a pequenina ensina-nos a receber o ano novo de braços e sorrisos abertos. 2ªf 3, IPJ, 21h30.




LA PIVELLINA [site] teve a sua estreia mundial em Cannes 2009, na Quinzaine des Réalisateurs e conquistou, entre outras distinções, o Prémio de Distribuição Caixa Geral de Depósitos do IndieLisboa’10, os prémios de Melhor Filme nos Festivais Internacionais de Cinema de Gijón, Leeds e Áustria e o prémio UNICEF no Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires. O filme foi ainda exibido nos festivais internacionais de cinema de Berlim, Los Angeles, São Francisco, Vancôver e Toronto, entre outros.

La Pivellina traz uma das mais jovens revelações da história do cinema, Asia Crippa. Com apenas dois anos a menina domina o ecrã e as outras personagens, por mais que pintem o cabelo ou o nariz de vermelho. E se, como é sabido, a maior parte dos realizadores foge da utilização de crianças (e de animais) dada a imprevisibilidade dos mesmos, Tizza Covi e Rainer Frimmel souberam usar essa imprevisibilidade a seu favor. Ou então, se quisermos colocar as coisas numa outra perspetiva, é a menina-bebé, Asia Crippa, que tem um extraordinário sentido de improvisação.

Ela é extraordinária, não há dúvida, mas brilha pela liberdade conquistada pelos realizadores, que, obviamente, afastaram-se de um guião de deixas decoradas e confiaram no bom trabalho dos atores adultos. Na senda do que tem sido visto em muito cinema europeu, em especial o romeno, La Pivellina é filmado como se fosse um documentário. Usando as mesmas armas naturalistas, de um extremo realismo, que até contrasta com o mundo da história. O ambiente criado é, de resto, a primeira das virtudes.

O único truque desta riqueza é uma certa fusão com a realidade. Os atores têm os mesmos nomes das personagens. E o casal é italo-germânico assim com os realizadores. E a outra grande participação, também nada fácil, é de Tairo Carolli, de 13 ou 14 anos, que faz estrondosamente o papel de irmão mais velho de ocasião. Embora sem os mesmos ingredientes, nem a mesma estática, La Pivellina faz jus à riquíssima tradição neorrealista italiana e é mais um exemplo, depois do fenomenal Eu sou o Amor, de um novo cinema italiano que quer voltar a ser grande.
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Manuel Halpern, Visão


A pequenina. A pitorrinha. A migalha de gente. Estes podiam ter sido apenas três dos vários títulos portugueses possíveis para a primeira longa-metragem de ficção do duo de documentaristas Tizza Covi e Rainer Frimmel, e qualquer um deles seria fiel ao italiano. Mas estranhamente, os distribuidores portugueses preferiram manter o original. Adiante.

A dita pivellina é Asia, uma menina de dois anos que Patrizia, uma artista de circo, encontra abandonada pela mãe no baloiço de um parque de Roma, num fim de tarde invernoso. A mãe deixou um bilhete a dizer que virá buscar Asia em breve, e Patrizia, contra a vontade do marido, Walter, e apoiada e ajudada por Tairo, um vizinho adolescente também ligado ao circo, decide cuidar da pequenina como se fosse família, e todos acabam por criar laços afectivos com ela.

Passa-se pouca coisa em La Pivellina, ambientado no parque de caravanas que serve de casa aos protagonistas e rodado com uma mão-cheia de tostões. Mas o que se passa é de uma rara economia emocional, já que o filme nunca soçobra na lágrima pronta-a-derramar ou no miserabilismo social mendicante, evocando os primórdios do neo-realismo italiano, bem com o cinema dos irmãos Dardenne. Covi e Frimmel denunciam a sua veia de documentaristas na maneira como descrevem o modo de vida, as pequenas alegrias e as dificuldades dos artistas (os intérpretes são todos não profissionais e dão os seus nomes às personagens), e a minúscula, alegre e voluntariosa Asia Crippa derrete o mais duro dos corações.
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Sérgio Abranches, Timeout




