabalho mais conciso e
mais conseguido.
Jorge Mourinha, Ípsilon
TRAILER
ENTREVISTA A BRUNO DUMONT
Se há realizadores que procuram a pureza, o nome de Bruno
Dumont tem de ser referido. Tal como todos os seus filmes. Desde A
Vida de Jesus (1997), a Fora Satanás (2011),
passando por L'Humanité (1999) e Hadewijch (2009), todos
eles atravessados por uma intensa espiritualidade, mas filtrada por um realismo
gritante que anda de mãos dadas com a poesia. Como é que ele faz isto? Pois
bem, esse acabou por ser o propósito da nossa conversa, tendo "Camille Claudel 1915"
como pano de fundo. Por isso assume a defesa da frase que está no título, mas
sem esquecer os seus mestres, Rossellini e Eustache.
O Bruno Dumont é conhecido por um
método de trabalho artesanal e pela colaboração de atores amadores, mas desta
vez temos Juliette Binoche, uma atriz profissional e uma das maiores estrelas
francesas. Pode explicar porquê esta escolha?
Afinal de contas não foi assim tão diferente do que fazia
antes. Porque antes da estrela procurava uma mulher. Por isso trabalhei muito a
natureza da Juliette. O que muda é o registo, a imaginação dela. Mas não foi
uma mudança muito importante.
Acaba por ser o contrário, não é?
Porque normalmente procura os atores nos não atores...
Sim, é o contrário. O que me interessa é a personagem de
Camille Claudel. E pela primeira vez eu trabalho uma personagem que existiu.
Senti então que era o meu dever de ter uma personagem que se confundia com o
ator. Digamos que procurava a personagem, mas queria encontrar também a Camille
Claudel na Juliette Binoche. Por outro lado, o título do filme "Camille Claudel 1915"
é o ano em que Camille Claudel tinha a mesma idade que Juliette Binoche. Por
outro lado, a Juliette aceitou a minha forma de trabalhar, ou seja, sem guião e
sem maquilhagem. Ofereceu-se nua na forma mais pura que existe.
A Juliette revelou-nos
que ao contrário do que se passa nos Estados Unidos, na Europa existe mais
interesse em explorar personagens femininas. Nos seus filmes temos várias
personagens espirituais femininas bastante fortes. Acha que isso acontece um
pouco por acaso ou há algo mais profundo que queira alcançar?
A Camille Claudel é uma mulher excecional. Faz parte da
história da arte ocidental do início do século XX. É uma mulher que pela
primeira demonstra uma potencial criadora tremenda e acabou mesmo por tornar-se
num ícone da condição humana. E era uma mulher que não tinha receio do
escândalo, pois tinha menos 24 anos que Rodin e a relação deles gerou algum
escândalo. Para as jovens era um modelo. Por outro lado quando ela chegou ao
hospital ela já era muito conhecida, o que reforça a minha escolha na Juliette
Binoche.
Que tipo de influência tem um filme já
com 20 anos "A Paixão de Camille Claudel"? Acha que o público poder esperar outra coisa?
Acho que não há qualquer confusão. Desde logo, eu não queria
falar de Rodin, nem nada disso. Acho que as pessoas sabem que o filme se passa
no hospital psiquiátrico. Portanto, é algo que se passa depois. Uma sequela, se
quiser...
Apesar deste ser um filme biográfico,
existem muitos poucos elementos biográficos para construir esse período, como
as cartas que ela escreve...
Era isso que me interessava. Foi arriscado fazer o filme em
três dias, e ter um tema muito escasso para poder aprofundar o olhar da Camille
e das outras pessoas. Como o tempo não mudava muito, dava-me a possibilidade de
entrar nessa interioridade de explorar a "mise en scène".
Porque
decidiu dedicar uma parte considerável do filme ao irmão Paul Claudel e aos
seus pensamentos?
