A TOCA DO LOBO
Catarina Mourão
Portugal, 2015, 102’, M/12
FICHA
TÉCNICA
Realização e Argumento: Catarina Mourão
Fotografia: João Ribeiro, Catarina
Mourão
Música: Bruno Pernadas
Som: Armanda Carvalho
Origem: Portugal
Ano:
2015
Duração:
102’
FESTIVAIS E
PRÉMIOS:
Festival Internacional de Cinema de
Roterdão
IndieLisboa, Competição Nacional -
Prémio do Público para Longa Metragem Fox Movies
Viennale - Vienna
International Film Festival
Porto/Post/Doc
CRÍTICAS
O que é a
família? Um buraco. Não é por acaso que o novo filme de Catarina Mourão se
chama A Toca do Lobo. Ele começa profeticamente com
uma descida: uma vez, numa sessão de hipnose, a mãe da realizadora imaginou-se
no alto de uma grande escadaria; ao descer, encontrou o pai, figura ausente, a
quem disseram que desse a mão; ela acordou, em lágrimas, no momento em que
deram as mãos.
Tem qualquer coisa de Alice no País das Maravilhas esta
expedição ao mistério de uma família: há encontros fantásticos, portas fechadas,
uma tia sentenciadora. Quando uma realizadora volta a câmara para a sua própria
família, isso não é necessariamente familiar. “Quando abro os álbuns de família
da minha mãe há uma sensação de estranheza porque não tenho familiaridade
nenhuma com aquelas pessoas”, diz Catarina Mourão, 46 anos, notando que o lado
paterno da família lhe foi sempre mais próximo e lugar de afectividade.
A Toca do Lobo começou
como um projecto do doutoramento que a realizadora está a fazer na Universidade
de Edimburgo, na Escócia. A ideia inicial era, explica, “explorar a questão das
memórias que bloqueamos, os sonhos, o inconsciente e como isso é representado
no cinema”.
A sessão de hipnose da mãe era o catalisador disso, mas
Catarina Mourão não tinha pensado em fazer um filme sobre a sua própria
família. Quando ela olhava os álbuns de fotografia, a sua família parecia-lhe
“igual às outras – acomodada e funcional”, como diz no filme. Mas a descoberta
de um antigo programa de televisão nos arquivos da RTP com o avô materno, que
ela nunca conheceu, foi profética: o avô parece estar a falar-lhe directamente,
de um tempo em que Catarina ainda não era nascida. “Aí foi o momento em que eu
disse: este filme tem de ser sobre o meu avô. Porque senti que, de uma forma
quase fantasmagórica, ele me estava a convocar para fazer este filme.”
O avô de Catarina, Tomás de Figueiredo, publicou vários
livros, mas A Toca do Lobo não é um filme biográfico. É,
antes, uma investigação obstinada onde as memórias de família são confrontadas
e postas em causa. Por que é que a mãe de Catarina cresceu longe do pai? Por
que é que ele foi internado num hospital psiquiátrico? É verdade que quis
entregar o próprio filho à Pide?
Muitas das histórias que a família contou a si própria
para sobreviver são falsas. “O filme está cheio de ficções”, diz a realizadora.
“O objectivo não é encontrar ‘a verdade’ e responder a todas as questões. Pelo
contrário: não sei até que ponto não saio do filme com mais perguntas ainda do
que quando comecei. Não sei se sei mais ou se sei menos do que sabia
inicialmente.”
Este não é um filme sobre o passado, como se ele
estivesse inerte, à espera de ser desvendado ou descrito. O filme assenta numa
cadeia transgeracional, freudiana: sendo um filme sobre o avô de Catarina, é
também um filme sobre a sua mãe, e um filme sobre a realizadora, como se cada
um se prolongasse no outro. Até os filhos de Catarina estão no filme,
implicados, como se a genealogia fosse uma conexão inescapável. “Passado,
presente e futuro estão todos juntos ali como se fossem um só”, resume.
É um filme diferente dos anteriores por incidir sobre a
família da realizadora? Por colocar a mãe à frente da câmara? “A proximidade da
história de família, não acho que seja muito diferente. Agora, com a minha mãe,
sim. Filmei a minha mãe milhares de vezes. Da primeira vez o microfone não
funcionava, da segunda vez o enquadramento não estava bem. Eram actos falhados
contínuos”, diz Catarina Mourão. “Apesar de ser a minha mãe, em cinema as
pessoas são sempre outra coisa. E isso não é diferente de qualquer outro filme.
Foi preciso tempo. Se não, mais tempo ainda. Porque eu conheço-a, portanto
topava quando é que a minha mãe se estava a defender.”
O filme é narrado na primeira pessoa pela realizadora,
que também aparece – questionando a mãe ou organizando fotografias e documentos
como um detective. “Eu sabia que eventualmente a minha voz iria aparecer.
Mas mal comecei a filmar a minha mãe, não me pareceu justo ela estar ali
sozinha. Achei que havia momentos em que eu teria de estar com ela. Apareço com
ela e depois apareço mais em ligações a coisas, de costas, a mexer nas coisas.
Achei importante esse lado de ‘escritório’. É muito um filme de papelinhos, de
coisas que se colam.”
Kathleen Gomes,
publico
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A tentativa de recolha de mais fragmentos numa relação
que, apesar da passagem dos anos, continua ainda sensível, lembra o processo
terapêutico. Este sentimento acaba por se reforçar pelo seu tom intimista, pela
escala da investigação empreendida e pelos resultados obtidos. Se procuramos
aqui alguma grande verdade que se possa aplicar de forma abstrata a qualquer
família, não a vamos encontrar. O que não quer dizer que o filme não tenha
interesse para outras pessoas. Todo o percurso, tanto da realizadora como da
mãe, são fascinantes e a sua candura, tocante.
Construído essencialmente de imagens de arquivo, a
forma como estas são apresentadas nem sempre é a mais comum, com a realizadora
a procurar mostrar sobreposições, reações e até ausências. Todo o exercício
poderia ser demasiado seco, mas a sensibilidade e o sentimento que são
introduzidos, quer pela voz off da cineasta, quer pelo
discurso da mãe dela, transformam o filme em algo mais: um documentário
emocional e emocionante.
João Miranda, c7nema
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Francisco Ferreira, Expresso
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