
A produção coube à Tobis Portuguesa, a cargo de Henrique Espírito Santo, sendo o orçamento avaliado em 3.500 contos. Elso Roque dirigiu a fotografia, com exteriores em Olhão - Marim, Ilha de Armona e Costa de Caparica. Em sugestivo preto-e-branco na definição de atmosferas, mistérios e cumplicidades, com rigorosa construção narrativa ou dramática, As Ruínas no Interior foi galardoado em 1977 com o Prémio à Primeira Obra, no Festival de Hyères.
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(Instituto Camões)
Situado durante a Segunda Guerra Mundial, As Ruínas no Interior é um filme belíssimo e dolorido, assente nos contrafortes da memória e da mágoa.
Travessia de um tempo de silêncio, lugar de uma infância burguesa, placidamente triste, esta película em que Sá Caetano se inicia na longa-metragem de ficção é uma das esperanças mais seguras do cinema português da década de 70.
As Ruínas no Interior marca, por assim dizer, o princípio de uma reflexão sobre as raízes do nosso presente, não enjeitando origens de classe, nem oblíquas fascinações, antes esforçando-se por fixar, pedra a pedra, o espaço de uma realidade social, no seio da qual muito do que hoje somos encontra seiva e impulso.
Extremamente sóbrio, preciso, económico de meios, este filme é feito de ritmos asfixiantes, durações de tédio, uma paz poder nos arredores do medo; por isso é um filme apaixonante.
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Jorge Leitão Barros, Dicionário do Cinema Português 1962-1388

O que mais surpreende nesta primeira obra é a rigorosa secura da sua escrita, sacudida, impondo a ruptura como constante, de grande expressividade visual, denotando uma sensibilidade intimista que recusa a demagogia fácil e a demonstração de virtuosismo estéril. Estamos seguramente na presença de um cineasta de quem haverá muito a esperar, o que pode já vir a acontecer na sua próxima obra, a adaptação do romance de José Cardoso Pires "O Delfim".
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Lauro António, in Diário de Notícias, 3 de Novembro de 1977
Os filmes de Sá Caetano são verdadeiros «objectos estéticos não identificados». Não se inserem em nenhuma tradição explícita, não se referem a nenhum outro campo artístico privilegiado (nem a literatura, nem o teatro, nem a pintura). Mas há mais do que isso: são obras que parecem viver voltadas para dentro de si mesmas, não desferem sinais para o exterior, não enviam apelos. A imagem em Sá Caetano recolhe-se numa espécie de ensimesmamento. Quem recordar sem grande atenção As Ruínas no Interior e o filme seguinte de Sá Caetano, estranhamente intitulado Um S Marginal, poderá supor, e com motivos de sobra para tal, que se trata de duas películas inteiramente estranhas uma à outra. Até certo ponto, isso é verdade. Mas elas são estranhas uma à outra porque são estranhas seja ao que for, e é essa estranheza, esse modo convicto com que parecem repelir qualquer aproximação. que as irmana. (...)
Nenhuma das suas histórias tem uma origem e um desenlace, todas elas parecem surpreendidas a meio de um desenvolvimento cujas pontas nos escapam. Mas este filmar a meio de é uma constante de Sá Caetano. Porque o filme também não é uma galeria de perfis psicológicos; pelo contrário, as personagens têm contornos tão precários que mal chegam a emergir da nebulosa narrativa donde parecem cair. Mas também não é um filme que se sustente como documento sociológico: as oposições que se estabelecem são quase sempre sumárias e parecem resumir-se a um paradigma pobreza/ riqueza «que fazem as crianças ali penduradas na arvore?», pergunta a mãe; «estão a vê-los comer», responde a criada. É esta silenciosa ruminação de todos os sentidos que confere ao cinema de Sá Caetano uma opacidade inamovível.
Tal opacidade perturba e desconcerta na medida em que um grande apuro formal parece denunciar uma premeditação imensa neste trabalho. E, por outro lado, a constante utilização de uma montagem em paralelo cria a suposição de que as múltiplas interferências de imagens irão desencadear uma teia de significações. Ora o trabalho do filme é, à maneira de Penépole, um adiar obstinado dessa teia. Certas imagens caem sobre outras imagens com o mesmo acaso cósmico com que descem do céu os dois sobreviventes de um avião perdido no mar.
O que pode existir de fascinante em As ruínas no interior é a sensação de estarmos perante um documento histórico que se refere a realidades irreconstituíveis e que pertence a parâmetros de comunicabilidade definitivamente perdidos. Não será por acaso que este cinema do ensimesmamento nos irá dar, com Um S Marginal. um filme sobre os efeitos perversos das tecnologias contemporâneas da comunicação.
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Eduardo Prado Coelho, Vinte Anos de Cinema Português – 1962-1982
Realização: José de Sá Caetano
Argumento: José de Sá Caetano
Fotografia: Elso Roque
Elenco: Françoise Ariel, Keith James, Brian Ralph, Jacinto Ramos, Catarina Avelar
Música: Rui Cardoso
Montagem: José de Sá Caetano e Clara Diaz Bérrio
Produção: Tobis Portuguesa
Dia 12, 21h30; de 13 e 30 Janeiro em sistema de sessões contínuas entre as 10 e as 16h, Museu Municipal (sala audiovisual r/c), entrada livre.
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