Primeira longa-metragem do canadiano Vincenzo Natali, Cubo chega até nós com um atraso de cerca de três anos, que, em termos de vida de um filme nos dias que correm, é muito. Mas o que o espectador pode perder em surpresa ganha em segurança. Isto é, não parte para o filme mais ou menos desprevenido mas com um (possível) saber do estatuto de culto que o filme angariou no decorrer desse tempo. Mesmo assim é uma surpresa, e bem mais estimulante (em termos de cinema e de ficção), de outros «exercícios» de principiante que se tomaram notórios, desde um El Mariachi, de um tal Rodriguez que criou fama com o filme e deitou-se a dormir, a um O Projecto Blair Witch. Como estes, também Cubo foi um filme feito com pouco dinheiro, e as suas filmagens limitaram-se a 20 dias num armazém onde foi construído o «cubo» onde os personagens se encontram.
A diferença entre este filme e outros feitos nas mesmas condições é que Cubo procura ser obra limpa e convincente, sem expor em demasia as suas fragilidades e pobreza. O filme de Natali assume-se, antes de mais, como um clássico Série B dos anos 50, no estilo dos que Jack Arnold fazia para a Universal, só para dar um exemplo de série bem carpinteirada e respeitando as regras da verosimilhança. Aliás, Cubo é um dos raros trabalhos que hoje em dia nos dá uma imagem convincente desse tipo de filmes, pela forma como usa o número reduzido de personagens, num espaço que, apesar de variar, percebemos quase sempre único (passa-se de sala cúbica para sala cúbica, em tudo semelha-te, só mudando a cor a as armadilhas que encerra), e desenvolve a acção explorando as tensões que nascem entre os personagens, conseguindo, inclusive, surpreender com as mudanças de comporta-mento de alguns deles.
Se me referi aos anos 50 e à Série B, é porque o filme de Natali está bem marcado por um imaginário desse tempo e desse género de filmes. O argumento lembra, entre outras histórias, um famoso episódio da série «Twilight Zone», (que não há muitos anos a RTP2 repetiu na íntegra, e cuja influência continua a exercer-se em quem a descobre), aquele em que seis pes¬soas se encontram, sem saberem como, no interior de uma «caixa», passando o resto do episódio a tentar sair dali.
Tal como a série de Rod Serling, que tinha sempre uma espécie de comentário filosófico a encerrar a história, também não é difícil detectar esse comentário no filme de Natali, não de forma objectiva, como na série, mas como conclusão tirada pelo espectador, como fazem outros modernos «contos filosóficos» do cinema americano contemporâneo, como um Forrest Gump ou um Truman Show. Mas isto, por si só, não é particularmente relevante. O que importa neste muito conseguido trabalho de Natali é a forma como ele gere o suspense, as tensões entre os personagens e as surpresas dos momentos de choque, sem nunca cair no mau gosto ou no excesso «gore», recurso usado por tantos outros que falham no que é mais importante, a imaginação. E este é o trunfo de Cubo, um filme que consegue transmitir-nos a sensação de claustrofobia que domina aqueles estranhos seres.
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Manuel Cintra Ferreira, Expresso, 21/10/00
... eis um filme tipo "Corre, Lola, corre", de Tom Tkywer, isto é, filme que se encanta com a arte que o argumento para cinema pode ser, e ter. O ponto de partida situa-se entre o fantástico e a ficção kafkiana, o ponto de chegada constitui uma experiência rara e inolvidável.
«Cube» foi o vencedor do Grande Prémio da edição de 1999 do Fantasporto, Secção Oficial Competitiva, a qual (ainda) se reserva ao cinema fantástico. Abre com uma das mais interessantes sequências que o género proporcionou nos últimos tempos. Toma o seu tempo, cria atmosfera, introduz o cenário e maravilha o espectador. O conteúdo da sequência introdutória - sem grande relevo para a narrativa que se segue pós-créditos iniciais - será aquilo pelo que este filme mais será recordado (o que sucede especificamente fica guardado para quem tiver oportunidade de o ver - e não admirará se, tal como «Retroactive», o vencedor do ano passado, «Cube» não venha a ser comprado para edição vídeo, e aqui o dano será menor, já que não se utiliza écran largo -, mas previne-se que é "natural" que a maioria dos textos referentes a esta obra façam questão de descrever a cena em pormenor).
O melhor de «Cube» é o seu conceito e o aproveitamento que se faz do cenário. Afinal não é preciso muito mais do que uma única sala em forma de cubo, iluminada com diferentes cores, para dar a impressão de que se passa por dezenas de salas diferentes. Pelo início somos impelidos a ter algum interesse pelas causas, mas cedo compreendemos que tal é secundário, e que são os efeitos apenas o que interessa, se bem que seja relativamente óbvio que se trata de alguma espécie de experiência, e que os personagens serão cobaias humanas. Mas, se eles perderam as memórias mais recentes (em particular em relação ao modo como foram ali parar), também podemos colocar uma série de outras hipóteses, incluindo até tratarem-se de verdadeiros condenados, a cumprir uma pena legítima, sob a autoridade de determinado Estado, num futuro próximo (não há referências a nacionalidades no filme, como parece ser apanágio em produções Canadianas Anglófonas, para assim melhor se penetrar no mercado dos EUA). Mas isto são meras especulações para confundir o leitor, que, se chegar ao fim do filme, concluirá que é um "debate" irrelevante, apesar de se admitir que a busca pelas hipóteses mais remotas e disparatadas poderá ser divertida q.b., mesmo que não constitua o momento alto de uma qualquer reunião social.
Uma das conclusões que se pode tirar do filme de Natali, cujos créditos prévios incluem episódios da série Psi Factor (exibida pela TVI entre nós) e uma curta que estaria na génese desta sua primeira longa metragem - «Elevated» (1997), em que três pessoas estão presas num elevador avariado -, é que funcionaria melhor num formato mais curto. Daí a curiosidade em ver «Elevated». É que o ponto de partida de «Cube» é muito sedutor e o design de produção minimalista extremamente adequado (tem de se admitir ser complicado suster a atenção do público durante hora e meia, sobre o que é, afinal, sempre o mesmo cenário), mas parece que já espremeu todo o sumo quando se chega ao meio do filme.
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cinedie.com
Título original: Cubo
Realização: Vincenzo Natali
Argumento: André Bijelic, Vincenzo Natali, Graeme Manson
Música: Mark Korven
Fotografia: Derek Rogers
Montagem: John Sanders
Interpretação: Nicole de Boer, Nicky Guadagni, David Hewlett, Andrew Miller,
Julian Richings, Wayne Robson, Maurice Dean Wint
Origem: Canadá
Ano: 1997
Duração: 90’
Origem: Canadá
Ano: 1997
Duração: 90’
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