OU MORRO, OU FICO MELHOR - que título magnífico! belo filme de Laurence Ferreira Barbosa, hoje, 21h30, IPJ.

A tristeza na adolescência é raramente evocada com tanta sensibilidade e idiossincrasia como aquela que Laurence Ferreira Barbosa revela na história de um rapaz perdido e das suas mais recentes “conhecidas”, totalmente inconformadas. O amuado Martial (Civil) muda-se para uma nova cidade e para um novo apartamento com a mãe Sabine (Thomassin), que é compreensiva mas desequilibrada e que por vezes se esforça demais. Depois de a mãe de Martial tentar desastrosamente despoletar a vida social do rapaz, ele afunda na depressão ao mesmo tempo que lhe cresce um fascínio pelas colegas de turma, também socialmente excluídas: as gémeas Colette e Enerstine (Marine e Karine Barbosa).



À medida que a relação dos adolescentes se vai tornando numa folie à trois, os adolescentes vão caminhando de situações desajeitadas e humilhantes, para outras bem perigosas. A sensibilidade de Barbosa espelha-se num malabarismo entre a comédia, o embaraço social, e o drama psicológico numa história que – mesmo na volumosa área dos dramas dos adolescentes – se destaca como uma evocação de como é sentir-se jovem, estranho e solitário. As interpretações destes novatos da representação são notáveis. Civil e as irmãs Barbosa concedem aquele extra arrojado de hip-ness e perversidade perturbante.
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Jonathen Romney, The Times BFI London Film Festival


A história é de um adolescente obrigado a mudar de vida em consequência da separação dos seus pais. Martial (François Civil) vive num pequeno apartamento dos subúrbios com a mãe, (Florence Thomassin) que ao sentir-se asfixiada resolve abandoná-lo repentinamente e parte em viagem com o seu novo homem. De tempos a tempos, o rapaz segue o pai (Thomas Cerisola) na sua nova vida atribulada. Em vez de se deixar levar pela average girl que lhe permitiria meter-se na linha, Martial prefere envolver-se com as excluídas da turma: as gémeas. Enquanto isso, as gémeas negras supostamente mudas incluem Martial no seu jogo favorito: entrar em apartamentos burgueses na ausência dos seus proprietários, onde a mãe das duas costuma fazer as limpezas.

Ao sair do centro, Ferreira Barbosa não espera encontrar nos subúrbios maiores nuances ou a degradação psicológica, mas sim determinadas características que elevam as personagens a um registo cómico. A mãe também é tão desajeitada quanto o seu cabelo loiro possa sugerir; o pai inacessível ouve música trash metal que contrasta com a voz suave que tinha na sala, onde entoava um cântico de baleias. Lucas (Émile Berling) é o retrato do menino rico, cuja popularidade que tem no liceu deixa antever, numa visita clandestina à sua casa, que ele faz vela, tem roupa de marca e costuma filmar as suas experiências sexuais. As gémeas aventureiras Colette e Enerstine (Karine e Marine Barbosa) provam ser tão sedutoras quanto perigosas. O argumento mostra estas duas influências alternadamente, que acabam por conduzir Martial ao sexo depois do crime. Quanto às personagens secundárias, elas revelam-se em conformidade com as suas aparências: uma burguesa adverte a polícia de que uma rapariga negra invadira a casa dela…


