Tilda Swinton é sublime num filme gloriosamente operático que reinventa o melodrama clássico e a saga familiar para um tempo em que eles já não existem.
Atente-se na "chave" que dá título a este grandíssimo filme: Maria Callas, ela própria, interpretando a ária da "Mamma Morta" de Giordano, na banda-sonora do "Filadélfia" de Jonathan Demme, que Tilda Swinton vê uma noite na cama à beira de adormecer, antes de o marido chegar e mudar de canal sem sequer lhe perguntar o que está a ver. A frase que Callas canta é "Io sono l'amore" - "eu sou o amor" - e é nesse momento em que o marido a ignora como mera presença utilitária que a divina, gloriosa Tilda toma perfeita consciência do seu papel na poderosa família milanesa. Ela é a verdadeira "mamma morta" (aliás, mais tarde, alguém lhe dirá "tu não existes"), até o amor lhe cair do céu, numa noite de Inverno, na pessoa de um visitante inesperado que nem sequer fica para tomar café.
É complicado explicar o que se passa em "Eu Sou o Amor" sem correr o risco de menorizar a terceira ficção de Luca Guadagnino, porque o que eleva o filme ao estatuto de obra-prima é a abordagem operática, virtuosa, formalista, estilizada, hiper-romântica e pós-modernista com que o cineasta siciliano encara o melodrama clássico e a saga familiar, o modo como ele instala no classicismo do género um corpo estranho através de Tilda Swinton. Vamos, ainda assim, tentar: conhecemos os Recchi, poderosa família industrial milanesa, à volta da mesa do jantar de aniversário do patriarca, que acaba de decidir deixar o negócio de família ao filho e ao neto. Nesse jantar que respira um travo de passado glorioso, de aristocracia fora-de-tempo, percebemos também o papel que as mulheres nele desempenham: Rori, a matriarca, fiel guardiã da tradição familiar; Betta, a neta, de temperamento artístico, que começa a sentir-se limitada pelas expectativas da família; e Emma, a mulher do filho, a anfitriã perfeita, uma mulher discreta que aceitou representar o papel que lhe foi distribuído. Mas que, muito rapidamente, compreendemos que não lhe chega.
Atente-se na "chave" que dá título a este grandíssimo filme: Maria Callas, ela própria, interpretando a ária da "Mamma Morta" de Giordano, na banda-sonora do "Filadélfia" de Jonathan Demme, que Tilda Swinton vê uma noite na cama à beira de adormecer, antes de o marido chegar e mudar de canal sem sequer lhe perguntar o que está a ver. A frase que Callas canta é "Io sono l'amore" - "eu sou o amor" - e é nesse momento em que o marido a ignora como mera presença utilitária que a divina, gloriosa Tilda toma perfeita consciência do seu papel na poderosa família milanesa. Ela é a verdadeira "mamma morta" (aliás, mais tarde, alguém lhe dirá "tu não existes"), até o amor lhe cair do céu, numa noite de Inverno, na pessoa de um visitante inesperado que nem sequer fica para tomar café.
É complicado explicar o que se passa em "Eu Sou o Amor" sem correr o risco de menorizar a terceira ficção de Luca Guadagnino, porque o que eleva o filme ao estatuto de obra-prima é a abordagem operática, virtuosa, formalista, estilizada, hiper-romântica e pós-modernista com que o cineasta siciliano encara o melodrama clássico e a saga familiar, o modo como ele instala no classicismo do género um corpo estranho através de Tilda Swinton. Vamos, ainda assim, tentar: conhecemos os Recchi, poderosa família industrial milanesa, à volta da mesa do jantar de aniversário do patriarca, que acaba de decidir deixar o negócio de família ao filho e ao neto. Nesse jantar que respira um travo de passado glorioso, de aristocracia fora-de-tempo, percebemos também o papel que as mulheres nele desempenham: Rori, a matriarca, fiel guardiã da tradição familiar; Betta, a neta, de temperamento artístico, que começa a sentir-se limitada pelas expectativas da família; e Emma, a mulher do filho, a anfitriã perfeita, uma mulher discreta que aceitou representar o papel que lhe foi distribuído. Mas que, muito rapidamente, compreendemos que não lhe chega.
Emma é, evidentemente, Tilda Swinton, e a sua presença introduz o pauzinho na engrenagem da saga familiar; é o tal "corpo estranho" de que falávamos - não apenas pela sua personagem ser uma "intrusa" que, aceite pela família, nunca se sentiu inteiramente parte dela, mas também porque a presença física da actriz, pálida, alta, observadora, cria um contraste, lança um desequilíbrio, introduz uma nota de dissonância no conforto luxuoso que a rodeia. Esse contraste é depois amplificado pelas cenas de exteriores rurais onde se desenrola o "affaire" de Emma, de uma sensualidade exacerbada que se opõe à rigidez estruturada do palacete dos Recchi. Guadagnino mantém essa emoção a borbulhar subterraneamente durante todo o filme (sabiamente sublinhada pela música do compositor minimal John Adams), para apenas a deixar sair em momentos judiciosamente escolhidos, como uma panela de pressão que já quase não consegue aguentar a tensão.
