24 ROTAÇÕES -10 DE SETEMBRO // ARTISTAS // 22h00 MISTAKEN FOR STANGERS

DIA 10 DE SETEMBRO // ARTISTAS // 22h00
MISTAKEN FOR STANGERS
Tom Berninger, EUA, 2013, 75’

Sócios CCF e SRAF: 2€ // Público em geral: 3€

FICHA TÉCNICA
Realização: Tom Berninger
Fotografia: Tom Berninger
Montagem: Tom Berninger e Carin Besser
Música: The National        
Origem: EUA
Ano: 2013
Duração: 75’

Festivais
Festival Doclisboa – Selecção Oficial
Festival de Tribeca – Filme de Abertura
Festival de Londres – Selecção Oficial
Festival Afi Docs – Selecção Oficial
Festival Hot Docs – Selecção Oficial
Festival de Sydney – Selecção Oficial 

DECLARAÇÃO DO REALIZADOR
“O meu irmão é uma estrela Rock e eu não. Há uns anos, eu vivia em Cincinnati e fazia as minhas curtas-metragens. Fazia curtas de terror e de acção, e também estava a trabalhar numa curta-metragem romântica inspirada na história de Johnny Appleseed. O meu irmão vivia em Nova Iorque. Ele é o vocalista de uma banda chamada The National. Tinham acabado de editar o quinto álbum e estavam prestes a partir em digressão. As coisas começavam a correr bem; o novo disco (“High Violet”) entrou na tabela da Billboard, e os concertos estavam a esgotar. Ele convidou-me para vir ajudar na digressão (como assistente do director de digressão), e decidi levar a câmara.
Eu e o meu irmão temos nove anos de diferença de idade. Quando eu tinha sete e ele 17, ainda partilhávamos o mesmo quarto. Uma noite, ele chegou tarde a casa e falou-me do filme que tinha acabado de ver. Disse-me que devia ser o melhor filme que já tinha sido feito. O filme era O PREDADOR e, quando o vi, achei que ele tinha razão. Também me levou a ver ROBOCOP, CEMITÉRIO VIVO, e O ABISMO. (Eu talvez fosse novo demais; penso agora que para mim aqueles filmes eram como alucinações.) O amor por aqueles filmes era algo que eu e o Matt partilhávamos — até ele ter ido para a faculdade onde descobriu “A Primeira Noite.” Quando lhe mostrei uma das curtas que fiz — um filme de terror sobre um bárbaro com uma crise de identidade — ele não se mostrou nada empolgado. Os nossos gostos tinham mudado. Ele tinha uma banda de Indie Rock; eu ouvia Metal. A música dele estava a tornar-se extremamente popular e, para ser sincero, eu não conseguia entender porquê.
Os The National são compostos por dois conjuntos de irmãos: Aaron e Bryce Dessner e Scott e Bryan Devendorf. Em entrevista após entrevista, perguntavam a Matt: “Como é ser o único elemento da banda que não tem um irmão?” Eu quase nunca era referido. Levei a câmara na digressão como forma de entender o Matt um pouco melhor e talvez também como forma de me introduzir no cenário.
Entre vender mercadoria, abastecer toalhas e comida e verificar as listas de convidados antes de cada concerto, filmei tudo o que pude. Entrevistei os elementos da banda e entrevistei o meu irmão. Entrevistei os meus pais quanto ao que nos tornava tão diferentes. Acompanhei os elementos da banda pelas diversas cidades a que fomos — Paris, Londres, Varsóvia — e fiz “vídeo-retratos” cómicos de cada um deles. Dei a minha perspectiva sobre uma banda que tinha a reputação de ser melancólica. Filmei os concertos. Discuti com o Matt e também filmei isso. Fiz um diário da digressão e filmei-me a mim mesmo. Fiz tudo isto com uma pequena câmara portátil. E depois fui despedido da digressão.
Quando a digressão acabou e o Matt voltou a casa, ele convidou-me para ir viver para casa dele em Brooklyn, onde vivia com a esposa, Carin, e a filha deles, com dois anos.
Tentei trabalhar com todo o material que tinha filmado. Nesse momento, tinha cerca de 200 horas de filmagens e não tinha uma ideia concreta quanto ao que queria fazer. Foi uma batalha para conseguir encontrar uma história que encaixasse. A banda não se tinha separado nem tinha sido abandonada pela editora. Ninguém era dependente de drogas nem tinha problemas com o jogo. Por vezes, os concertos da banda eram tensos, mas tinham um sucesso tremendo. Fechei-me durante alguns meses e emergi com algo que parecia ser um longo vídeo musical sem música ou uma série de brincadeiras de bastidores – era divertido de ver, mas não era uma narrativa completa.
O Matt encorajou-me bastante e achou que eu precisava de ter um prazo para cumprir. Ele sugeriu que eu apresentasse uma versão do filme em bruto antes de um dos concertos da banda. A banda estava toda lá para ver o que eu tinha feito, e os fãs também chegaram cedo para ver — mas tive um monte de problemas técnicos e o ecrã ficou em branco durante vários minutos.
Entretanto, Matt e Carin quiseram que eu e a minha batalha para terminar o filme tivessem um papel maior no filme. Por isso, eles continuaram a filmar enquanto eu tentava terminar o filme. E o filme transformou-se em algo diferente: não é um documentário puro — vejo-o como uma espécie de híbrido, um misto entre um documentário sobre a banda e um auto-retrato mal-amanhado. (E Werner Herzog — um elemento bastante presente na minha inspiração para a mistura de géneros — tem uma pequena participação.) No fundo, é sobre irmãos com destinos diferentes e sobre irmãos numa banda Rock. Trata da estranheza de voltar a conhecer um irmão em adulto, e através da lente de uma câmara; da dificuldade que é colaborar em algo que seja criativo — um álbum ou um filme. E da dificuldade que é fazer algo que seja bom.
Fazer este filme e acompanhar o sucesso dos The National após um crescimento tão lento fez-me perceber que é preciso ter fé e paixão, mas também perseverança, para fazer algo que valha a pena. É preciso ter paciência com os nossos projectos e paciência connosco mesmos. É isso que espero que as pessoas retirem disto.”