CONTÉM DECLARAÇÕES DOS REALIZADORES

San Basilio é um sítio por onde não se passa. Fora da Roma turística, é um local estrangeiro para os habitantes da cidade, uma paragem para lá do fim das linhas do metropolitano, a meio caminho de uma carreir a de autocarro. Tizza Covi, co-realizadora de "La Pivellina", diz-nos: "Aqui não há turistas".
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Conhecida pela prisão que domina a entrada do bairro, San Basilio é a terra onde ex-condenados são locais, uma zona que reúne os problemas que caracterizam os bairros pobres das metrópoles a uma atenção mediática esporádica, mas explosiva, quando se buscam notícias sensacionalistas. Mas no meio há uma praça onde se entra e se sente o calor de uma grande família: o espaço onde Patty e Walter, artistas circenses, vivem com os seus familiares e animais, estrelas dos seus espectáculos de rua. Nas suas minúsculas roulottes sempre prontas a partir, vive também a pequena Asia, protagonista de "La Pivellina", a primeira obra de ficção do casal Tizza Covi e Rainer Frimmel, galardoada no IndieLisboa 2010 com o prémio de distribuição e agora estreada.
Os dois realizadores já se tinham interessado pelo mundo do circo: o seu anterior filme, "Babooksa", premiado no Doclisboa 2006, é um documentário sobre um ano na vida de uma jovem de uma companhia circense. "Fizemos uma série de trabalhos de fotografia e documentários sobre pequenas companhias de circo na Áustria e em Itália", explica Tizza Covi. "Foi aí que conhecemos Patty e Walter", o casal protagonista de "La Pivellina". "Interessou-nos a vida destas companhias pequenas", continua a realizadora, "o seu elemento um pouco 'trash' que fugia à perfeição do espectáculo dos grandes circos." Um interesse não pessoal, mas acima de tudo documental. "Nunca fui ao circo em pequena, nem o Rainer. O nosso interesse é uma coisa de adultos."

Foi na preparação de "La Pivellina" que optaram por um caminho mais individual, respeitando sempre a realidade do documentário para ficcionar a partir dela. Segundo Covi: "Não se trata de deixar a nossa posição no documentário para fazer filmes de ficção, mas juntar as duas posições. Ou seja, poder mostrar o local onde vivem os protagonistas, mas com um ponto de vista de fora que nos fizesse ver, através dos seus olhos, como vivem e são realmente". No fundo, poder provocar o rumo da realidade que filmam. Segundo a realizadora: "não queríamos que a realidade seguisse o caminho dela, mas aquele que nós escolhêssemos". O filme é o retrato dessa junção: um olhar sobre a vida de um sítio real e dos seus intervenientes (com os seus nomes e ocupações reais), ao qual se acrescenta a história ficcionada de Asia, uma menina abandonada e encontrada por Patty, figura-mãe deste descampado circense. O filme lida com a espera do retorno da mãe de Asia, um fantasma que paira sobre o filme, e o dilema em entregá-la às autoridades, outro espectro que assombra um local esquecido pelas instituições.

O respeito pelo terreno
Filmar em San Basilio significa conhecer quem aí vive e respeitar os seus modos, ou seja, compreender pelo cinema aquilo que é esquecido na vida. A opção por uma equipa reduzida, fora das produções tradicionais, era inevitável. "A equipa é composta por mim e pelo Rainer [Frimmel]: ele filma e muda as bobines, eu gravo o som e uso a claquete. Estamos sempre no limite daquilo que podemos fazer tecnicamente." Os dois mudaram-se para a praça de Patty e viveram no seio do seu grupo circense. "Vivemos muito tempo numa roulotte para que Asia se habituasse a nós. Chegámos a uma altura em que era indiferente ter ou não ter a câmara, já éramos uma família."




Esse sentimento, vindo do reconhecimento de quem recebe estrangeiros e lhes oferece a sua vida como matéria para o seu retrato, é um passo central no respeito comunitário e no envolvimento igualitário de todos no filme. Um princípio que é a base do trabalho de Covi e Frimmel para espelhar a forma de vida deste grupo de nómadas. "Era fundamental conhecer todas as personagens antes de fazer o filme. Não podíamos pegar numa actriz e pô-la em San Basilio a fazer o que eles fazem, ninguém pode reproduzir as suas vidas". Para Covi, "a direcção assenta na forma como as pessoas realmente são." Algo que é consequência de como San Basilio é visto de fora: um local marginalizado que só os seus marginais poderiam representar. Aqui filma-se um terreno que, ao olhos do resto da cidade, não existe. "É fundamental mostrar os sítios que não existem no mapa. Quando fui pedir autorização para filmar, com todos os papéis possíveis, perguntaram-me tudo. Quando disse onde íamos fazer o filme, a senhora do balcão respondeu-me: 'Em San Basilio? Então façam aquilo que quiserem.'"

