PUNK IS NOT DADDY é uma viagem pelos anos oitenta, testemunhada por um cineasta neófito. São cine-diários inéditos de Edgar Pêra: as Ruínas do Chiado, o quotidiano em Lisboa e Madrid, os Estados Gerais do Cinema Português, e sobretudo intervenções de bandas pop - a principal referência cultural dessa época.
PUNK IS NOT DADDY testemunha o crescimento e ocaso dos Heróis do Mar, os bastidores dos GNR num concerto da APU, os concertos abrasadores dos Xutos & Pontapés, a sonoridade céltica dos Sétima Legião, a pop dos Delfins, a militância dos Clandestinos, a rodagem dos videolips dos Rádios Macau. E até a polémica da Final do Concurso de Música Moderna do Rock Rendez Vous, os ensaios dos Censurados no apocalíptico quarto de João Ribas ou o derradeiro (anti)concerto do RRV com os Zao Ten de Farinha Master.
PUNK IS NOT DADDY retrata, na primeira pessoa, a primeira década descomprometida com o fascismo, já com a revolução em eco. Finalmente, arte em liberdade.
CRÍTICAS
Um arranque em beleza da secção competitiva [do DocLisboa], com arte, memórias, indústria e tradição, tudo ao som dos Ocaso Épico, com a mais recente criação do eterno independente Edgar Pêra. O realizador lança um olhar saudoso mas nunca gratuito ou gratuitamente nostálgico sobre o Portugal dos anos 1980, visto pelo prisma dos diários filmados de um estudante de cinema e realizador neófito descontente com um meio que (então como hoje) parece incapaz de sair da pescadinha de rabo na boca.
Guia para os anos 80
O "guia" de "Punk's Not Daddy" pela década de 1980 é a música moderna portuguesa, corporizada em raríssimas imagens de palco do culto perdido dos Ocaso Épico ou do último ensaio dos Heróis do Mar, dos GNR num concerto da APU ou dos concursos de música moderna do Rock Rendez-Vous. Mas há também visitas ao Chiado recém-ardido e aos Estados Gerais do Cinema Português na Gulbenkian (com Paulo Branco a manifestar a sua diferença), imagens de manifestações sindicais e do triste episódio dos "polícias contra polícias", e tudo ao som da movida do Bairro Alto. É um filme de memórias que nos pergunta para onde foi uma vitalidade que parece hoje retraída.
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Jorge Mourinha, Público
Edgar Pêra usou o seu arquivo pessoal e ergueu uma homenagem à área artística mais pujante dos anos 80 em Portugal: o rock. "Punk Is Not Daddy"- momento alto do DocLisboa.
Os anos 80 foram intensos, incorretos, politicamente ativos e cheios de fúria. São hoje vistos com nostalgia, mas, para mim, foram essencialmente um momento de rutura. Ou melhor, uma rutura com a rutura que tinha sido o 25 de abril. Foi nessa década que nos 'libertámos do facto de nos termos. libertado'e que passámos a viver, de facto, em liberdade. Foi nessa década que testámos os limites da democracia para sabermos até que ponto podíamos ir, sem estarmos constantemente a viver em função do que havia antes." Foi assim que Edgar Pêra nos descreveu os anos 80 e é sobre esse tempo que se concentra "Punk Is Not Daddy - Arquivos do Fim do Século, Vol. l: 1980-1990, um dos filmes mais siderantes da Competição Portuguesa deste DocLisboa. As pesquisas cinematográficas de Pêra são um caso raro de experimentação a nível mundial - isso já toda "a gente sabia. O que nem todos sabiam é que Pêra, muito antes de ter assinado o seu primeiro filme 'oficial' ("A Cidade de Cassiano", 1991), acumulou um arquivo gigantesco sobre rock português. É material captado em VHS, 'com sangue, suor e lágrimas' e na urgência do momento (o método faz recordar o de Lech Kowalski em "D.O.A. - Dead on Arrival", documento sobre os Sex Pistols), ao longo de toda a década de 80. Desse material nasceu "Punk is Not Daddy". Álbum de memórias? Filme de amigos? Documento histórico precioso? Há muito por onde pegar.