Ferreira Barbosa não parte do subúrbio para se fechar entre os quatro muros da escola ou da cidade. A sua periferia é imaginária, um conjunto de ruas vazias, de gradeamentos e caminhos-de-ferro, de cemitérios, de rotundas, de pavilhões opulentos e lofts. Martial, deslocado do subúrbio e a um passo do clandestino, é introduzido a um mundo estranho, aberto como por magia pelas gémeas, cujas consequências só se conhecerão mais tarde nos locais de que elas têm chaves. Excluindo a coerência geográfica, Ferreira Barbosa revela-nos uma aparente ligação, em momentos de surpreendentes raccords e de rupturas radicais: logo após ter mergulhado durante 15 minutos num cenário irreal, o aparecimento da mãe das gémeas anunciando o regresso dos patrões obriga o trio a fugir, saltando uma cerca. Esta habilidade no trato e no ritmo é rara: se o meio é francês, a energia é a da comédia americana, como é americano o princípio das infracções em cascata num mundo múltiplo e estranho dentro de um subúrbio vulgar.
Daí a curiosidade do projecto: não se sabe se é um filme sobre a adolescência, sobre os subúrbios, sobre o liceu, ou sobre o divórcio. Comédia e drama, o fantástico e o realismo, a depressão e a euforia, o desejo e o desalento, todos estão ligados. Encontra-se aqui a razão pela qual Le Premier Venu de Jacques Doillon nos fez tão bem, numa maneira de harmonizar o peso do mundo nas alegrias da ficção, o cuidado da descrição social ao rigor do formalismo.


A aparição quase sobrenatural das gémeas não impede Ferreira Barbosa de progressivamente nos conduzir à intimidade das mesmas, descrevendo o jogo, a astúcia, os comportamentos e as patologias. Elas são negras, precisa-o a realizadora. Importa notar que elas provêm de uma minoria. A margem não é uma fatalidade, é uma posição intermediária a partir do qual se revisitam os meios, um retrato que nos obriga a deixar de encará-los como evidentes, a encará-los de forma a decifrar os enigmas, confrontando a sociedade a partir daquilo que a própria exclui.
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Antoine Thirion, Cahiers du Cinema


As personagens de Laurence Ferreira Barbosa, suicidários em potência, solitários inveterados que nos têm conquistado de um filme para outro, costumam viver com os pés um palmo acima da terra. Apenas um palmo, não mais do que isso: são uns revoltados discretos. Não se resignam ao quotidiano. Invariavelmente o “problema” vem de uma adolescência mal resolvida, tema caro à cineasta desde a meteórica estreia de 1993, “As Pessoas Normais Não Têm Nada de Especial”.
Desta vez, o ponto de vista é diferente. A argumento flui., mal se nota, e pela primeira vez Laurence não olha para a adolescência pelo espelho do retrovisor, mas de frente, através de Martial (François Civil, um prodígio), 16 anos, filho de pais separados. O seu encontro ocasional com duas colegas de liceu, duas gémeas africanas que se tornam suas amigas, abrem-lhe as portas da aventura.



“Ou Morro, Ou Fico Melhor” é um ritual de iniciação. Assume quer o prazer vem desse jogo, e é com toda a generosidade do mundo que se mostra permeável à comédia e a um tom de melodrama afectivo capaz de quebrar o gelo.
Francisco Ferreira, Expresso
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ENTREVISTA

Porque escolheu falar sobre a adolescência?

Ao começar a escrever, não estava a pensar fazer um filme sobre a adolescência. Quando se escreve um argumento, quer-se contar uma história, trabalhando sobre os temas que nos interessam naquele momento. A história de Ou morro, Ou fico melhor é sobre a relação de uma mãe com o seu filho, que juntos vivem uma relação de exclusividade. O tema é a emancipação do filho, e como uma mãe e um filho podem ter uma relação funcional, mesmo sofrendo de uma dependência um com o outro e, ao mesmo tempo, sentem a necessidade de se afastarem. À medida que se avança na adolescência, o modo como uma mãe deixa os filhos partir, deixando-os separarem-se, aceita-se os seus caminhos e o adolescente aceita deixar o ninho. Nesta situação, a mãe encontra-se sozinha com o filho. Ambos são seres frágeis, social e afectivamente. A questão aqui é saber como é que se vai progredir a partir daí. A Mãe e o filho apoiam-se mutuamente, só que essa aproximação exaspera-os. E a partir daí eu concentro-me no filho.