Ao entrar neste "não-local" com a realizadora, sente-se a solidariedade em que estas relações se baseiam, algo que apenas pode existir num grupo marcado como minoritário. Covi recorda-nos como foi entrar aqui pela primeira vez: "Sentimos medo, como todas as pessoas sentem, não sabíamos se podíamos entrar. Mas quando o fizemos, reparámos numa simpatia única, algo que os unia e nos fazia dar sempre bem. Fez-nos querer trabalhar contra o preconceito que existe contra estas pessoas que viajam e vivem em campos".

O tratamento igualitário que existe nesta comunidade circense estende-se para além de idades ou ligações familiares. Na cena inicial do filme, quando Asia é encontrada sozinha no seu baloiço, Patty parece chamar por um rapaz também perdido - na verdade, está à procura de Hércules, o seu cão, um momento que define o modo como todos os elementos humanos coabitam neste grupo. "Walter tem um princípio: os animais são o seu sustento de vida, logo, devem viver muito bem", diz a realizadora. Um princípio extensível à direcção de Covi e Frimmel sobre os intervenientes do filme. "Ao trabalhar com eles, estamos ao mesmo nível que todos, ou mesmo num nível abaixo, por respeito. Talvez por isso se sinta que os animais e a criança estejam ao mesmo nível, pois é assim na realidade."

Estes princípios relembram o trabalho de um cineasta próximo de nós, cujo olhar também se revelou pela coragem de filmar locais onde a vida não é reconhecida por quem está de fora: Pedro Costa. A recusa de entrar em San Basilio com carrinhas e cabos para filmar é inspirada na coragem do realizador português. "'No Quarto da Vanda' foi um filme que nos tocou", diz Tizza. "Mostrou que se pode fazer um filme em condições extremas. Precisamos da coragem de filmes como os de Pedro Costa, Jean-Marie Straub e Danièle Huillet."

A herança
Contudo, a língua e as aparências narrativas de "La Pivellina" remetem-nos para alguém que espelhou o imaginário circense numa certa de forma de vida italiana: Fellini. Mas à medida que o terreno do filme se revela, vemos que a sua celebração já não tem lugar. Esta, como diz Patty ao andar sobre o terreno molhado pela chuva, "é a terra onde Deus chora". Entre a procura da mãe de Asia e as hesitações sobre a entrega do caso à polícia, vemos caminhos que surgem não como inícios de vida, mas como o fim de uma linha, locais sem moradas onde os seus rostos já não respondem por uma esperança festiva. Numa das cenas mais tocantes, Patty conta ao jovem Tairo como este trepou, em pequeno, para cima de uma carrinha e berrou: "quero morrer". Um momento que lembra "Amarcord" (1973), quando um dos protagonistas trepa a uma árvore e berra: "quero uma mulher". A diferença de vida entre as duas cenas acaba por se sobrepor à sua herança cinematográfica. Tizza Covi confirma: "Pensámos em Fellini, assim como quando Patty e Walter fazem o seu espectáculo de rua e ninguém aparece, como para Gelsomina e Zampanò ["La Strada", 1954], mas tratam-se de coisas que pertencem à realidade. A história de Tairo querer suicidar-se é verdadeira, servimo-nos da realidade dos protagonistas."

Assim, se alguma linhagem servir para Covi e Frimmel, será a que se criou pelo neo-realismo italiano, um cinema, de novo, feito a partir da realidade terrena dos intervenientes. Um movimento que deu a possibilidade do cinema existir na Europa devastada do pós-guerra, e cuja luz poderá servir para compreender uma das perspectivas de "La Pivellina". "O que é muito importante é não adaptar a realidade à nossa ideia pré-concebida, mas estar dentro dela e seguir aquilo que aí acontece". A personalidade de Patty, que se afirma como o centro nervoso do filme, acaba por relembrar um dos rostos desse cinema. "Quisemos fazer um filme com ela porque nos lembra Anna Magnani, personagem que procuro há muitos anos nos filmes italianos. Como se tornaram tão comerciais, é difícil encontrar personagens que não sejam muito jovens e bonitos."



Mas no cinema italiano actual existem aqueles que, tal como os melhores filmes dessa herança, se dignam pelo trabalho sobre a matéria real de uma sociedade ainda dividida por fracturas. "Esse cinema existe em Itália", diz Tizza. "Está em Matteo Garrone ['Gomorra', 2008], Pietro Marcello ['La bocca del luppo', 2009] ou Michelangelo Frammartino ['Le quattro volte', 2010]."

