EU, TONYA | 27 AGO | CLAUSTROS MUSEU MUNICIPAL | 22H


EU, TONYA
Craig Gillespie
EUA, 2017, 116’, M/16

FICHA TÉCNICA
Título original: I, Tonya
Realização: Craig Gillespie
Argumento: Steven Rogers
Fotografia: Nicolas Karakatsanis
Montagem: Tatiana S. Riegel
Musica: Peter Nashel
Interpretação: Margot Robbie, Sebastian Stan, Allison Janney
Origem: EUA
Ano: 2017
Duração: 120’

FESTIVAIS E PRÉMIOS

Festival de Cinema de Toronto
Oscares - nomeações para melhor actriz principal e secundária e melhor edição.

TRAILER


CRÍTICAS

Cineasta do insólito "Lars e o Verdadeiro Amor", Craig Gillespie dirige agora Margot Robbie no excelente "Eu, Tonya" — uma evocação de um escândalo no mundo da patinagem no gelo feita com assinalável contundência realista.
Em 1994, quando Nancy Kerrigan, rival de Tonya Harding na patinagem no gelo, foi agredida, Tonya foi ou não cúmplice do que aconteceu?... Não é verdade que a agressão foi montada pelo ex-marido de Tonya?... E porque é que ela nunca escondeu o seu menosprezo pela adversária?...
Eis algumas perguntas que podem definir um enigma policial, mas que não bastam para resumir um filme como "Eu, Tonya", centrado, precisamente, naquela ocorrência. Isto porque estamos perante uma narrativa que, mais do que uma divisão absoluta e definitiva entre "inocentes" e "culpados", procura ser fiel à infinita complexidade dos seres humanos.
Dito de outro modo: "Eu, Tonya" é uma ficção elaborada a partir de factos verídicos, mas com engenho e arte para conservar uma dimensão insolitamente documental. Aliás, o filme dirigido por Craig Gillespie (foi ele que, em 2007, assinou o também insólito e desconcertante "Lars e o Verdadeiro Amor", com Ryan Gosling) organiza-se mesmo como uma hipotética investigação em que, pontualmente, as personagens dão o seu testemunho directamente para a câmara.
Estamos perante (mais) um sintomático objecto marcado por esse desejo de realismo hoje em dia transversal a muitas cinematografias — para nos ficarmos por um exemplo óbvio, recordemos o também recentemente estreado "15:17 Destino Paris", de Clint Eastwood.
Como é óbvio, não tem nada de acidental que tudo isso aconteça através de uma subtil direcção de actores, parecendo certo que Allison Janey, no papel da mãe de Tonya, tem assegurado o Oscar de melhor actriz secundária. Sublinhemos, por isso, a excepcional performance de Margot Robbie, como Tonya, nomeada na categoria de melhor atriz — não é todos os dias que vemos uma actriz capaz de expor o vulgar e o sublime de uma mesma personagem.
João Lopes, cinemax 

“Era assim um bocado como a América: ou se ama ou não se é grande fã, e a Tonya era totalmente americana”, diz-se logo num dos depoimentos iniciais, dados no estilo de falso documentário que enforma a narrativa contada por Craig Gillespie. Narrativa que é uma das histórias mais bizarras dos anos 90 americanos, a do conflito dentro da equipa olímpica de patinagem artística que teve climax na agressão a uma patinadora, Nancy Kerrigan, a mando da entourage da sua rival Tonya Harding. Tonya, cujo ponto de vista é essencialmente respeitado pelo filme, sempre negou a sua responsabilidade no incidente, mas não escapou de consequências drásticas: a carreira de patinadora acabou aí, banida, por decisão judicial, de todas as competições oficiais, e pelo menos durante alguns anos foi uma celebridade, mas uma daquelas celebridades que recolhem o opróbrio do público em vez da sua adoração. Como diz num desses depoimentos a Tonya a que Margot Robbie dá corpo, “pensava que a fama ia ser divertida”. Não foi lá muito, nem foi da maneira que esperava. Mas a fama, o sucesso, são obsessões americanas, e Eu, Tonya é um retrato distorcido dessas obsessões a funcionar. A funcionar, em primeiro lugar, como pressão, sobretudo para quem nasce sem privilégios de classe. Isso é muito bem dado na relação entre Tonya e a mãe (Allison Janney), a principal “curadora” dessa obsessão pelo sucesso — o sucesso em qualquer coisa (calhou ser a patinagem no gelo) — como única forma de ascensão social. Está disposta a tudo pela filha, até a colher o seu ódio pela disciplina férrea que lhe impõe, como se o ódio fosse o preço a pagar pelo sucesso, e o sucesso é para ser obtido a qualquer custo: “nice gets you shit”, “ser boazinha não te leva a lado nenhum” (em tradução livre e menos vernacular), diz-lhe ela numa cena de diálogo que revela, se não a “moral da história”, pelo menos a moral que domina entre as personagens.
O jogo razoavelmente perigoso que Craig Gillespie joga, e que é pelo menos parcialmente bem sucedido é este: encontrar a distância certa para a dar a ver, digamos “criticamente”, esta maneira de pensar e de agir, sem perder de vista uma certa empatia e uma certa gravidade, oferecendo aos espectadores todas as pistas para que se perceba porque é que as personagens pensam assim e porque é que, provavelmente, não podem deixar de pensar assim – é uma questão de sobrevivência. O que equivale a dizer que se o filme aposta numa certa irrisão, também ela “crítica” e devolvida na forma de comédia, nunca se coloca contra as suas personagens, e sobretudo não contra estas duas, Tonya e a mãe (a “comédia” está mais reservada para os homens, o marido e os seus comparsas, desajeitados e nem por isso muito inteligentes). A saga de Tonya acaba assim por funcionar como um olhar sobre uma América “feia”, rural, “redneck”, que em grande medida evita a sobranceria e consegue estar “lá”, numa atitude não necessariamente solidária mas capaz de compreender as suas razões. E com Tonya nunca deixa de estar, o “regard-caméra” desafiante com que a deixamos no último plano sugere que há qualquer coisa a salvar dos escombros: talvez a ideia de que o “sucesso”, afinal de contas, é um estado de espírito, contra o qual os factos e as circunstâncias podem pouco.
Luís Miguel Oliveira, Público

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CURTA METRAGEM DE ABERTURA DA SESSÃO
MIAMI, Simão Cayatte, PT, 2014, 15'


O sonho de fama de uma adolescente transforma-se numa perigosa obsessão.

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