Night Moves, 7 Outubro, 21h30, IPDJ

7 outubro | 21h30 | IPDJ
NIGHT MOVES
Kelly Reichardt, EUA, 2013, 112’, M/14

FICHA TÉCNICA
Título Original: Night Moves
Realização: Kelly Reichardt
Argumento: Jonathan Raymond, Kelly Reichardt
Montagem: Kelly Reichardt
Fotografia: Christopher Blauvelt
Música: Jeff Grace
Interpretação: Jesse Eisenberg, Dakota Fanning, Alia Shawkat, Peter Sarsgaard, James Le Gros, Katherine Waterston
Origem: EUA
Ano: 2013
Duração: 112’

Festivais e Prémios
Festival de Veneza - Selecção Oficial
Festival de Toronto - Selecção Oficial

Deauville Film Festival – Grande Prémio



CRÍTICA

A americana Kelly Reichardt continua a filmar as atribuladas relações entre os humanos e a Natureza — no seu mais recente e magnífico filme, "Night Moves", ela encena a actividade de um grupo ecológico no labirinto das suas próprias opções políticas.

Quanto mais vamos descobrindo o trabalho da americana Kelly Reichardt [...], mais se acentua uma emoção paradoxal: por um lado, há nos seus filmes um persistente fascínio pelos elementos naturais e, mais do que isso, pela própria noção mítica de Natureza; por outro lado, tudo se passa como se os humanos não soubessem lidar com a crueza desses elementos, perdendo-se nela e perdendo as razões da sua identidade.

Pensemos, por exemplo, na ambígua deambulação pelas montanhas do Oregon, em "Old Joy" (2006). Ou ainda na revisitação desencantada do western e da descoberta do Oeste em "O Atalho" (2010). Agora, com "Night Moves" (2013), a perturbação aumenta porque, afinal, os protagonistas são os elementos de um pequeno grupo ecológico que decide afirmar os seus valores através da destruição de uma barragem...

A escolha do elenco de "Night Moves" é, em si mesma, reveladora. De facto, ao entregar os papéis principais a Jesse Eisenberg (o Mark Zuckerberg de David Fincher em "A Rede Social"), Dakota Fanning (já adulta, mas que em "Guerra dos Mundos", ainda adolescente, sob a direcção de Steven Spielberg, "roubava" todas as cenas a Tom Cruise) e Peter Sarsgaard (sempre enigmático e inquietante, tal como, por exemplo, em "Lovelace"), Reichardt escolhe intérpretes que escapam a qualquer modelo mais ou menos retórico.

Daí a genuína inquietação deste conto moral sobre a defesa da Natureza. Em vez de excluir as personagens para criar uma espécie de abstracção "teórica" sobre as razões da ecologia, Reichardt vai mergulhando no labirinto de ideias e emoções que circulam entre as suas personagens, afinal distanciando-se de qualquer dicotomia simplista entre "prós" e "contras". No limite, "Night Moves" é um filme sobre o peso específico dos gestos políticos, desde o espaço social até às regiões mais secretas da consciência individual.

