2ª SESSÃO: Hepburn e Tracy - olha que dois! Comédias clássicas nos Jardins da Sede, às 5f!

CINEMA AO AR LIVRE - DIA 14 DE JUNHO, 21h30, Entrada Livre.

A MULHER ABSOLUTA, George Cukor, EUA, 1952, 95’


Esta maravilhosa comédia de George Cukor foi o último star vehicle que Katharine Hepburn fez como estrela contratada pelo estúdio das estrelas e dos star vehicles, a Metro-Goldwyn-Mayer. Depois da fase inicial da carreira de Hepburn como estrela da RKO e depois da birra que afastou Hepburn de Hollywood para fazer a peça de Philip Barry The Philadelphia Story, a divina Kate foi, durante doze anos, uma das principais estrelas da Metro, que, apesar de nem sempre lhe ter dado bons filmes, deu-lhe sempre o star treatment que fazia parte da imagem de marca do ultra-luxo da Metro (quando Garson Kanin perguntou a Hepburn porque razão é que ela não deixava o estúdio, a resposta foi que "não há nada como ser estrela da MGM quando se pretende viajar de comboio").

Ao longo dos anos quarenta, começando com The Philadelphia Story (1940) de Cukor, Hepburn é uma espécie de criatura mítica que se movimenta em cenários luxuosamente irreais desenhados por Cedric Gibbons, sempre chiquíssima nos bizarros figurinos com que Adrian a vestia (a imagem paradigmática desta Hepburn é a de Keeper of the Flame, de 1942; será coincidência o facto de a cinematografia ser da responsabilidade do fotógrafo de Garbo, William Daniels, que também fotografou Pat and Mike?). Os melhores filmes que ela fez para a Metro foram sempre expressamente concebidos para ela (com ou sem Tracy, que não punha problemas de bilheteira, ao passo que Hepburn tinha de ser cuidadosamente" condimentada" de forma a agradar ao público) e Pat and Mike é o último da série.

A ideia surgiu no espírito de Garson Kanin durante uma partida de ténis, em que Hepburn demonstrava inegável virtuosismo. Porque não aproveitar os talentos atléticos de uma actriz que, em quase todos os seus filmes até à altura, sempre fizera do ar puro parte da sua persona cinematográfica? Hepburn e Tracy acharam que a ideia era boa; Kanin e Gordon avançaram com a elaboração do argumento em colaboração estreita com Cukor, que, se era incapaz de meter o nariz no trabalho dos outros (respeitava profundamente a integridade artística de todos os seus colaboradores), gostava, no entanto, de dar ideias e fazer sugestões. O próprio cineasta gabava-se de nunca ter aparecido nas filmagens de nenhum dos seus filmes com bocados de diálogo rabiscados no verso de envelopes (à Rossellini), mas de tratar essas questões com a instância apropriada, ou seja, o argumentista. Relativamente à caracterização das personagens de Tracy e de Hepburn, temos um retorno à discrepância de origem social de Woman oí the Year (o primeiro filme do par), que, aliás, tinha ressonâncias biográficas, pois parece que Tracy se sentia inferiorizado pela família de Hepburn (que ascendia à casa real da Escócia - a famosa rainha Mary, que Hepburn interpretou para John Ford, foi casada, em dada altura, com um primo cujo nome era Hepburn, antepassado de Kate). Tracy desempenha um papel fabuloso de empresário mais ou menos honesto, que, como ele próprio diz, nem sequer é capaz de falar "left-handed English" - a frase mais célebre do filme é o comentário de Mike (Tracy) acerca de Pat (Hepburn): "there ain't much meat on her, but what there is is cherce (isto é, choice)". Pat é, insolitamente (tratando-se de Hepburn!), uma mulher insegura, com falta de auto confiança, que se "descobre" como pessoa e como atleta devido ao encorajamento do plebeu Mike. Isto leva-nos para um aspecto importante do filme. Pat and Mike vem no fim de uma série de filmes, como se disse, em que se encena os desequilíbrios de poder entre macho e fêmea, protagonizados por Tracy e Hepburn. O mais cruel e chauvinista destes filmes é Woman of the Year, em que a reabilitação da persona de Hepburn passa pela humilhação ritual da mulher que tem certezas e miolos a mais, mas que nem sequer sabe fazer uma chávena de café, muito menos ser a esposa e mãe ideal dos sonhos americanos. Adam's Rib representa, neste aspecto, um notável passo em frente, pois nesse filme de Cukor os problemas entre macho e fêmea são equacionados na fórmula: "o que é igual para um, é igual para o outro", afirmação que permite postular, sem chauvinismo, "viva a diferença fisiológica entre os sexos". Em Pat and Mike temos a sensação de termos superado as questões que os filmes anteriores do par problematizavam, como se esses filmes constituíssem uma sequência progressiva sem interrupção, no âmbito da qual é necessário remeter para trás e para a frente, para que cada um desses filmes adquira significação plena. Já não temos antagonismo entre os sexos em Pat and Mike; em vez do tema da "fera amansada" de Woman of the Year, ou do tema dos "direitos da mulher" em Adam's Rib temos agora o tema muito mais subtil da "identificação de uma mulher", para o qual o falso matarruano Tracy dá o contributo decisivo. O próprio título do filme (totalmente invalidado na versão portuguesa) sugere essa temática sexual atenuada, pois em inglês americano tanto Pat como Mike podem ser indiferentemente nomes femininos ou masculinos.


Outro tema que avulta como desnecessário em Pat and Mike é o da encenação de grandes cenas de amor entre os protagonistas. Isso já tinha sido feito nos outros filmes (sempre de forma comedida, no entanto, se compararmos a electricidade erótica de Tracy e Hepburn com a de Cary Grant e Ingrid Bergman em Notorious); por outro lado, a dupla já passara a idade do par romântico tradicional (Pat é, inclusivamente, viúva) e, de resto, toda a gente sabia que a relação entre os dois era um dado adquirido, mesmo na vida real. Isto está em perfeita consonância com a abordagem de Cukor a este argumento singular, pois o especialista cukoriano Carlos Clarens considera Pat and Mike o filme em que a quintessência do cinema de Cukor se encontra destilada da forma mais subtil de sempre: tudo é understated, todo o filme é detentor de um encanto e de uma graciosidade que nunca chamam a atenção para si mesmos. Mesmo uma personagem como a do boxeur interpretado por Aldo Ray, que teria sido um autêntico desastre nas mãos de outro cineasta, adquire aqui foros de charme e de subtileza inesperados, qualidades que são afinal apanágio do sortilégio único na história de Hollywood que é o cinema de George Cukor.
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Frederico Lourenço, George Cukor – As Folhas da Cinemateca



Título Original: Pat and Mike
Realização: George Cukor
Argumento: Ruth Gordon e Garson Kanin
Fotografia: William Daniels
Montagem: George Boemler e Peter Ballbusch
Interpretação: Spencer Tracy (Mike Conovan), Katharine Hepburn (Pat Pemberton), Aldo Ray (Davie Hucko), William Ching (Collier Weld), Sammy White (Barney Grau), George Mathews (Spec Cauley), Loring Smith (Mr Beminger), Phyllis Povah (Mrs Beminger), Charles Buchinski (Charles Bronson) (Hank Tasling), Frank Richards (Sam Garsell), Jim Backus (Charles Barry)
Origem: EUA
Ano: 1952
Duração: 95’

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