em alto e bom som começa com uma reconstituição de woodstock - começa bem, portanto. ang lee, taking woodstock, 6ªf, IPJ, 21h30

Depois de um interlúdio em solo natal ("Lust, Caution", rodado em Taiwan) Ang Lee voltou aos EUA para o seu primeiro filme americano pós-"Brokeback Mountain". O título não engana, "Taking Woodstock" refere-se mesmo ao apogeu "peace & love" dos "sixties" e ao concerto de que agora se assinala o quadragésimo aniversário. O argumento baseia-se no livro autobiográfico de Elliot Tiber, que em 1969 era um jovem e empreendedor filho de estalajadeiros da zona de Woodstock, e foi um elemento importante na cadeia organizativa do festival, mesmo sem perceber bem onde estava metido. O Tiber do filme, pelo menos na interpretação de Demetri Martin, atravessa "Taking Woodstock" como uma silhueta, no fundo, e apesar da sua acção é uma testemunha daquela avalanche de "contracultura" que ele observa com estranheza. Há um lado "sirkiano" em Ang Lee, na maneira como olha para os americanos e para as suas "imitações da vida", e sem dúvida que esse lado está presente em "Taking Woodstock", reflectido num ambiente e num acontecimento muito específicos. Até por isso, não custa ver no protagonista e na sua estranheza (muito "clean": é relutantemente que, perto do fim, lá experimenta a sua primeira pastilha de LSD) uma projecção do cineasta, um asiático (que tinha 15 anos em 1969) a filmar a sua distância, não importa quão simpática, para com os "sixties" americanos. A coisa mais interessante está mesmo aí, no corpo estranho que é Tiber (assim como boa parte dos colaboradores locais) dentro daquela agitação toda, e na maneira "lateral" como o festival vai sendo seguido - como um rumor, um eco, música ouvida ao longe (Janis Joplin, por exemplo), que nunca se chega a materializar. E quando se vê o palco, sempre de longe, é como "coisa sonhada", pontinhos de luz colorida recortados no céu nocturno, feérie irreal. Não por acaso, a seguir vem a cena do LSD.



Lee precisava de ser mais "sirkiano" (e ter também um lado vindo, digamos, de Tati) para ir além disto. A procura da reconstituição mimética (a peruca de Michael Lang, o organizador-mor, é inacreditável) soa mais a falso do que ao realismo desejado, mas OK, isto é mais teatro do que outra coisa. Só que o artifício se esgota em si próprio, numa agremiação de "tipos" sem profundidade (o "travesti" de Liev Schreiber, o traumatizado veterano do Vietname a cargo de Emile Hirsch), bonecos da contracultura, "marionetas de época" - se em mais do que um sentido Woodstock foi a sua própria caricatura (basta ver o documentário de Michael Wadleigh), Ang Lee simplifica-a, fazendo um "cartoon", um desenho animado. Acrítico (é o "fenómeno") e edificante, propriamente beato, ou não fosse, no fim de contas, mera rima para o processo "libertador" do protagonista. Consciente do seu Woodstock de "sonho", muito plastificado (até a lama parece limpinha) e muito estereotipado (aquele casal "hippie" da cena do LSD...), Ang Lee põe no final Michael Lang a falar do seu projecto seguinte, um festival na California com os Rolling Stones, obviamente Altamont. Ou alter-ego, o alter-ego assassino de Woodstock, a expressão da densidade e das contradições dos "sixties" americanos que aqui Ang Lee prefere ignorar em favor de uma visão beatífica.
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Luís Miguel Oliveira, Público

Quarenta anos depois, Woodstock continua a ser um tema precioso para o cinema, mas a sua abordagem não podia ser mais difícil. Quando "Taking Woodstock" estreou este ano em Cannes, na competição, falava-se que Ang Lee tinha feito o seu "Ben-Hur". Que tinha recriado, nestes tempos de cinema numérico, o lendário festival, numa produção de alta escala. Que se tinha lançado para empreitada nunca vista. É óbvio que houve exageros aqui. De resto, Lee sabia bem que o filme sobre a matéria já foi feito, em 1970, e 'em directo', por Michael Wadleigh ("Woodstock", montado por Martin Scorsese, é um documentário exaustivo sobre o acontecimento e venceu o Óscar da sua categoria). Sabia que, por muito desenvolvida que esteja a tecnologia, tim-tim por tim-tim é coisa impossível de fazer com o Woodstock. Preferiu por isso contar, não o festival, tão-pouco o seu espírito, mas a história romantizada dos seus bastidores. E a história desses bastidores coincide com a do homem que diz ter inventado Woodstock: Elliot Tiber.



Quando o filme começa, estamos no Verão de 1969 e, na província, não há quase nada para fazer. Elliot, que trabalha como decorador de interiores em Greenwich Village, está entre a espada e a parede, sem dinheiro, sem futuro e, pior ainda, sem coragem para confessar aos pais, judeus russos conservadores, que é gay. Quando lê no jornal que as autoridades de uma terreola vizinha recusaram receber um festival de música, lembra-se de trazer esse festival para a sua própria terreola, Bethel, e põe à disposição o terreno à volta do motel insalubre que os pais dirigem. O terreno é pequeno, está alagado, mas Elliot procura outro. Acerta todos os pormenores com um vizinho, vai em frente, torna-se na figura do festival. Espera animar as hostes e receber uns milhares de hippies durante um fim-de-semana. Três semanas depois, 400 mil pessoas invadem o terreno. E Woodstock torna-se muito mais do que um simples festival de música.


