ANA, MEU AMOR | 30 OUT | 21H30 | IPDJ


ANA, MEU AMOR
Călin Peter Netzer
RO/DE/FR, 2017, 125’, M/16


FICHA TÉCNICA
Título Original: Ana, Mon Amour
Realização: Călin Peter Netzer
Argumento: Călin Peter Netzer, Cezar Paul-Badescu, Iulia Lumânare, inspirado na obra "Luminita, mon amour", de Cezar Paul-Badescu
Montagem: Dana Bunescu
Fotografia: Andrei Butica
Interpretação: Diana Cavallioti, Mircea Postelnicu, Carmen Tanase, Vasile Muraru, Adrian Titieni, Tania Popa
Origem: Roménia/Alemanha/França
Ano: 2017
Duração: 127'



FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival de Berlim - Urso de Prata Melhor Contribuição Artística




CRÍTICAS
Depois do fortíssimo "Mãe e Filho" que o pôs na primeira fila dos cineastas europeus (foi Urso de Ouro, no Festival de Berlim, em 2013) , Calin Peter Netzer só em 2017 deu nova obra ao escuro das salas de cinema. Foi este "Ana, Meu Amor" que Berlim voltou a premiar, desta vez, com um Urso de Prata para a montagem assinada por Dana Bunescu. Certeiro é o galardão porque, se há aspeto formal que neste filme se destaca, é a estrutura acrónica — e, nessa estrutura, o essencial trabalho de montagem. Essencial será também o labor dos atores protagonistas (Diana Cavallioti e Mircea Postelnicu), capazes de uma imensurável generosidade física (há uma cena de amor que o mostra sem rodeios, há várias cenas de doença que o mostram ainda mais) e de uma esplêndida gama de registos. E não se pode esquecer o hábil trabalho de câmara à mão (Andrei Butica), a fazer de cada plano um desafio.
No princípio do filme há uma relação amorosa. Ana/Diana Cavallioti e Toma/ Mircea Postelnicu, estudantes na universidade, conhecem-se, atraem-se, amam-se. Enfrentam atritos familiares, pais que não veem com bons olhos aquele envolvimento, diferenças de classe, de perspetivas, até de um passado político que, na Roménia como em todos os países que um dia foram da esfera soviética, está sempre presente, a ruminar. [...] Nada disto é contado de forma temporalmente sequencial, mas em formato de puzzle, em que as sequências de cenas se encaixam não numa relação de causa e consequência, mas de associação (como se alguém estivesse numa sessão de análise, se fosse lembrando de coisas e as fosse narrando). A inteligibilidade do tecido narrativo é assegurada por detalhes fisionómicos (por exemplo, no caso de Toma, a quantidade de cabelo que vai tendo na cabeça) ou por variações laterais (a evolução física/etária do filho de ambos), um espectador atento nunca se confunde.
À estrutura complexa do filme corresponde uma muito particular constituição dramática. O cerne de "Ana Meu Amor" é a corrosão de uma relação amorosa pela excessiva dependência entre os dois polos dessa relação, todavia Cálin Peter Netzer não se pode dizer que goste dos seus personagens. Dos mais velhos, dos da geração anterior à dos protagonistas, certamente que não, com os seus rancores rançosos, as suas rancorosas frustrações. Quanto a Ana e Toma, faz com que o nosso olhar balance sem nunca ganhar âncora. Quando Ana se afunda no seu estado depressivo, fechada em casa, a nossa empatia derrama-se sobre Toma; quando Ana sai, cresce e desabrocha uma vontade de independência (e, ao invés, Toma se torna doméstico) é nela que depositamos todo o nosso enlevo. Pelo caminho tropeçamos no vasto arsenal das coisas que a vida ensina que fazem ferida, o ciúme, a comiseração, as bravatas, a desconfiança (o que é que contaste ao psicanalista que nunca me contaste a mim?), as horas que se esperam, os sucessos e as frustrações profissionais, as vidas que se afastam. Quando o filme acaba, eles são outra vez jovens — e Netzer produz uma vontade cerebral de termos saudades do amor.
Jorge Leitão Ramos, Expresso


Da produção romena, continuam a chegar-nos filmes que se distinguem por um elaborado realismo: "Ana, Meu Amor" é mais um título a confirmar tal tendência, levando-nos a descobrir as convulsões afectivas, familiares e sociais que marcam a vida de um par.
A propósito da estreia de "Ana, Meu Amor", vale a pena recordar que  foi graças a dois títulos consagrados em Cannes que começámos a prestar especial atenção à produção da Roménia: "A Morte do Sr. Lazarescu", de Cristi Puiu, vencedor da secção 'Un Certain Regard' em 2005, e "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias", de Cristian Mungiu, consagrado com a Palma de Ouro de 2007 — estava-se, afinal, perante o nascimento de um novo realismo romeno. 
Agora, com a estreia de "Ana, Meu Amor", de Calin Peter Netzer, o mínimo que se pode dizer é que essa pulsão realista continua bem viva. De tal modo que a história do par formado por Ana (Diana Cavallioti) e Toma (Mircea Postelnicu) — desde o namoro em tempos universitários até às convulsões da vida conjugal — funciona num duplo registo: uma intensa crónica intimista e um painel social pontuado por subtis alusões críticas. 
Netzer filma com a câmara à mão, "colada" aos seus actores. Um dos trunfos principais do filme é mesmo a capacidade dos actores (sobretudo os excelentes Cavallioti e Postelnicu) aceitarem essa proximidade, num multifacetado jogo de rostos e gestos, revelações e ocultações — o realismo é também, aqui, uma arte de discutir as falsas evidências dos comportamentos humanos.
Com um pano de fundo muito marcado pelas componentes católicas da sociedade romena, o filme confere também especial importância à prática psicanalítica na vida do par (ambos seguem análises mais ou menos perturbantes). Enfim, longe de ser um "típico" filme de Verão, "Ana, Meu Amor" vem mostrar-nos que, nos contextos mais diversos, ainda há quem se interesse pelos paradoxos e contradições dos laços humanos.
João Lopes, rtp.pt/cinemax/

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