Incompreensível Lynch

Porque é David Lynch um autor (entre outros, claro) tão mal-amado? Para se ser um autor de culto, como sem dúvida é, tem de se manter longe das aclamações institucionais?
Inland Empire é uma obra belíssima. Uma vez mais, depois de Mulholland Drive, depois de Lost Highway, de Laura Palmer, depois de Blue Velvet, Eraserhead, nem sei mais quantos nem quais, volta a pisar os riscos de uma terra entre o aqui e o nunca - entre o que escapa à compreensão de instrumentos não mais do que cartesianos, racionais; e aquelas zonas de sombra que a razão, certeira, nem sempre conhece. Desta vez, perdeu-se no rosto de Laura Dern. Confundiu nele os rostos das mulheres confusas que habitam Santa Monica Boulevard, que calcorreiam as confusas ruas de uma cidade de anjos - todos eles desertores de um combate, sem que se perceba se fugiram dali ou se foi ali que se refugiaram. Confundiu num rosto muitos, assim como muitas estradas numa só. E num rosto único contou pedaços de histórias de mil rostos, atravessados pela aura dos anjos que ainda não sabem se já se deu o choque com o chão ou se ainda pairam, sem peso e de olhos carregados, sobre as lixeiras imensas dos mundos de ilusões.

4 comentários:

anabela moutinho disse...

p***** m***** c***** f****-se!!!

não pude ver :(((((((((((((((((((

Hugo disse...

Ser mal-amado é uma sina dos autores. Geralmente, o tempo faz-lhes justiça: trÊs exemplos: Jean-Pierre Melville, Sergio Leone e, sobretudo, Samuel Fuller.

O Lynch não será excepção. É o que dá estar à frente do seu tempo.

Ana Soares disse...

Pode ser sina, sim, Hugo (obrigada pelo comentário!). Por mim, encantada. Desde que isso não o retire das salas onde o posso ver. Para já, as dificuldades de financiamento nos EUA já lhe são bem evidentes. Se calhar, foi por isso que decidiu filmar com meios mais baratos. Para assegurar o futuro de uma visibilidade, mesmo que de culto.
(Nota: Entretanto, corrigi, mas tinha escrito no post que Lynch se perdera "no rosto de Laura Palmer". É um lapso bonito, misturar assim personagens e actrizes, jogar com identidades, que é também o que o realizador passa o tempo a fazer. É de Laura Dern o rosto em que ele se perde neste Inland Empire. Uma vez que, pelo menos para efeitos de justiça, ainda é importante distinguir entre seres de carne e osso e personae ficcionais, fica o reparo a mim mesma - e a correcção, como disse, feita no post.

Anónimo disse...

Será que o castanho nos décors não reune o consenso visual e instintivo dos espectadores? Ou será que a excessivamente longa vida de Laura Palmer absorveu todas as disponibilidades mentais para a sua cinematografia?
R.