O filme nasceu por acaso. Em Outubro de 2007, Ang Lee e Elliot Tiber conhecem-se numa emissão de TV. Lee estava lá para apresentar o seu filme "Sedução, Conspiração" e Tiber o seu livro: "Taking Woodstock: a True Story of a Riot, a Concert, and a Life". Tiber aproveitou para passar uma cópia ao cineasta e, ao que parece, foi amor à primeira vista. Lee lembrou-se imediatamente do seu filme de 1987, "A Tempestade de Gelo", passado em 1973: se este era em tudo uma ressaca dos tempos do sex, drugs and rock and roll, o livro de Tiber correspondia ao que antes aconteceu, "a esse último momento de inocência", diria Lee numa entrevista. A adaptação começa a ganhar corpo. James Schamus, que produziu os onze filmes de Ang Lee até à data, encarrega-se de escrever o argumento. Obcecado pela magia desses tempos que nunca viveu (em 1969, Ang Lee tinha 15 anos e estava em Taipé), o cineasta contrata o historiador David Silver e pede-lhe que faça um "manual do hippie perfeito": baseado na recolha de depoimentos e artigos de imprensa, de modo a recuperar roupas, jeitos e expressões da época. Para o papel de Elliat, escolhe Demetri Martin, jovem actor americano, de 26 anos, conhecido na TV americana pelas seus espectáculos de stand up comedy. E a rodagem arranca na Primavera de 2008.



Mas "Taking Woodstock", surpreendentemente, fala muito pouco de rock americano dos anos 60. Prefere cercar de felicidade o tempo que lhe deu origem. De certa forma, esta maneira superficial de abordar a realidade da época só dá dela um papel de embrulha: nada tem que ver com os transes de Antonioni em "Zabriskie Point", mas faz sentido no percurso cinematográfico de Lee. estão lá (mas na banda sanara) as Grateful Dead, a Janis Joplin, os Love, os Crosby, Stills, Nash & Young, mas o que se vê não é o festival em si, antes a sua preparação. Não é a história da casa que conta para Lee, é o sonho dos seus alicerces. Como se o filme desse provas de uma melancolia que não pode ter, por saber que está a falar de um tempo que não conheceu, de uma memória não' vivida.


O "Woodstock" de Lee é, portanto, açucarado e Elliot é 'pintado' de forma ingénua, tal como' ingénua é a caricatura dos seus pais, Sonia e Jake, interpretadas por dois actores britânicos, Imelda Staunton e Henry Goodman. Também de clichés é feita a personagem de Billy (Emile Hirsch), um ex-combatente da Vietname que está ali para servir de testemunha do seu tempo, um tempo febril que tinha acabada de ver o homem a marchar na Lua e os membros da família de Charles Manson assassinarem Sharon Tate. Mas a Lee, o que interessa não é a realidade histórica. Todos os seus filmes só falam de uma coisa: do adeus à inocência. São filmes sobre a aprendizagem, digamos assim. Foi a partir dessa base que ele se fez um autor consagrado, graças a "Brokeback Mountain". Lee, que nasceu em Taiwan e se fez hollywoodiano, tem a ambição da velha Hollywood: espalhar a seu charme par todos os géneros. E faltava-lhe o musical.


Lá para o fim, Elliot, um altruísta que ainda não assentou bem os pés na Terra, acabará por descobrir também a sua trip na imagem que todas querem ver: aquele ‘mar de gente' transformada par Ang Lee numa alucinação de efeitos especiais, quando os olhos utópicos de Elliot ficam finalmente esbugalhados pelas efeitos do LSD. Elliot descobre que há coisas na vida que têm a seu momento certa, só há uma oportunidade, não se pode olhar para trás: é esta a mensagem do filme. No fundo, "Taking Woodstock" não passa de um sonho de Ang Lee. Não é o seu melhor sonho. Mas é um mar de rosas.
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Francisco Ferreira, Expresso
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Título Original: Taking Woodstock
Realização: Ang Lee
Argumento: James Schamus
Interpretação: Henry Goodman, Edward Hibbert,
Imelda Staunton, Emile Hirsch, Eugene Levy
Direcção de Fotografia: Eric Gautier
Música: Danny Elfman
Montagem: Tim Squyres
Origem: EUA
Ano de Estreia: 2009
Duração: 120'
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RESTANTE PROGRAMAÇÃO:
Salão d’Os Artistas, 22h, Entrada Livre – Filme + DJ

Dia 14
MEETING PEOPLE IS EASY (Radiohead)
Grant Lee, EUA, 1998, 95’
seguido de
DJ Renato

Dia 21
HEIMA (Sigur Rós)
Dean de Blois, Islândia, 2007, 97’
seguido de
DJ Xminder

Dia 28
LoudQUIETloud (Pixies)
Steve Cantor e Mathew Galkin, EUA, 2007, 85’
seguido de
Le DJ Solitaire



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