2ªf, 4ªf, 6ªf. de luxo. na sede. 21h30. TRUFFAUT e GODARD de entrada livre.

(café, chá, bolinhos e... amêndoas também! :)


Dia 11
A Noiva Estava de Luto, François Truffaut, França, 1968, 107’

Dia 13
O Bando à Parte, Jean-Luc Godard, França, 1964, 95’

Dia 15
Disparem sobre o Pianista, François Truffaut, França, 1960, 92’


Dia 11
A NOIVA ESTAVA DE LUTO
François Truffaut
França, 1968, 107’

Há, no modo como enfrentamos a câmara, um sentido de clausura em que perdemos de vista o artificio do cinema.
Somos reais naquele instante e presas da eternidade logo a seguir.

No palco convencional de um teatro, estamos cegos: o público é a quarta parede escura, diz-se.

No plateau, sabemos que uma multidão está ali, já não sabemos quantos takes fizemos e muito menos quantos ainda vamos repetir, mas, no momento em que o realizador nos solta, estamos sós: é o instante em que o animal, acossado na jaula, para se defender, ataca.

Solta-se em nós, por isso, quando a câmara é implacável, a energia e a bravura.

Jeanne Moreau é, de todas as feras da história do cinema, uma das mais fabulosas. Entre os seus domadores, Truffaut foi dos mais exímios.

Se o encontro fora perfeito em Jules e Jim, em A Noiva Estava de Luto o "casamento" é mais que perfeito. Nesta obra, não é em Hitchcock que se busca o eco da intriga, embora Truffaut estivesse, na altura, a finalizar o livro que é a longa entrevista àquele génio do mistério e do suspense.

François Truffaut é muito mais do que um narrador de intrigas. Ele é um dos homens mais apaixonados que o cinema terá conhecido e o encantamento que sentimos pelas suas personagens nasce do seu enamoramento caloroso com os seus actores.

Sendo assim, A Noiva Estava de Luto, mais do que uma incursão ímpar no campo do filme negro, conduz, sobretudo, uma história de amor extremo e um ajuste de contas com a tragédia de não ter sido consumado: o véu branco que se solta da noiva que está de luto e que falhou o suicídio voa, no primeiro crime, lentamente, com o sopro imaterial que leva para longe e para sempre uma particular virgindade. A tragédia vai começar.
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Leonor Silveira in Colecção Grandes Realizadores – François Truffaut


Título Original: La Mariée Était En Noir
Realização: François Trufaut
Argumento: Cornell Woolrich, François Truffaut e Jean-Louis Richard
Interpretação: Jeanne Moreau, Michel Bouquet, Jean-Claude Brialy, Charles Denner, Claude Rich, Michael Lonsdale
Direcção de Fotografia: Raoul Coutard
Montagem: Claudine Bouché
Música: Bernard Herrmann
Origem: França
Ano de Estreia: 1968
Duração: 107’



Dia 13
O BANDO À PARTE
Jean-Luc Godard
França, 1964, 95’

Certa vez, a crítica de cinema Amy Taubin, da lendária revista semanal nova-iorquina Village Voice, escreveu que “Bando à Parte” (Bande à Part, França, 1964) era “um filme de Godard indicado para pessoas que não gostam de Godard”. É difícil pensar em uma expressão que defina melhor o longa-metragem, um dos mais obscuros trabalhos da fase mais celebrada do autor francês. Por ter sido filmado a toque de caixa, durante um período curto de 25 dias, e espremido entre produções de dois projetos bem mais caros, elaborados e ambiciosos do diretor, “Banda à Parte” exala frescura e despretensiosismo, duas características normalmente ausentes dos trabalhos assinados por Godard, sem abandonar o aspecto experimental. O resultado é um mix perfeito entre ousadia e simplicidade narrativa.

