Paisà de Rossellini - Dia 10 - 21h30 - Pátio de Letras - Entrada Livre!

Filme em 6 episódios que narra o avanço das tropas americanas, desde o seu desembarque na Sicília, em 1943, até a libertação da Itália, em 1945. As filmagens seguiram o estilo de Roma, Cidade Aberta, usando luz natural e actores amadores. Neste igualmente memorável filme, Rossellini consegue mostrar como a guerra se deu na Itália, captando os sentimentos do povo comum, seu heroísmo, seus medos, suas histórias de amor, sua lealdade. Paisà é por alguns considerado como o supremo exemplo do neo-realismo italiano.


“Todo filme que faço me interessa por causa de uma cena particular.(...) Quando fiz Paisà, tinha em mente a última parte, com os cadáveres boiando e sendo carregados pelo rio Pó, com tabuletas e a palavra ‘Partigiano’. O rio teve esses cadáveres por meses. Muitas vezes, vários encontrados num dia.”
Roberto Rossellini

Quando Roberto Rossellini dirigiu Paisà em 1946, a Itália ainda sentia as dores do parto da libertação dos vinte anos do fascismo de Mussolini, mais uma guerra civil que durariam dois anos - enquanto as tropas aliadas ainda tentavam expulsar as tropas alemãs da península. Poucos anos antes, Rossellini, então trabalhando para o ditador, havia realizado uma trilogia de filmes enaltecendo o soldado italiano fascista. Agora, com o laço fascista longe de seu pescoço, ele realiza outra trilogia: Roma, Cidade Aberta (Roma Città Aperta, 1945), Paisà e Alemanha Ano Zero (Germania Anno Zero, 1948).

Composto por várias histórias, Paisà mostra principalmente alguns aspectos da vida dos guerrilheiros que lutaram contra o nazi-fascismo. A imagem do cadáver daquele guerrilheiro italiano morto pelos alemães descendo o rio Pó, originalmente deixado lá pelos nazistas como um aviso, invade a tela como um rastilho de pólvora. Para muitos espectadores acostumados aos filmes de guerra, esta imagem não fala muito alto, mas para Rossellini ela é como uma materialização da Itália naquele momento da história.

Pelo menos é assim que pensa Millicent Marcus, que considera Paisà como uma reação de Rossellini a essa imagem do “cadáver da Itália” transformado em espetáculo pelos alemães (o objetivo era dar uma punição exemplar e deter a Resistência). O filme é como um resgate daquele corpo das águas do rio, para neutralizar a impotência daquele corpo. O que Paisà faz é procurar subverter o significado que o nazi-fascismo dava à palavra Partigiano – nada mais do que bandido, transgressor, fora-da-lei; alguém que desafiou as regras da autoridade nazi-fascista abdicando assim de qualquer exigência de respeito ou dignidade.

Resgatando o cadáver das águas, Dale e Cigolani, num acto de piedade, conferem dignidade ao morto – um acto que marca e define a civilização humana. Embora a sepultura não dê um nome àquele corpo, ele recebe uma identidade. Re-significando o valor negativo da palavra partigiano, ao plantar a tabuleta com este título na sepultura, os partisans redefinem radicalmente a relação entre o signo e o corpo – invertendo o termo de insulto para louvor, convertendo uma punição exemplar numa consagração.

É assim que o epitáfio na sepultura do guerrilheiro morto é estendido para os mártires italianos dos outros episódios do filme, como Carmela, que ninguém sabe que morreram. Enquanto epitáfio, inscrição numa sepultura, Paisà se encaixa na tradição memorialista de Ugo Foscolo. Em seus versos, o escritor “leu” os cemitérios enquanto signos de um engajamento heróico com a vida, forjando uma continuidade com um passado humanista e inspirando um futuro de empenho cívico – no mesmo sentido que os neo-realistas queriam estabelecer uma ligação entre os ideais da Resistência e o renascimento da Itália no pós-guerra.

Roberto Acioli de Oliveira



Título original: Paisà
Realização: Roberto Rossellini
Argumento: Sérgio Amidei, Federico Fellini, Roberto Rosselini e Rod Geiger
Interpretação: Carmela Sazio, Robert van Loon, Benjamim Emanuel, Raymond Campbell
Direcção de Fotografia: Otello Martelli
Música: Renzo Rossellini
Montagem: Eraldo da Roma
Origem: Itália
Ano de estreia: 1946
Duração: 125'



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2 comentários:

josé neves disse...

Amigos do Cineclube,
Desculpem lá, mas não concordo nada com a passagem de filmes no Pátio das Letras, para máis filmes de culto que devem ser vistos em total ambiente cinéfilo para serem sentidos e apreendidos tão próximo quanto possível da arte do Realizador.
Ver um filme destes num bar onde uns, cinéfilos, querem ver a carne e a alma do filme, e outros, da noite, bebem e conversam nas mesas se não riem mesmo com o filme, é muito pior que ir ao shopping e apanhar uma enchente a triturar pipocas.

anabela moutinho disse...

Amigo José Neves,

obrigada pela sua opinião. Um reparo: o filme não será visto num bar, mas sim no recato, e bem agradável (aquecimento, sofás, almofadas e até mantas!!), de um espaço fechado com um ecrã bem maior do que o de uma tv caseira.

Mesmo quando lá promovemos o Ciclo de Cinema Iraniano, em Julho passado, em que, por ser Verão, o espaço não estava fechado, como pode compreender o bar estava aberto mas não debitava música nem havia pessoas a fazer barulho: porque estava a acontecer uma sessão de cinema.

Outro exemplo: no ano do nosso 50º aniversário - 2006 - exibimos m longuíssimo ciclo de 50 filmes/sessões n'Os Artistas que, como sabe, tem um bar muitíssimo movimentado. Mas as sessões decorreram no Salão, e a actividade do bar, enquanto espaço com música própria, era suspensa enquanto decorriam os filmes.

Bar aberto no Pátio - a quem de novo agradecemos a prontidão com que nos acolheram, nesta aflição de última hora de necessidade de mudança de local para este Ciclo - quer unicamente dizer que, tal como dantes acontecia no IPJ, o café está aberto e, portanto, podem os espectadores beber o seu cafézinho ou seja o que for antes da sessão ou no intervalo dela.

E isso parece-nos muito bem. :-)

Dê o benefício da dúvida e apareça. Lá nos encontraríamos esta noite para avaliar as condições. Quer?

(todo este comentário poderia ter sido resumido nisto: acha que nós alguma vez exibiriamos um filme 'num bar e outros, da noite, bebem e conversam nas mesas se não riem mesmo com o filme'? conhece-nos assim tão mal e a todas as sessões que fizemos ao longo de 54 anos de história?
:-)

abraço.)