O sucesso internacional de Mistérios de Lisboa (site) tem sido verdadeiramente esmagador com uma recepção elogiosa em periódicos como o «New York Times», «Les Inrockuptibles», «Cahiers du Cinéma», «Le Figaro», «Libération», «Paris Match» ou «Le Monde», tendo neste último até espaço na primeira página. Ganhou a Concha de Prata no Festival de San Sebastian e foi agraciado com o prestigiadíssimo prémio Louis Delluc em França.
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Entrevistas a
Raúl Ruiz, Carlos Saboga, Adriano Luz, Maria João Bastos, Ricardo Pereira
Mistérios de Lisboa - Making Of
Reportagem de rodagem
O filme em San Sebastian
Programa Janela Indiscreta
O maior mistério de Os Mistérios de Lisboa é perceber o fascínio que exerceu sobre o chileno Raoul Ruiz esta novela excêntrica camiliana, cheia de fidalgas ultrajadas, pondonores, bastardos, piratas, freiras e duelos. Entrevistas a
Raúl Ruiz, Carlos Saboga, Adriano Luz, Maria João Bastos, Ricardo Pereira
Mistérios de Lisboa - Making Of
Reportagem de rodagem
O filme em San Sebastian
Programa Janela Indiscreta
E não é que parece que somos mesmos nós, os portugueses? Este povo fantasista lusitano, carregado de melancolia e menosprezo continua a exercer algum magnetismo sobre realizadores com Raoul Ruiz. Pelo menos, é o que o franco-chileno, 69 anos, autor de mais de 100 obras (em vários formatos e suportes) tem dito em entrevistas em França, a propósito das 600 páginas dos folhetins de Camilo Castelo Branco, Os Mistérios de Lisboa, reduzidas (o verbo reduzir é mesmo para gerar contraste...) a quatro horas e meia de filme (estreia-se hoje, dia 21) e a seis episódios de série televisiva (no canal ARTE em Abril de 2011). Misterioso, de facto. Parece que há qualquer coisa no nosso silêncio. Nas pausas que fazemos quando falamos. Um certo ritmo langoroso que nos impõe a língua e o sentido de ser português. Por isso é que quando lhe Paulo Branco (com quem já colaborou em diversas ocasiões) lhe propôs os Mistérios de Lisboa (1854), de Camilo Castelo Branco, ou um romance de Don Delilo, Ruiz escolheu logo a obra do nosso mais truculento, reaccionário e genial escritor do romantismo. Ao realizador interessava-lhe em termos cinematográficos os tais "silêncios", queria mostrar o ritmo da conversação portuguesa, tão diferente, diz ele, da língua francesa que dá um peso diferente aos diálogos e às palavras. O francês é mais peremptório, o português admite uma forma especial de divagar, de conversar erraticamente, o que, ainda segundo Ruiz, faz parte da vida e do carácter das gentes. As nossas.
Daí ter Ruiz (Tempo Reencontrado, 1999, ou Klimt, 2006) mergulhado neste universo exarcebado de amores de carnalidade pecaminosa, de heroínas febris com olheiras maceradas que sofrem ultrajes e ignomínias, de reclusões conventuais, de filhos enjeitados e bastardos inglórios, de fidalgos que se batem pela honra, de padres atormentados e piratas redimidos... Contava então Camilo 29 anos, os Mistérios era a sua segunda incursão literária, a escrita, ainda não apurada, desfiavam-se em folhetins num diário portuense. Tão distante ainda da perfeição alcançada em Amor de Perdição, já obra da maturidade, aos 35 anos, escrita, aliás, romanticamente nas masmorras, negando o réu Camilo a pés juntos a sua relação ilícita com Ana Plácido. Só que o que em Amor de Perdição era hipérbole, em Mistérios de Lisboa é caricatura. Das suas páginas pigam lágrimas, lamentos e sentimentalismo. É impossível levar a sério o que seria uma espécie de telenovela à século XIX, de consumo pouco exigente. Daí o inteligente estratagema de, no filme, colocar-se em campo um teatrinho de brinquedo. Onde se vai, a cada mistério, acrescentando mais uma personagem. É um assumir do artificialismo. O filme segue a lógica coral e folhetinesca dos Mistérios, de uma forma desconcertantemente linear e metódica. A cada personagem, se abre como que um novo capítulo, muda-se de narrador, de ponto de vista e de voz off. Nem uma gota do vale de lágrimas que se esvai pela tela nos atinge, a emoção não passa, mas tudo está filmado com predominância dos planos-sequência, sem a habitual gramática dos campos e contra-campos. Aliás, às vezes, Ruiz abre tanto o ângulo que apanha grandes quadros, objectos, um papagaio, velas em primeiro plano, personagens ao fundo, transparências e duplos enquandramentos, através de janelas, portas entreabertas, ou as portinholas das caleças. Os décors, os figurinos, a direcção de actores estão a um nível a que não estamos habituados em produções de época nacionais. Os Mistérios enchem o olho, mas no bom sentido. No do bom gosto, pelo menos. E têm a prudência de estacar ainda antes de soar os alarmes do sentido do ridículo.
