DIA 16
LINHA
VERMELHA José Filipe Costa Portugal, 2011, 80’
SINOPSE:
Em 1975, a equipa de Thomas Harlan filmou a ocupação da herdade da Torre
Bela, no centro de Portugal. Três décadas e meia depois, "Linha
Vermelha" revisita esse filme emblemático do período revolucionário
português: de que maneira Harlan interveio nos acontecimentos que parecem
desenrolar-se naturalmente frente à câmara? Qual foi o impacto do filme na vida
dos ocupantes e na memória sobre esse período?
ENTREVISTA A JOSÉ FILIPE COSTA: http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=XDiQ-CsA_PM&NR=1
CRÍTICA:
Um
documentário fascinante sobre o poder da imagem e a essência do cinema que não
se esgota na sua breve duração
Ponto prévio: para desfrutar de Linha Vermelha, ajuda muito ter uma memória do filme de Thomas Harlan Torre Bela (que passou há alguns anos pelas salas), sobre o qual o documentário de José Filipe Costa, vencedor do concurso nacional do IndieLisboa 2011, se debruça em profundidade. Mas não é obrigatório, porque Linha Vermelha explica o suficiente sobre Torre Bela, filme que para o bem e para o mal marcou a imagem pública e histórica do 25 de Abril como nenhum outro, para informar um espectador menos especialista, e o dever de memória de Costa torna-se rapidamente numa apaixonante viagem ao passado, entre o documentário de bastidores e o filme-ensaio. Linha Vermelha interroga a nossa história recente, o poder da imagem, a própria essência do documentário, e ao fazê-lo ombreia sem problemas com algumas das obras documentais mais notáveis que temos visto, quer no DocLisboa quer mais a espaço em salas.
Ponto prévio: para desfrutar de Linha Vermelha, ajuda muito ter uma memória do filme de Thomas Harlan Torre Bela (que passou há alguns anos pelas salas), sobre o qual o documentário de José Filipe Costa, vencedor do concurso nacional do IndieLisboa 2011, se debruça em profundidade. Mas não é obrigatório, porque Linha Vermelha explica o suficiente sobre Torre Bela, filme que para o bem e para o mal marcou a imagem pública e histórica do 25 de Abril como nenhum outro, para informar um espectador menos especialista, e o dever de memória de Costa torna-se rapidamente numa apaixonante viagem ao passado, entre o documentário de bastidores e o filme-ensaio. Linha Vermelha interroga a nossa história recente, o poder da imagem, a própria essência do documentário, e ao fazê-lo ombreia sem problemas com algumas das obras documentais mais notáveis que temos visto, quer no DocLisboa quer mais a espaço em salas.
Linha
Vermelha é uma espécie de investigação policial à volta do registo da ocupação
da herdade da Torre Bela filmada em 1975 pelo alemão Thomas Harlan. É também
uma verdadeira master class sobre o processo de criação de um filme, seguindo o
modo como um cineasta diletante e militante usa os materiais fílmicos ao seu
dispor, manipulando tempo e espaço para criar uma imagem e fazer passar uma
mensagem. De certo modo, Linha Vermelha revela Torre Bela como um filme
Eisensteiniano, um Couraçado Potemkin à nossa escala onde as imagens são
alinhadas para construir um efeito dramático - a criação de um herói em Wilson
Filipe; o confronto entre a miséria e o luxo na entrada dos ocupantes na mansão
que é ainda hoje a cena mais recordada do filme; a aprendizagem do socialismo
no célebre diálogo das botas. Sempre arrumámos Torre Bela na gaveta do
documentário, mas ao revelar que algumas das situações foram recriadas frente à
câmara, Costa recorda-nos que qualquer cinéma só aparentemente é vérité, porque
assim que há uma câmara há um ponto de vista, e assim que há um montador há uma
progressão narrativa. Neste caso, isso é amplificado por um realizador onde é
impossível não ver a procura de resgate de um nome de família manchado - onde o
pai Veit Harlan fora o cineasta do regime nazi, o filho Thomas acabaria por se
tornar no cineasta da revolução dos Cravos, colocando a sua câmara ao serviço
de uma causa.
É, por isso, do poder da imagem que Linha Vermelha nos fala, e não é
certamente por acaso que seja o som - na forma das declarações de um Thomas
Harlan que, já muito doente, nunca aparece na imagem; das velhas bobines de som
que são os únicos restos dos bastidores de Torre Bela e que lançam questões
sobre a sua criação; do ruído das moviolas e mesas de montagem por onde a
película corre - que vem desvendar os segredos da imagem. Linha Vermelha não se
esgota na sua curta duração e lança inúmeras pistas sobre a natureza do cinema
e das imagens: é um filme essencial para compreender o modo como a imagem molda
o nosso quotidiano.
Ípsilon Jorge Mourinha
Talvez seja o filme que melhor documenta o
Processo Revolucionário em Curso e, mais concretamente, a Reforma Agrária no
pós-25 de Abril. Thomas Harlan, um realizador alemão, viajou para
Portugal, animado por ideários esquerdista, para reportar o que se viva em
Portugal. Ou mais do que isso, para fazer um filme declaradamente militante e,
simultaneamente, com uma perspetiva antropóloga. Percorreu vários pontos, mas
foi na herdade do Duque de Lafões que conseguiu fazer o melhor retrato, dando
uma ideia idealista e romântica do que se estava a passar, numa grande obra
cinematográfica, Torre Bela, que, não há muito tempo, foi re-estreada nas salas
na versão completa. Contam-se ali episódios fabulosos, como a invasão da casa
dos senhores pelos trabalhadores ou uma discussãoa a propósito de uma enxada,
que levanta questões sobre o direito à propriedade e as vantagens do
corporativismo e mesmo do Comunismo. Thomas Harlan faleceu em 2010 e esta é sem
dúvida a sua obra mais significativa. José Filipe Costa fez um documentário
sobre o documentário e o seu autor, foi atrás das pistas deixadas, procurou o
homem escondido na obra e levantou algumas questões sobre a natureza do próprio
cinema ou o naturalismo do documentário. Explica o que está por trás de cada
cena, e demonstra a forma como Harlan, por vezes, entusiasmado com a linha e o
discurso do próprio filme manipulou as suas filmagens de forma a produzir o
efeito desejado, não fosse o cinema, mesmo o documentário, como todas as artes,
uma ciência inexata e uma forma de expressão do autor. José Filipe Costa vai
mais longe, não se fica pela obra em si, e procura raízes no desenvolvimento
das ideias de Torre Bela, que coincidem com as ideias do próprio 25 de Abril,
mostrando, por exemplo, um exercício especulativo numa escola da região, em que
os alunos debatem a questão da propriedade. Um documentário que, mais do que
enaltecer o autor, o desvenda. Thomas Harlan merecia um filme assim, nem que
seja pela sua grande obra em que fez um retrato impagável do que o país prometeu
ser.
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