David Lynch começou a mexer em imagens como pintor. Um dia, frente a um quadro que preparava na Academia de Artes da Pensilvânia, "sentiu o assobio do vento e viu as plantas, na tela em movimento."* Foi como se achou a imaginar se os filmes não seriam uma maneira de dar movimento aos quadros. Ora, essa fixação na imagem pictórica movimentada, e não tanto com uma preocupação narrativa em primeiro plano, ajuda a entender o seu aparente menosprezo pelo fio das intrigas. É como o cão mais irado (beugh!, que estranho fica assim o "angriest") do mundo. De tira para tira, os quatro quadradinhos não se alteram. A história, aparentemente, mantém-se. Ou a imagem. Ou a linha narrativa. Só muda o discurso, aquilo que enforma a ideia. (A mim ninguém me tira que este cão, rei do absurdo, só pode ser a segunda vida do canito do vizinho de Meursault em Argel, n'O Estrangeiro de Camus. Sarnento, enraivecido de velho, dia após dia pontapeado até que, uma bela tarde de passeio, roubado ou fugido, se decide que não regressará ao dono.)
(*Em Catching the Big Fish: Meditation, Consciousness, and Creativity, onde explica as suas motivações criativas e conta este episódio, Lynch diz que não estava sob o efeito de drogas.)
2 comentários:
é engraçado esta imagem do vento e das folhas em movimento. Outro dia estava a rever o documentário sobre os Irmãos Lumière, e a voz off fala do vento nas folhas, naquele filme da papa do bebé. E que aquelas folhas agitadas, como pano de fundo, foram de facto a sensação intensa de captação da realidade. Já era cinema.
já te respondo, agora tenho de ir pagar a renda e comprar água pra sede.
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