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Ana Margarida de Carvalho, Visão
Ana Margarida de Carvalho, Visão
ENTREVISTA AO REALIZADOR
Homem elegante e cordial que parece guardar mil segredos, o chileno Raúl Ruiz, que por vezes assina Raoul ("depende do contexto...", disse-nos), recebeu-nos na sua casa parisiense de Belleville para uma conversa em torno de '''Mistérios de Lisboa." O passado, a infância e o sonho estão fre¬quentemente em jogo no seu trabalho. A sua assinatura artística é única. Aos 69 anos, 117 filme depois ("mas não fui eu que os contei...") e já recuperado de uma intervenção cirúrgica em Lisboa, logo após a, rodagem de "Mistérios...''' que o levou a temer pela vida, continua um cineasta de olhos abertos para o mundo. A entrevista não se esgotou no cinema.
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Origem deste filme?
Paulo Branco propôs-me que escolhesse um de dois argumentos: o de "Mistérios de Lisboa" e uma adaptação de "Cosmopolis", de Don DeLillo, que acabou por interessar a Cronenberg. Não sou suficientemente violento para a violência que o livro de DeLillo exigia. Virei-me então para "Mistérios...", que não conhecia. Sou um corredor de fundo, comecei a trabalhar, nos anos 60, como argumentista de fim de capítulos de novelas mexicanas e fui desde cedo atraído pelo lado arborescente dos folhetins do século XI. O que me agrada neles é a sua disponibilidade narrativa. Nada se abre ou fecha por completo. O folhetim é a coisa mais adversa ao pitch, esse conceito horrível, inventado recentemente.
Origem deste filme?
Paulo Branco propôs-me que escolhesse um de dois argumentos: o de "Mistérios de Lisboa" e uma adaptação de "Cosmopolis", de Don DeLillo, que acabou por interessar a Cronenberg. Não sou suficientemente violento para a violência que o livro de DeLillo exigia. Virei-me então para "Mistérios...", que não conhecia. Sou um corredor de fundo, comecei a trabalhar, nos anos 60, como argumentista de fim de capítulos de novelas mexicanas e fui desde cedo atraído pelo lado arborescente dos folhetins do século XI. O que me agrada neles é a sua disponibilidade narrativa. Nada se abre ou fecha por completo. O folhetim é a coisa mais adversa ao pitch, esse conceito horrível, inventado recentemente.
O que o seduziu no livro?
O som e a essência da língua portuguesa. Tal como o castelhano do Chile, o português é uma língua de discursos implícitos. Dá-se a mal-entendidos e procura-os. Reconheci na prosa de Camilo e no seu romantismo exacerbado essa natureza alusiva da língua. E quis fazer um filme 100% português na perspectiva de um estrangeiro, tal como Eugenio de Liguoro, que era italiano, fazia filmes no Chile, revelando coisas que escapavam aos chilenos. "Mistérios de Lisboa" está mais longe de Eugene Sue e de Balzac do que de Stendhal. Salvo que a prosa de Camilo é frenética. Baseia-se numa estrutura melodramática clássica que, por assim dizer, se dissolve no ar, em reticências. No livro chora-se muito, às vezes a uma média de três cenas por página. Isso, nós cortámos. Carlos Saboga escreveu um argumento que considero de grande nível.
O tempo escapa-se da linearidade nos seus filmes. Em "Mistérios de Lisboa", esse tempo é o do século XIX. Foi fácil encontrá-lo?
O tempo é outro planeta. Para este filme, precisava de um tempo lento, lânguido... De um 'tempo morto.' Procurei aquilo a que um político chileno oitocentista chamou "peso da noite", ou seja, a nostalgia, o passado, a fascinação pela morte e até uma determinada retórica reacionária: tudo isto faz o tempo do século XIX e de Camilo. Ora, este tempo adapta-se na perfeição à mise en scène que mais me agrada, baseada em planos-sequência. Outro fator decisivo: foi a alta definição do cinema digital que me permitiu mergulhar na temporalidade do século XIX. Porquê? Porque com o HD podemos filmar à distância, fazer planos largos, ver o movimento das personagens... 'Nada escapa' ao HD, consegue ver-se de facto o que é a precariedade de um décor do século XIX. Sentir o frio que ele representa. Já para grandes planos, o HD é problemático. A sua textura dispersa a energia em vez de a concentrar. Não me convence.