A situação social
Mas em San Basilio, lembramo-nos do cineasta que aí viveu e retratou a sua realidade social: Pasolini. O poeta e realizador trabalhou sobre a marginalidade da vida esquecida dos arredores de Roma, fazendo das condições sociais e dos seus precários papéis sociais uma das tragédias do seu cinema. "La Pivellina", por sua vez, lida também com os preconceitos que uma sociedade cria sobre as suas minorias. Um olhar que atingiu o seu ponto máximo na Europa actual com a expulsão, pelo Estado francês, das comunidades roma do seu território nacional.

"Em Itália", diz Tizza, "existe a ideia que as pessoas ciganas roubam crianças. Interessou-nos dar a volta a esse preconceito: mostrar uma mulher do mundo do circo que acolhe uma criança abandonada. Existem cerca de 150 mil ciganos em Itália, o que equivale a 0,25 por cento da população. Todos os media continuam a retratá-los como a principal causa do mal-estar social." Lança um exemplo recente: "Um mês depois de terminarmos a rodagem, os jornais fizeram caso de uma rapariga que terá tentado roubar uma criança de 6 meses em Nápoles. Chegou apenas a hipótese aparente de ter tentado roubar uma criança para se atacar campos de nómadas com cocktails molotov. No país da Camorra", diz, "quem se diz ser a ovelha negra são estes 0,25 por cento."

Sobre os intervenientes de "La Pivellina", especifica: "Patty e Walter vêm de famílias de circo há seis gerações, eram rom e sinti. Formaram uma nova cultura para terem uma certa paz contra esses preconceitos. Também eles procuram o seu método de vida, como todos." A degradação das condições sociais destas pessoas não se deve, segundo Covi, aos seus modos de vida ou a qualquer preferência pela marginalidade. "Quando estas pessoas chegam a Itália, 80 por cento delas eram sedentárias da ex-Jugoslávia. Foi a política que as colocou fora das cidades, sem infra-estruturas. Não podem integrar-se ou assimilar o que quer que seja." Os campos onde vivem espalham-se pelos vários descampados de San Basilio, como pequenos núcleos de tendas e carros onde o acesso é exclusivo àqueles que aí vivem.

Em "La Pivellina", a incapacidade da Itália lidar com a sua História está espelhada no espanto de Patty com o desconhecimento do jovem Tairo sobre o seu período fascista. A câmara de Covi e Frimmel é paciente e dedica tempo a essa aprendizagem, gesto que revela a necessidade urgente de um país se reavaliar, ainda habitado por um simbolismo fascista que se revela em certos pontos do centro de Roma. Em San Basilio, não há memoriais nem monumentos, os cartazes partidários que existem estão gastos e arrancados.

O discurso de alguma juventude italiana é paradoxalmente revivalista quanto a Mussolini. "Incomoda-nos como os italianos nunca trabalharam a sua história e que o nosso primeiro-ministro diga que Mussolini nunca matou ninguém". Um trabalho que não será solucionado pelo cinema, mas que não o exclui de uma atenção social, apesar de subtil, à realidade. "O cinema pode fazer isso, mas será sempre uma pequena parte. Sou demasiado realista para achar que alguém veja o filme e mude a sua maneira de pensar." Mas se "La Pivellina" não mudar a realidade em que se baseia, raros serão os filmes que espelham um respeito e uma procura justa da forma de vida dos seus esquecidos intervenientes, oferecendo o seu cinema àqueles que procuram, em San Basilio, o seu reconhecido terreno de vida.
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Francisco Valente, Público



ENTREVISTA AOS REALIZADORES

É um filme italiano encantador, numa estética puramente indie, e neo neo-realista, em que as personagens representam os seus próprios papéis, através de uma premissa poderosa: uma criança adorável que, de súbito, sem nunca se compreender bem como, aparece e ilumina como um raio de luz (passe a banalidade da metáfora) o quotidiano de uma famíla de uma circo decadente, num acampamento triste e lamacento nos arredores de Roma. O filme, que já antes ganhara o prémio de exibição no IndieLisboa, desarma pela sua simplicidade e pelo poder regenerador que uma criança de dois anos pode trazer a uma comunidade atacada pela decrepitude. O FINAL CUT falou com a dupla de realizadores.