REACÇÕES AO FILME DE MATT BERNINGER - VOCALISTA DOS THE NATIONAL
“Convidei o meu irmão Tom para vir na digressão porque os concertos estavam cada vez maiores e precisávamos de ajuda. Também queria passar algum tempo com ele. Fui para a faculdade quando ele tinha nove anos, e desde então só estivemos juntos nas férias e em reuniões da família. Agora, ele já tinha 30 anos e ainda vivia com os nossos pais. Achei que ele estava na mó de baixo.
Consegui fazê-lo ser contratado como assistente do dirextor da digressão e fiquei feliz quando ele trouxe a câmara. Eu sabia que o que ele realmente queria era fazer filmes. Adorei tê-lo por perto e o resto da banda também. Ele conseguia aliviar a ansiedade provocada pelos grandes concertos e fazia-nos rir a todos. Gostávamos de nos deixar levar por algumas das suas ideias cinematográficas mais contorcidas. Mas ele tinha dificuldades em fazer o trabalho que lhe pagavam para fazer, e isso provocava bastante tensão — em mim e, sobretudo, no nosso dirextor de digressão, Brandon Reid. No fim, o trabalho de Tom na equipa não correu bem, e tivemos de mandá-lo embora.
Quando a digressão terminou, convidei o Tom para vir para Nova Iorque viver comigo, com a minha esposa e com a nossa filha, para fazer alguma coisa com tudo aquilo que tinha filmado e para terminar o filme. No fim, esta mudança de residência também se tornou parte do filme. Carin, a minha esposa, começou a ajudá-lo a montar o filme e aquilo que criaram foi uma surpresa. O filme do Tom é simplesmente hilariante, lindo, sem rodeios, emocional e sincero — é tudo o que sempre adorei no meu irmão mais novo.”




CRÍTICA                              
É facilmente um dos mais peculiares “documentários rock” vistos nos últimos anos, e por certo o mais divertido. Para o ser basta-lhe esquecer-se dos trâmites habituais do género - embora, acompanhando a banda “on the road” e em estúdio, os referencie - e introduzir um elemento distintivo e bastante original: a questão familiar, a história de um irmão a olhar para outro. Tom Berninger, o realizador, é o irmão mais novo de Matt, vocalista dos The National e, hoje, década e meia depois do arranque do grupo, um ídolo para multidões de dimensão muito razoável. Esse é já um dos elementos do filme: é que se Matt abandonou a casa familiar no Ohio em busca do sucesso, conseguido, na “grande cidade” (Nova Iorque, ou mais precisamente Brooklyn), Tom não ata nem desata, sem emprego fixo, sem sair de casa dos pais, sem completar nada do que inicia. Numa mistura de puro amor fraternal e complexo de culpa irmão mais velho, Matt contratou Tom para “roadie” da digressão que os National fizeram ao seguir ao lançamento de “High Violet”. E Tom foi na digressão, munido de uma câmarazinha digital e imbuído do espírito de repórter oficioso. A coisa correu mal, dada a incompetência de Tom nas funções para que foi contratado: acabou despedido, mas com o material que guardou na câmara ficou com material suficiente para montar um filme. E montou-o, incentivado pelo irmão, história que também se vê em “Mistaken for Strangers” como se o filme fosse em simultâneo o seu próprio “making of”.
A relação entre os dois irmãos, o mais velho que faz um grande esforço para ser “responsável” (e praticamente só escreve canções sobre isso) e o mais novo naturalmente estouvado, toma conta do filme, é o seu fio condutor e, mais do que isso, o seu centro, relegando a pouco e pouco para um canto os procedimentos (as cenas de concertos, os interins da digressão) que se esperam de um filme ancorado numa banda rock. É um pequeno festival de inconveniência e situações embaraçosas, humor “self-deprecating” que às vezes parece demasiado bom para não ter sido minimamente pensado, e que, pelo caminho mais longo, acaba por reencontrar, inesperadamente, muito do espírito das canções dos National. Não é preciso ser fã do grupo para encontrar prazer neste filme, basta não se ter aversão.
Luís Miguel Oliveira, publico.pt/



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