É inevitável pensarmos em mestre Visconti (há um travo de "O Leopardo" a passar por aqui, um fôlego de grande ópera italiana) ou em mestre Sirk (a transcendência da história banal através da encenação arrebatada e gloriosa), mas o que é notável em "Eu Sou o Amor" é que Guadagnino consegue marcar a distância dos mestres, criar o seu próprio modo de os actualizar e modernizar, sem medo de correr riscos e sem se retrair para não parecer ambicioso. Fá-lo com a preciosa ajuda da divina Tilda, a comprovar como é uma das maiores actrizes contemporâneas, e de um elenco impecável onde encontramos o actor e encenador Pippo Delbono e os veteranos Gabriele Ferzetti e Marisa Berenson (é impossível não recordar "Morte em Veneza"...), como quem sublinha que a estrutura rígida do melodrama exige o tal corpo estranho para rebentar por todos os lados e construir algo de novo que se insere numa tradição e a reinventa sem pruridos.
"Eu Sou o Amor" é uma obra-prima.
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Jorge Mourinha, Público
Não é Visconti quem quer e o milagre de "Sentimento", disseminando o pathos operático pela História e pela complexidade romanesca, não se repete facilmente, de tal modo reflecte uma visão fascinante e irrepetível do mundo. E, no entanto, "Eu Sou o Amor" entendeu a lição do mestre e não se limita a repetir estereótipos decadentistas e neo-barrocos, com a saga familiar de "O Leopardo" em mente, a voz magoada e langorosa de Maria Callas nos ouvidos, e o grande melodrama cinematográfico no olhar - de Visconti a Stahl ou Douglas Sirk, passando pelo quase sempre esquecido De Sica de "O Jardim dos Finzi-Contini", adaptado de Giorgio Bassani, uma referência literária tão incontornável em Luca Guadagnino como Lampedusa. O que faz deste filme uma sedutora revisão (é a palavra) da tradição melodramática é a sua improbabilidade narrativa, a noção da passagem do tempo, da inutilidade do "pastiche". "Eu Sou o Amor" faz todo o sentido, porque sabe que já aparece fora de moda, que se dirige a um paradigma morto, que se compraz num fim de mundo em que tudo mudou e nada muda. Por isso, Tilda Swinton se revela tão magnífica na contradição de uma personagem impossível, presa a uma sensualidade feita de esplendorosas ruínas fílmicas. Como diz David Thompson de "Amar Foi a Minha Perdição" de John M. Stahl, é um filme para se ver em estado febril e, acrescentamos, em melancólico êxtase. De outro modo, arriscamo-nos a uma reacção racional que "Eu Sou o Amor" não comporta.
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Mário Jorge Torres, Público
Eu sou o Amor é um banquete da aristocracia milanesa, daqueles que anos depois ainda se pensa: comi tão bem naquele dia. Àqueles que se perguntam, por onde tem andado o cinema italiano de Rosselini e Visconti, de que nem Moretti nem Benigni são sucessores, aqui têm uma boa resposta. Eu sou o amor é um filme eminentemente viscontiniano, a começar pelo ambiente aristocrata em que a história se desenlaça e a acabar pelo magistral domínio do movimento da câmara de Luca Gudagnino. É um filme de uma sumptuosidade rara, com a espessura psicológica de um romance clássico russo e a temática universal do amor. Sobretudo da explicação de um amor impossível e impassível perante as atrocidades da vida. Tilda Swinton (O curioso caso de Benjamin Button), que faz de russa que se casou com um aristocrata rico, cumpre um dos melhores papéis da sua carreira. O realizador já lhe tinha dedicado o documentário The Love Factory (2002), e aqui fá-la brilhar, inclusive quando a actriz inglesa finge que não sabe inglês. O percurso da personagem é de tal forma rico, que esta começa no pomposo e luxuoso almoço de família no seu palacete em Milão e acaba nua numa gruta na estrada de San Remo. A ascensão e queda dos Recchi.
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Manuel Halpern, Visão
Título Original: Io sono l'amore
Realização: Luca Guadagnino
Argumento: Luca Guadagnino, Barbara Alberti, Ivan Cotroneo e Walter Fasano
Direcção de Fotografia: Yorick Le Saux
Montagem: Walter Fasano
Música: John Adams
Interpretação: Tilda Swinton, Flavio Parenti, Edoardo Gabbriellini, Alba Rohrwacher,
Realização: Luca Guadagnino
Argumento: Luca Guadagnino, Barbara Alberti, Ivan Cotroneo e Walter Fasano
Direcção de Fotografia: Yorick Le Saux
Montagem: Walter Fasano
Música: John Adams
Interpretação: Tilda Swinton, Flavio Parenti, Edoardo Gabbriellini, Alba Rohrwacher,
Pippo Delbono, Diane Fleri, Maria Paiato, Marisa Berenson
Origem: Itália
Ano: 2009
Duração: 120’
Classificação: M/12
Origem: Itália
Ano: 2009
Duração: 120’
Classificação: M/12
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