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O décor é uma personagem do filme?
Absolutamente.. É o coração do filme e a personagem coral que o acompanha.
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O décor é uma personagem do filme?
Absolutamente.. É o coração do filme e a personagem coral que o acompanha.
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Os seus atores disseram que você trazia para o plateou uma tranquilidade contagiante. Como se a rodagem se fizesse por si própria e pela graça natural do seu movimento. Que mistério é este?
Não sei responder. Quando um realizador faz um filme de quatro em quatro anos e se descobre a trabalhar com uma equipa técnica que faz quatro filmes por ano, fica nervoso. Torna-se o único 'amador' da equipa. A única coisa que tentei impor na rodagem foi um certo ritmo de novelista do século XIX.
Não sei responder. Quando um realizador faz um filme de quatro em quatro anos e se descobre a trabalhar com uma equipa técnica que faz quatro filmes por ano, fica nervoso. Torna-se o único 'amador' da equipa. A única coisa que tentei impor na rodagem foi um certo ritmo de novelista do século XIX.
Um ritmo desportivo?
Desportivo é o termo. Numa rodagem, esse ritmo acalma. Eu respeito muito os atores. Intuitivamente, eles sabem mais do que estão a fazer do que eu. Sou uma espécie de 'parteira' que recebe o dom que eles me dão.
O padre Dinis é uma personagem tipicamente ruiziana: entra e sal de campo como um fantasma...
No livro ele tem tendência para fazer o bem. É uma espécie de Amélie Poulain, um buonista, como dizem os italianos. Mas no filme senti que ele se torna um escravo dos bons sentimentos. Há nele um lado faustiano. A sua bondade vem de um pacto diabólico. O padre Dinis podia estar próximo de Cagliostro. Ser um místico envolto numa seita secreta. Interessa-me a tal ponto que vou filmar "Livro Negro do Padre Dinis", a sequela de "Mistérios de Lisboa".
De onde vem a ideia do teatro de cartão?
Da minha infância. E dos ciúmes que eu tinha de um amigo que tinha um teatro desses. Descobri depois que o teatro de cartão resolvia problemas de rodagem mais complexos. Apesar das condições de produção excecionais deste caso, o dinheiro, como é hábito, começou a escassear na rodagem. Mas a falta de meios sempre me despertou a imaginação. Foi preciso cortar algumas cenas do guião. Só que havia cenas que não se podiam eliminar - e servimo-nos do teatro de cartão para as filmar. Esse teatro vai propor uma releitura do filme com esta hipótese: a criança morreu mas antes de morrer sonhou o que vimos. Sonhou 4h26 de filme. Ou talvez a criança seja apenas um adulto que, na hora da morte, se recorda da infância. Há sempre um olhar de criança no meu cinema, é demasiado tarde para alterar isso. Ignoro porque o faço. Tenho medo de resolver este enigma porque se as crianças desaparecerem dos meus filmes, acho que os filmes vão desaparecer com elas.
Fazia ideia da duração final?
De modo nenhum. Sabia que tinha 250 páginas para uma série de TV. E sabia que, da série, montaríamos um filme. Nunca pensei que o produtor permitisse 4h26, nem que o filme aguentasse. Mas, hoje, acho que se ele fosse mais curto, ficaria coxo. A durée deu-lhe um feedback muito estranho. Afinal, já não preciso de fantasmas porque num folhetim assim as personagens aparecem e desaparecem. "Mistérios..." é um filme de 'retornados' à ficção. Pensamos que certas personagens estão mortas, mas elas lá acabam por reaparecer.
Continua a ir ao cinema?
Agora não posso. Depois da operação, só posso ver fracassos de bilheteira: as salas têm que estar às moscas. O médico disse-me que, no meu estado, há 'lugares interditos' e foi perentório: nada de cinemas, teatros, cafés e igrejas. Posso apanhar uma gripe. É um protocolo de hospital certamente escrito por ateus, porque as igrejas estão vazias. São um pouco frias, quand même.
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Mas você não é católico...