João Lopes, rtp.pt/cinemax/



ENTREVISTA À REALIZADORA
Josh, Dena e Harmon — papéis de Jesse Eisenberg, Dakota Fanning e Peter Sarsgaard — são em “Night Moves” três ecoativistas do Oregon que decidem rebentar uma barragem hidroelétrica nociva para o meio ambiente. Voltam depois para as suas casas, em silêncio, sem reivindicarem o ato, esperando que o gesto radical fale por si próprio e desperte consciências — mas é no pós-atentado e suas consequências que o filme começa realmente a levantar questões.
Kelly é um coração inquieto e toca agora num ‘ecoterrorismo’ que, pela perspicácia e inteligência com que é apresentado, nos permite falar do renascimento de um cinema em estado de militância.
A natureza sempre esteve muito presente nos seus filmes, foi um pano de fundo importante, recorrente. Mas em “Night Moves” ela está no seio da intriga...
“Night Moves” não deixa de ser para mim uma ficção com personagens de ficção. Acontece que estas têm uma intenção política, de facto. Diria que, desta vez, a natureza está presente na mente das personagens e não apenas na minha. Foi este o caminho que o Jonathan Raymond (argumentista de quase todos os meus filmes) e eu tomámos no guião. Considerando o estado do mundo e o modo como a humanidade o está a destruir, perguntámo-nos porque é que, afinal, não surgem mais pessoas a rebentar com certas coisas — com uma barragem hidroelétrica que está a exterminar salmões, por exemplo. Perguntámo-nos o que nos impede, de facto, de fazermos algo tão radical como isso. É claro que há muito boas razões para não o fazermos...
Como é que a ideia do filme nasceu?
O Jonathan lembrou-se de escrever uma história sobre militantes ecologistas radicais e a ideia de introduzir esse tema muito contemporâneo num filme mais ou menos policial interessou-me logo. O Jonathan nasceu no noroeste americano. A Earth Liberation Front na América, de resto, surgiu ali, na cidade em que eu vivo, em Portland, e as contestações às barragens estão na ordem do dia. A intriga foi-se modificando depois. Tornou-se claro que queríamos mostrar personagens convictas da sua ideologia fundamentalista e que se descobrem presas a um sistema que as vai destruir.
Há alguma fonte autobiográfica nas suas personagens?
Não. Há uma questão de proximidade, isso sim. Gosto de entrar em mundos e em personagens que são novos para mim, que precisam de ser investigados e me obrigam a refletir sobre a sua existência.
A viagem é um tema importante para si. Mark e Kurt, as personagens de “Old Joy”, reúnem-se numa viagem campestre. A Wendy de “Wendy and Lucy” parte à deriva sem saber para onde vai. A viagem é também decisiva para as famílias que se perdem no Oregon em “O Atalho”, western que se passa em meados do século XIX...
Essa é uma grande questão que me coloco à minha própria vida: porque será que tenho esta predileção pelo road movie? “Night Moves” é diferente: a viagem, aqui, é interior. É curioso falar disso porque eu acho que os filmes que faço refletem muito o meu ritmo natural. Não sei se já fez uma viagem de onze horas de carro mas isso altera por completo a noção de tempo que temos. E eu acho isso muito intrigante. Acho que as nossas vidas são tensas porque vivemos num mundo em que estamos sempre à espera de qualquer coisa, de um telefonema, de um e-mail... É como se tivéssemos sempre o tempo contado. As minhas personagens talvez queiram fugir disso. Gostam de perder tempo. E aqui surgem impasses, crises narrativas, coisas que me interessam.

Há uma grande divisão de comportamentos em relação ao ambiente entre o leste e o oeste americanos?
Sim, uma enorme divisão de consciências e de sensibilidades. Em Nova Iorque as pessoas estão-se nas tintas para o ambiente. Acham que reciclar o lixo é o suficiente. Sabe, eu cresci quando a Patty Hearst aparecia nos jornais, quando a ativista underground Angela Davis, do Partido Comunista dos EUA, estava a ser julgada e noto que os padrões de comportamento delas não são tão diferentes dos dos ecologistas do meu filme. É claro que os media farão sempre com que as pessoas os vejam como terroristas mais perigosos do que a poluição maciça da atmosfera e da água consentida pelo Governo. Esta mentalidade, de resto, não mudou muito até ao 11 de Setembro. Fizemos com que a ação do fiime se passasse no pós-11 de Setembro e não agora porque hoje já é impossível praticar uma atitude política extrema deste género sem se ser detetado e travado imediatamente.

Josh e Dana querem levar a sua avante mas não estão politicamente preparados nem para se organizarem nem para lidarem com as consequências dos seus atos. São ingénuos?
São novos. Dou aulas na universidade há já algum tempo. Lido com a juventude. Lembro-me da ação de jovens como aqueles nos anos 90, alguns ligados à Earth Liberation Front. Lembro-me dos seus atentados à bomba contra as coisas mais diversas, pistas de esqui que se construíam nas florestas, etc. E de pensar: mas bolas, eles só têm vinte anos, não sabem nada da vida e agora vão apanhar dez anos de cadeia, as suas vidas estão destruídas. Por outro lado, e olhando para os dias de hoje, lamento que já não haja esquerda nos EUA, por exemplo. Ou que essa esquerda esteja gorda, preguiçosa, confortável. As pessoas acostumam-se depressa à rotina e morrem politicamente. Josh e Dana são ingénuos, claro, ao contrário de Harmon, a personagem de Peter Saarsgard, que só quer fazer explodir as coisas. Josh e Dana acreditam piamente naquilo que estão a fazer mas depois são assaltados por uma ambiguidade de sentimentos, perdem o controlo da situação. Perdem a noção de grupo. E eu acho que é aqui que o filme nos pergunta: se estes miúdos extremistas estão a proceder mal, então qual é o procedimento certo? E o que é que nós, adultos, podemos fazer para agir e mudar as coisas? “Night Moves” não responde à pergunta. Não tem uma ‘agenda política’. Mas o meu desejo secreto é que essa pergunta ecoe em cada espectador.
Francisco Ferreira, Expresso

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