Habitualmente os filmes sobre crianças desaparecidas são contados na perspectiva de quem as perdeu, e não de quem as encontrou... Esta é parte da originalidade da história do filme e também da sua estranheza... Porque é que nunca vêmos a outra parte?
Rainer: Quisemos focar-nos na vida e na personalidade das pessoas que encontraram a miúda e que tomaram conta dela. Não tivemos a intenção de mostrar a outra perspectiva, porque não quisemos explicar demasiado ao público. Nos nossos filmes, acreditamos na capacidade de imaginação das audiências.

O Inverno, a lama, a mãe da miúda que pode aparecer, uma desgraça que se pode anunciar... Durante todo o filme pressente-se uma atmosfera de insegurança e de desconforto e no entanto, estamos numa história quase feliz...
Tizza: A imagem de um bom tempo permanente em Itália é um cliché. Os Invernos em Roma podem ser muito frios e chove muito frequentemente. Quisemos mostrar a Itália de uma forma mais realista.
Rainer: Também podemos interpretar esse mau tempo do nosso filme como uma metáfora da recente situação política em Itália.

É possível compatibilizar uma ideia de denúncia e de neo-realismo com a de um "feel-good movie"?
Rainer: Tal como no neo-realismo nós focámo-nos nas questões sociais e humanas. Não temos a intenção de fazer "feel-good movies", mas gostamos de captar o humor e a esperança nas situações mais dramáticas.

Asia (dois anos) é provavelmente a mais nova estrela da história do cinema. Como conseguiram trabalhar com uma criança tão pequena que ainda mal sabe falar? Foi tudo feito com base em improvisação?
Tizza: A coisa mais importante foi passar muito tempo com ela. Levou um mês até eu conseguir convencê-la a adormecer na roulotte da Patti. E mais ou menos o mesmo tempo até ela se habituar à câmera, à claquete, ao microfone. A nossa forma de trabalhar não é assustadora para uma criança. Somos uma equipa de duas pesssoas. Eu tratava da captação do som e Rainer filmava. Em todo o filme houve muita improvisação, quase todos os diálogos foram improvisados, e com a Asia obviamente tívemos de improvisar. Porque dizer-lhe exactamente o que fazer não resultaria naquela idade. Em vez disso, íamos adaptando as situações dependendo da forma como ela se sentia e reagia no momento.
Rainer: E muitas vezes colocavamo-la em certas situações, em que conseguíamos prever as suas reacções. Um factor muito importante no trabalho tão bem sucedido com a Asia foi o facto de os pais dela confiarem inteiramente em nós. Eles entregaram a sua criança nas nossas mãos e sentiram-se bem ao ver como nós tratávamos bem dela. É muito mais fácil filmar quando os pais não estão presentes no set.

Uma criança de casaco cor de rosa traz uma série de emoções positivas a uma família de um circo. Porque colocaram a acção neste cenário de circo decadente? O contraste cromático entre a mulher de cabelo vermelho e a criança de cor de rosa foi intencional?
Tizza: Filmámos a acção num acampamento de roulottes para mostrármos como vivem essas pessoas nos arredores de Roma, mantendo-nos longe de quaisquer estereótipos ou intenções moralistas. Conhecemos essas pessoas há muitos anos e escrevemos o guião para elas. A ideia foi trazer algo de fora para dentro desta comunidade para mostrar as suas vidas sob um ponto de vista diferente. E a ideia que surgiu foi que esse elemento outsider fosse uma pequena criança abandonada.
Rainer: Os contrastes são sempre mais interessantes do que a harmonia. Até as personagens do casal, Patty e Walter não poderiam ser mais diferentes.

O filme ganhou vários prémios em festivais, o facto de ter sido também distinguido no IndieLisboa teve algum significado especial?
Rainer: Foi um grande honra para nós termos sido premiados num festival dedicado ao cinema independente. Porque fazer filmes independentes é o mais importante e o mais difícil problema.
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Ana Margarida de Carvalho, Visão


Título original: La Pivellina
Realização: Tizza Covi e Rainer Frimmel
Argumento: Tizza Covi
Interpretação: Asia Crippa, Patrizia Gerardi, Tairo Caroli, Walter Saabel
Fotografia: Rainer Frimmel
Montagem: Tizza Covi
Origem: Itália/Áustria
Ano de Estreia: 2009
Duração: 100’



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