Este filme tem ainda mais em conta o ponto de vista do filho do que o da mãe…

Sim, ele é a personagem central. Eu queria encontrar adolescente, sem que ele falasse como um adolescente. Eu não mergulhei nas minhas memórias de adolescência, e nem fiz um trabalho de pesquisa sobre o que é ser adolescente. É interessante porque é uma altura ainda muito problemática, é uma passagem.
No filme, há um ponto de partida: um romance de aprendizagem. E é isso que me interessa.

Quais são as suas referências?

Para o adolescente, que às vezes é arrogante e outras vezes é inseguro, inspirei-me em À Espera do Centeio. O sentimento de superioridade e de diferença que provoca a sua exclusão na escola. A adolescência quer tudo e o seu contrário. E para a relação entre a mãe e o filho, eu pensei em Alice já não mora aqui com a introdução de um homem na vida dela que põe tudo em desordem - como é que um filho pode aceitar que a sua mãe tenha amantes?

O seu filme é muito justo, muito preciso. Foi o que inicialmente escreveu ou tomou este curso já a trabalhar com os actores?

Escolher um actor é desde logo um acto pensado. É sentir que ele vai trazer para o filme certas coisas que viram na casa dele. Por exemplo, François Civil tem um modo de andar que é peculiar, muito adolescente, e eu não pedi que trabalhasse aquele andar para o filme. A escolha dos actores é primordial, o mesmo filme com outros actores será bem diferente. Ele foi escolhido porque encontrei na casa dele coisas que eu imaginava pertencerem à personagem. Há um movimento duplo. Eu compreendo a personagem através destes actores, e espero que haja um reconhecimento do personagem através deles. Quando escolho um actor há uma parte desconhecida. Eu posso desapontar-me com a interpretação que faz de uma personagem, apesar de gostar deste lado desconhecido. Tinha várias possibilidades para a personagem da mãe e Florence Thomassin propôs-me algo quando me seduzi por ela.

É muito exigente na direcção dos actores ou há espaço para o improviso?

Não há lugar para o improviso. Uma vez escolhido o meu actor, não tenho a impressão de o ter dirigido muito. Existe uma espécie de acordo prévio com os actores, depois eu oriento-os. Dito isto, eu sou muito exigente. Eu parto de um princípio e depois, concentro-me nos detalhes. E são precisamente os detalhes que fazem a diferença. Eu sei o que eu quero, eu sou uma verdadeira picuinha.

O seu filme é muito realista e ao mesmo tempo muito estranho, quase irreal. Essa ambiguidade é voluntária?

Não, isso vem da presença das gémeas. Foram elas que trouxeram esse lado e eu fui deixando acontecer. Eu não forcei nada, deixei-as interpretar. Estava lá e foi bom, mas por mim, é tudo o que subsiste apesar de estar ancorado ao real. O lado estranho do filme reside na minha tentativa de entrar no imaginário do jogo. As gémeas e o Martial interpretam em conjunto, com um pouco de mise en scéne, os rituais. Eu tentei dar algo a este pequeno mundo que é fabricado através da interpretação. Quando eles estão no apartamento, eles escondem-se e aterrorizam à procura do perigo. E ao mesmo tempo, eles bebem. Estar-se embriagado permite que se entre nesta dimensão do jogo e da imaginação. E depois as gémeas não falam. Elas são forçosamente misteriosas. E vivem uma espécie de exclusão em benefício dos outros. Elas são como marginais, e por isso, os três partilham a solidão entre eles.


Titulo Original: Soit Je Meur, Soit Je Vais Mieux
Realização: Laurence Ferreira Barbosa
Argumento: Laurence Ferreira Barbosa, Nathalie Najem
Interpretação: Florence Thomassin, François Civil, Marine Barbosa, Carine Barbosa, Thomas Cerisola
Direcção de Fotografia: Julien Hirsch
Música: Reno Isaac
Montagem: Isabelle Poudevigne
Origem: França
Ano de Estreia: 2009
Duração: 113’

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