Pêra nunca considerou que aqueles "malogrados filmes imberbes" fossem para mostrar em público. "No fundo, são extensões de filmes da Escola de Cinema que serão agora mostrados em estreia absoluta... com 25 anos de atraso. Mas foi com eles que eu aprendi a filmar: e isto para mim é um fator decisivo. Filmar nos anos 80, para mim, não era levar uma equipa: era 'pegar numa câmara' e ser fiel ao do it yourself. Basicamente, fazia quase tudo sozinho com aquela câmara VHS, que era 'um tijolo'. O som era o do micro da câmara. Se estiveres atento até consegues ouvir o barulho do zoom. As filmagens eram tão selvagens como os concertos da época. E não nos podemos esquecer que aqueles eram tempos difíceis: o documentário estava completamente relegado para segundo plano; filmar em vídeo era considerado 'ofensivo' pelo poder instituído; e apostar num projeto que não pertencesse a determinados cânones 'culturais' - como se a cultura fosse um decreto... - era meio caminho andado para o chumbo dos apoios financeiros. Eu queria libertar-me desse contexto e só havia uma maneira de o fazer: pegar na câmara e ir para a rua filmar. Foi com esse ímpeto que fui parar aos concertos - queria ser testemunha e ao mesmo tempo participante. Tinha estudado Psicologia antes de ir para a Escola de Cinema. Em Psicologia, conheci o Pedro Ayres Magalhães. Na Escola de Cinema, conheci o Rui Reininho. Ou seja, acabei por acompanhar desde o início os Heróis do Mar, que foram a maior provocação dos anos 80, e uma boa parte do percurso dos GNR, que foram a verdadeira banda pós-moderna em Portugal, no sentido mais puro do termo. Os Heróis do Mar e os GNR cortaram, de facto, com os anos 70 e com aquele tempo em que era quase um crime não se ser revolucionário. São as duas balizas deste filme."
"Punk Is Not Daddy" começa em 1990, com um concerto de Farinha Master e os Zao Ten. "Farinha" era o nome de guerra de Carlos Cordeiro, genial artista já desaparecido, fundador dos Ocaso Épico, e o concerto que vemos no filme foi, por sinal, o último da mítica sala lisboeta Rock Rendez-Vous - "uma lança em África" para o realizador, bem como para tantos outros da sua geração. "Punk Is Not Daddy" mergulha depois de cabeça nos eighties, misturando imagens pessoais do realizador (making of da rodagem de um filme de escola, viagem de férias com os pais), factos históricos daquele tempo (imagens do 'Chiado apocalíptico' pós-incêndio, do metro de Lisboa e da notícia da explosão da nave espacial "Challenger") e concertos filmados 'a quente', em grande plano: Heróis do Mar, GNR, mas também Censurados (há um ensaio da banda filmado no quarto do vocalista João Ribas colado às imagens de uns Estados Gerais do cinema português, na Gulbenkian, em que se discutiam subsídios: "e a resposta", diz Pêra, "estava no rock"), Delfins (concerto em Cascais com a famosa cover de 'O Vento Mudou', de Eduardo Nas¬cimento), Xutos & Pontapés (em adrenalina máxima, num gig no Bairro Alto), Sétima Legião (também no Rock Rendez-Vous) e, de novo, Farinha Master, que, para Pêra, "foi fundamental para este filme, pois simbolizava a radicalidade máxima. Conheci-o na noite daquele concerto. Ele misturava tudo, folclore e vanguarda, performance e pop music, num caldeirão gigantesco. O Farinha era o tipo que tinha caído no caldeirão".
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Francisco Ferreira, Expresso
Concepção Câmara Montagem: Edgar Pêra
Arquivista: João Gomes
Assistentes de montagem: Francisco Carvalho, Tomé Palmeirim, Samuel Andrês
Camâra adicional: Laurent Simões
Produtor associado: Rodrigo Areias
Agenciamento: Bando à parte
Grafismo: Tó Trips
Duração: 70'
Arquivista: João Gomes
Assistentes de montagem: Francisco Carvalho, Tomé Palmeirim, Samuel Andrês
Camâra adicional: Laurent Simões
Produtor associado: Rodrigo Areias
Agenciamento: Bando à parte
Grafismo: Tó Trips
Duração: 70'
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