Nem partilho o verdadeiro catolicismo de Camilo, que foi um transgressor da religião. Não sou praticante. Eu acredito em tudo. Ou seja, tenho o mesmo problema de quem não acredita em nada. Mas quem não acredita em nada não pode acreditar que em nada acredita. Enfim... é um paradoxo famoso que me atrai, sempre é mais excitante. Do futuro, não se sabe nada. É difícil de prever. E pensar nisso é um gasto de energia desnecessário. Por isso, prefiro ser um 'futurólogo ao contrário': ver o passado como se fosse o futuro. Esta ideia está muito presente nos meus filmes. Quando estava doente, as anestesias dos hospitais de Lisboa faziam-me ter sonhos. Sonhos digitais. Tornava-se tudo real, é uma situação que mete muito medo. O Nerval deve ter sentido algo parecido. Os médicos chamam a isso a síndroma confusional. Pode-se ficar curado ou ficar preso à confusão para sempre. Acontece que, enquanto cineasta, eu já pratico esta 'doença' há muito tempo. Et voilà: sabia como me escapar dela!
Mas você não é católico...
Nem partilho o verdadeiro catolicismo de Camilo, que foi um transgressor da religião. Não sou praticante. Eu acredito em tudo. Ou seja, tenho o mesmo problema de quem não acredita em nada. Mas quem não acredita em nada não pode acreditar que em nada acredita. Enfim... é um paradoxo famoso que me atrai, sempre é mais excitante. Do futuro, não se sabe nada. É difícil de prever. E pensar nisso é um gasto de energia desnecessário. Por isso, prefiro ser um 'futurólogo ao contrário': ver o passado como se fosse o futuro. Esta ideia está muito presente nos meus filmes. Quando estava doente, as anestesias dos hospitais de Lisboa faziam-me ter sonhos. Sonhos digitais. Tornava-se tudo real, é uma situação que mete muito medo. O Nerval deve ter sentido algo parecido. Os médicos chamam a isso a síndroma confusional. Pode-se ficar curado ou ficar preso à confusão para sempre. Acontece que, enquanto cineasta, eu já pratico esta 'doença' há muito tempo. Et voilà: sabia como me escapar dela!
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Francisco Ferreira, Expresso
Francisco Ferreira, Expresso
INCLUI DECLARAÇÕES DOS ACTORES
ATO I. A vida. "Falámos sobretudo da vida. O nosso assunto era a vida." Nos cinco meses que Ricardo Pereira, 31 anos, trabalhou com Raúl Ruiz, nem todos foram feitos de plateau nem de filma¬gens. O ator português recentemente contratado para os quadros da TV Globo não se recorda de ter tido em toda a sua carreira profissional tanto tempo de preparação e criação de uma personagem. O Alberto de Magalhães que ele encarna em "Mistérios de Lisboa", de Raúl Ruiz, é uma das personagens mais complexas ao enredo. O seu primeiro nome é “Come Vacas" - e a sua vida a de um assassino contratado, vagabundo e homem de muito maus modos. E se a vida o redime, como quase sempre acontece em Camilo Castelo Branco, transformando-o num desejado cavalheiro de salões, a verdade é que dentro dele o mostro que foi à nascença nem sempre se reprime. Antes explode. Ao telefone do Leblon, no Rio de Janeiro, Ricardo Pereira avança ao Expresso: "Raúl Ruiz dá-nos asas..." Além das muitas conversas sobre a vida que Ruiz fez questão de desenvolver com os atores, evitando, por método assumido, trabalhar diretamente sobre as personagens que iriam representar, o realizador chileno fez inúmeros ensaios, promoveu aulas de francês, equitação, esgrima, história de época e literatura. "Ele é um abstrato objetivo", continua o ator. "Leva-nos a criar uma personagem depois de nos encher de informação, de contextualizar as épocas e as vidas, dá-nos uma bagagem e uma abertura que nos permitem saber exatamente o que fazer." Maria João Bastos, outra das personagens fulcrais de um filme sem figuras secundárias ou de terceira linha, também fala desses encontros com Ruiz muito tempo antes de começar a filmar: "Os encontros não incidiam sobre a personagem, mas sobre o que ambos sentíamos. Raúl Ruiz até podia fazer uma análise, mas era muito importante para ele ouvir a nossa. Foram tantas as conversas, os almoços. O Raúl é uma pessoa muito engraçada, um contador de histórias extraordinário." O resultado, diz Ricardo Pereira, tinha de ser outro: "Toda a preparação foi muito importante. Falámos de uma vida, a vida das novelas, onde tudo é possível, e trouxemo-la para a tela, para o cinema." Ricardo Pereira não espera pelo fim da entrevista e avança logo à partida: "É uma personagem que marca muito a minha vida, especialmente a minha carreira no cinema." E se Maria João Bastos 'não quer descurar outros trabalhos que fez, tal como Ricardo Pereira, a verdade é que, perante a hipótese de uma inundação que lhe fizesse desaparecer todos os papéis que já fez até hoje ao longo dos seus 35 anos de vida, não hesitaria: "Salvava este" o da pobre Ângela de Lima, condessa entregue a fu¬nestos amores e profundos desgostos.