Há um mistério que nos pergunta porque é que Paul Claudel, um poeta e diplomata, muito religioso, não chegou a fazer nada para tirar Camille do asilo. Há, no fundo, aqui uma confrontação de ambos. Quando ele chega ao asilo é quando chega também o texto ao filme. Eu quis servir-me desse confronto, desses dois talentos. De um lado a doença, do outro a poesia. É que apesar de ela ter uma aparência quase normal, tem uma doença muito profunda. E quando o irmão chega apercebe-se que ela não está normal, que há uma falha. É isso que é terrível. Se ela estivesse bem, o irmão seria um monstro.
Aparentemente existia uma clara diferença entre o seu cinema e o resto do cinema francês. Acha que depois de trabalhar com Juliette Binoche esta diferença se esvai?
É a Juliette Binoche que vem ter com o meu cinema, não sou eu que vou ter com ela. Mas apreciei que ela tivesse chegado. Quando digo "ir ter com ela" é ir ter com o cinema industrial de onde ela vem. Ela é uma artista que atravessa os cineastas, trabalhou já com muitos. Eu não, estou sempre comigo próprio.
Entende que é guardião de um certo tipo de cinema?
Sim, sou guardião de um certo cinema poético, artístico, artesanal, que não está no mundo industrial. E no qual eu não quero entrar. Quero encarar a natureza humana e não industrial. Isso é algo que quero guardar. Nesse sentido, sou um guardião sim.
Quando diz isso sente que procura algo para além dessa espiritualidade?
Eu acho que a arte é um lugar da espiritualidade e não do divertimento. As minhas histórias, e as de outros cineastas, como o Rossellini e o Jean Eustache, procuram essa espiritualidade. É um erro reduzi-las ao entretenimento.
De que forma o trabalho do seu diretor de fotografia confirma o que vem de dizer?
Eu procuro não dar muito importância à imagem e ao ator porque acho que podem atropelar. Seja o guarda roupa ou cenários. Por isso passo muito tempo a fazer com que as coisas sejam menos trabalhadas e que o DP filme com luz natural. Para que o ator vá ao encontro da câmara e não o contrário.
Há um mistério que nos pergunta porque é que Paul Claudel, um poeta e diplomata, muito religioso, não chegou a fazer nada para tirar Camille do asilo. Há, no fundo, aqui uma confrontação de ambos. Quando ele chega ao asilo é quando chega também o texto ao filme. Eu quis servir-me desse confronto, desses dois talentos. De um lado a doença, do outro a poesia. É que apesar de ela ter uma aparência quase normal, tem uma doença muito profunda. E quando o irmão chega apercebe-se que ela não está normal, que há uma falha. É isso que é terrível. Se ela estivesse bem, o irmão seria um monstro.
Aparentemente existia uma clara diferença entre o seu cinema e o resto do cinema francês. Acha que depois de trabalhar com Juliette Binoche esta diferença se esvai?
É a Juliette Binoche que vem ter com o meu cinema, não sou eu que vou ter com ela. Mas apreciei que ela tivesse chegado. Quando digo "ir ter com ela" é ir ter com o cinema industrial de onde ela vem. Ela é uma artista que atravessa os cineastas, trabalhou já com muitos. Eu não, estou sempre comigo próprio.
Entende que é guardião de um certo tipo de cinema?
Sim, sou guardião de um certo cinema poético, artístico, artesanal, que não está no mundo industrial. E no qual eu não quero entrar. Quero encarar a natureza humana e não industrial. Isso é algo que quero guardar. Nesse sentido, sou um guardião sim.
Quando diz isso sente que procura algo para além dessa espiritualidade?
Eu acho que a arte é um lugar da espiritualidade e não do divertimento. As minhas histórias, e as de outros cineastas, como o Rossellini e o Jean Eustache, procuram essa espiritualidade. É um erro reduzi-las ao entretenimento.
De que forma o trabalho do seu diretor de fotografia confirma o que vem de dizer?
Eu procuro não dar muito importância à imagem e ao ator porque acho que podem atropelar. Seja o guarda roupa ou cenários. Por isso passo muito tempo a fazer com que as coisas sejam menos trabalhadas e que o DP filme com luz natural. Para que o ator vá ao encontro da câmara e não o contrário.
Paulo Portugal
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