LADY MACBETH
William Oldroyd
Reino Unido, 2016, 89', M/16
FICHA TÉCNICA
Realização: William Oldroyd
Argumento: Alice Birch, baseado no romance 'Lady Macbeth de Mtsensk' de Nikolai Leskov
Montagem: Nick Emerson
Fotografia: Ari Wegner
Música: Dan Jones
Interpretação: Florence Pugh, Christopher Fairbank, Cosmo Jarvis
Origem: Reino-Unido
Ano: 2016
Duração: 89'
FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival de San Sebastián - Selecção Oficial
Festival de Toronto - Selecção Oficial
TRAILER
CRÍTICAS
Florence Pugh é espantosa em Lady Macbeth
no modo como passa da desesperada desolação da solidão à dureza inquebrável e
insensível.
Houve
duas daquelas “bocas” portugueses meio boçais que nos vieram à cabeça a ver a
primeira longa-metragem do inglês William Oldroyd. Primeira: “os homens
querem-se é brutos e a cheirar a cavalo”. Porque, de facto, todos os homens de Lady
Macbeth (ou todos os homens que contam para a história) são brutos
e lacónicos, eles é que querem, podem e mandam, mesmo quando são subalternos ou
moços de estábulos, eles é que se forçam e a mulher que se aguente à bronca.
Segunda: “as gajas são do pior”. Porque, de facto, todas as mulheres de Lady
Macbeth estão em permanente guerra umas com as outras, num constante jogo de
posições para ver quem sai por cima. Patroas ou criadas, não têm grande
solidariedade de género: é cada uma por si e fé em Deus. Ou, no caso de
Katherine, a personagem central do filme, fé é coisa com que não se conta
muito.
Forçada
a casar-se com um homem mais velho que não tem o mínimo interesse nela e a
ignora ostensivamente, encafuada diariamente numa casa de onde não pode sair e
onde ninguém a visita, tudo em nome de uma suposta “etiqueta social” para quem
a mulher é mero ornamento, Katherine decide que não vai ser a santa que o sogro
ríspido e o marido desinteressado querem. A sua luta pela independência numa
sociedade não vai, contudo, ser limpa. Katherine vai lutar à altura de homem,
usando as armas que o seu sexo — e a sua inteligência — lhe deram, lançando um
arrasador jogo de manipulações que não deixa pedra sobre pedra.
O rasgo
de inspiração de Oldroyd, adaptando a novela do russo Nikolai Leskov Lady
Macbeth de Mtsensk, é ver esta história clássica com um olhar
moderno. Recusa julgar a sua personagem, e observa meticulosamente o modo como
Katherine transpõe os degraus e passa de humilhada a humilhadora, de mero
“móvel da casa” a senhora do seu destino. Florence Pugh é espantosa no modo
como toma as rédeas da situação e passa da desesperada desolação da solidão à
dureza inquebrável e insensível. A única resistência eficaz, para uma oprimida
presa num sistema sem saída, é tornar-se ela própria opressora, sem olhar a
custos. E Oldroyd filma esse percurso com uma claustrofobia opressiva e
sufocante, onde tudo na fotografia de Ari Wegner sublinha o ambiente rígido de
estufa abafada desta casa, ao mesmo que se mantém suficientemente distante dos
planos quase de film noir de
Katherine para poder olhar para esta situação como uma inexorável tragédia,
muito próximo do “horror” que os velhos gregos achavam que a forma devia
inspirar.
Lady
Macbeth recusa as convenções edulcoradas do filme de época, está
mais próximo do despojamento do Diário de uma Criada de Quarto
segundo Jacquot ou do arrebatamento telúrico do Monte
dos Vendavais de Andrea Arnold. É uma das mais promissoras e
conseguidas estreias que vemos em muito tempo, faz-nos acreditar que ainda é
possível fazer cinema que pensa enquanto fala ao espectador.
, Público
Lady
Macbeth é o primeiro filme do encenador britânico William Oldroyd.
A informação torna-se importante visto que há efetivamente algo de
profundamente teatral nesta adaptação do conto Lady
Macbeth of Mtsenskde, de Nikolai Leskov, também já passado para a
ópera. Sobretudo através do desenho relativamente rígido das personagens e do
modo como contracenam. A ação passa-se na Inglaterra rural e senhorial do
século XIX. Mas sobressai uma certa ideia de anacronismo, como se as
personagens coexistissem em tempos diferentes. Por um lado, há uma rigidez
machista, quase medieval, na venda para casamento da rapariga a um rico
proprietário, e pela forma como o marido lida com a esposa e como o sogro lida
com a nora. Há toda uma brutidão explícita, que vai desde a bizarra relação
íntima marido-mulher, até à exigente postura pública. Tudo isto faz-nos desejar
a libertação de Katherine, transformando-o na máxima e maquiavélica ambição de
todo o filme.
Tal
acontece fruto do acaso, da oportunidade, com as viagens do marido e do sogro,
em que ela se apaixona por Sebastian, um trabalhador negro. Sebastian é uma
personagem do século XX.
No
discurso, no arrojo, na ambição. Quando os encontramos juntos avançamos oceanos
de tempo, como quem diz que a liberdade e o verdadeiro amor nos tornam
atemporais e por isso contemporâneos.
Os
dilemas de Lady Macbeth assemelham-se, em parte, a O
Monte dos Vendavais, mas a sua resolução é diversa e bastante mais
pragmática. Ao desejar intensamente a libertação de Katherine, o espectador cai
numa armadilha. Porque cedo se apercebe de que não há inocência na sua figura,
bem pelo contrário, é a única personagem verdadeiramente perversa no sentido em
que passa com demasiada facilidade da circunstância de vítima para a de
carrasco. E o público, que tomou partido e foi convicto da ideia de que a
violência sobre Katherine é horrenda, e de que é legítimo lutar pela sua
libertação e felicidade amorosa, vê-se confrontado com um crescendo dilema
moral. É forçado a responder à pergunta: até onde se poderá ir em nome dessa
felicidade e dessa libertação? Cada um traçará a sua própria linha.
Com uma
magnífica interpretação de Florence Pugh, Lady Macbeth é um
atípico filme de época, com um profundo sentido do drama e da tragédia.
Manuel Halpern, Visão
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