ATO II: As emoções. A obra de Camilo não chegou ao coração de Maria João Bastos quando a leu na escola. Precisaria de "Mistérios de Lisboa" para chorar. Hoje duvida que a adolescência - apesar de ser a época dos primeiros amores - seja adequada à leitura de “Amor de Perdição". "O 'Amor de Perdição' não teve qualquer impacto em. mim. Se o tivesse lido hoje teria sido diferente." Mas "Mistérios de Lisboa" fê-la entrar no universo camiliano e seguir para outras obras do escritor. Agora lê "A Queda de Um Anjo" e acredita que as experiências vividas lhe deram mais maturidade para compreender Camilo. Já viu o filme quatro ou cinco vezes, como Ricardo Pereira, e acha inevitável emocionar-se não por ter neste filme um dos papéis mais dramáticos mas pelas emoções que se jogam "neste quadro vivo".
Fica fascinada: "Estou perante uma obra-prima. Aquela história é parte da realidade, as emoções são as mesmas, a única coisa que muda são as épocas. Os sentimentos perduram no tempo. Fico agastada com tanta beleza e com tanta genialidade que o filme tem." Ricardo lembra que a adaptação de Carlos Saboga o ajudou muito. Leu o guião cinco ou seis vezes, em português e francês, para entrar num enredo que equipara à vida de hoje. Nada de Camilo Castelo Branco lhe soa distante: "Acho que a nossa vida é um enredo de histórias que se cruzam." E é, de facto, essa certeza que o faz acreditar que Camilo pode ser muito claro para o espectador, mesmo quando não se é português.
ATO III. A serenidade. A admiração pela competência de Ruiz, mas também pela sua humanidade e generosidade, que ambos os atores sublinham ao Expresso, estende-se ainda à sua enorme serenidade e ao modo como ele a consegue transmitir ao elenco e equipa técnica: "Nunca encontrei a calma dele em nenhum outro trabalho. Ele conseguia fazer com que as coisas acontecessem com uma calma e uma energia muito positiva e com muito sentido de humor. Tinha todos os ingredientes bem distribuídos, e o trabalho acontecia de facto de um modo muito diferente", diz Maria João. Ricardo até tem pena de que o filme não seja maior (quase quatro horas e meia na versão cinematográfica): "Se houvesse um segundo filme, eu ainda teria feito mais, porque a minha personagem teve outras vidas além daquelas que foram tratadas. Viveu na Bélgica com outro nome, no Brasil, em Paris. Teria sido muito interessante fazer essas sete ou oito personagens do Alberto de Magalhães." O ator avança: "Ruiz é brilhante, é o 'homem que atingiu o estado pleno, o patamar mais alto da consciência humana e isso é obviamente transportado para os atores e equipa técnica. O processo de criação acontece sem drama, permite que todos intervenham e juntem ideias para chegar a um lugar melhor. Foi isso, aliás, que funcionou no filme e explica o seu êxito internacional."
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Expresso
Expresso
Título original: Mistérios de Lisboa
Realização: Raoul Ruiz
Argumento: Carlos Saboga, segundo o livro homónimo de Camilo Castelo Branco
Interpretação: Adriano Luz, Maria João Bastos , Ricardo Pereira, Clotilde Hesme, Afonso Pimentel,
João Luís Arrais, Albano Jerónimo, João Baptista, Martin Loizillon, Julien Alluguette,
Rui Morisson, Joana de Verona, Carloto Cotta, Maria João Pinho, José Manuel Mendes
Fotografia: André Szankowski
Montagem: Ruy Diaz, Carlos Madaleno, Valeria Sarmiento
Música: Jorge Arriagada
Origem: Portugal/ França/Brasil
Ano de Estreia: 2010
Duração: 272’
Fotografia: André Szankowski
Montagem: Ruy Diaz, Carlos Madaleno, Valeria Sarmiento
Música: Jorge Arriagada
Origem: Portugal/ França/Brasil
Ano de Estreia: 2010
Duração: 272’
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