Na verdade, quem conhece bem a obra do cineasta mais irascível da nouvelle vague francesa sabe que a fatia mais hermética do trabalho dele surgiu do começo dos anos 1970 em diante. Na década anterior, Godard ainda estava interessado em contar histórias, mais do que em experimentar novas tecnologias e narrativas, embora já fosse conhecido por introduzir elementos metalingüísticos e novas técnicas de montagem, sempre lembrando a platéia que ela estava vendo um filme. Em “Acossado” (1960), por exemplo, o protagonista se dirigia à platéia algumas vezes, falando diretamente para a câmera. Os cortes abruptos, que rompiam a idéia de continuidade, também jogavam na cara do espectador o fato de que ele estava assistindo a uma obra de ficção.

Em “Bando à Parte”, Godard aprofunda a idéia de maneira mais bem-humorada, abandonando as brincadeiras com as imagens e rompendo o conceito de realismo através da edição de som – daí as experiências parecerem menos radicais e invasivas. Ele envia piscadelas ocasionais em direção ao público, lembrando-o (com um sorriso no canto da boca) sobre o caráter ficcional da narrativa. A cena mais lembrada do filme é um exemplo. Ela ocorre quando os três personagens principais – dois rapazes e uma moça que flertam entre si, num triângulo amoroso semelhante ao filmado por Truffaut em “Jules e Jim” (1962) – decidem fazer um minuto de silêncio, durante uma conversa de mesa de bar. Durante os 36 segundos em que os personagens ficam calados, Godard retira completamente o áudio da cena, eliminando os ruídos e abolindo por completo o realismo da cena.

Há mais quatro cenas que usam truques de edição sonora semelhantes e ajudam a derrubar a idéia do naturalismo, verdadeiro tabu para o cinema comercial. Em um momento, Franz (Sami Frey) finge atirar contra o amigo Arthur (Claude Brasseur), imitando momentos clássicos dos filmes de gângster pelos quais Godard era apaixonado, e usando o dedo indicador como se fosse um revólver. Pois o diretor fez questão de incluir o som de um disparo real na seqüência, uma tremenda ousadia para a época. Os dois personagens também assobiam a melodia principal da trilha sonora, quando ela sublinha certas ações. Há ainda interrupções do som ambiente da cena em que o trio dança num bar, para a introdução de “pensamentos” dos três personagens. Sem falar da cena em que os amigos decidem cruzar o Museu do Louvre correndo pelas galerias, momento homenageado por Bertolucci em “Os Sonhadores” (2003) e lembrado com saudade por dúzias de cineastas.

“Bando à Parte” é um dos filmes favoritos de Quentin Tarantino, e exerceu influência fundamental no trabalho mais conhecido do norte-americano, “Pulp Fiction” (1994) – a cena em que Uma Thurman desenha um quadrado com os dedos e a forma geométrica é “riscada” na tela por uma caneta invisível poderia muito bem ter saído do longa-metragem de Godard, sem falar da lembradíssima seqüência de dança entre Uma e John Travolta, que remete diretamente à já citada seqüência da dança no bar em “Banda à Parte”. Observe, também, como Godard filma a atriz Anna Karina, então namorada dele, de forma indisfarçavelmente apaixonada. Diz-se que ele e Truffaut faziam filmes para levar atrizes para a cama – e geralmente conseguiam.

Na parte narrativa, sobressai o comportamento hedonista dos três personagens principais. O hedonismo era uma característica marcante da juventude dos anos 1960, que Godard conseguiu mapear melhor do que qualquer outro diretor. Detalhe importante é que o roteiro não mostra esse comportamento como algo negativo, mas ressalta seu aspecto político, de resistência cultural. Os jovens de Godard expressão total desilusão para com o modo de vida hegemônico. Eles planejam um roubo, mas não são ladrões profissionais. Não ligam a mínima para dinheiro. O roubo é muito mais uma tentativa de vivenciar emoções fortes para espantar o tédio da vida cotidiana (de quebra, eles conseguiriam também grana suficiente para poder aproveitar a vida, sem precisar fazer coisas chatas como trabalhar).

Além de tudo isso, a longa-metragem consegue capturar muito bem o universo vulgar das novelas pulp baratas, onde Godard ia buscar inspiração. Os figurinos (sobretudos cinzentos, chapéus), a ambientação cênica (bares cheios de fumaça) e os personagens de moral ambígua aproximam o trabalho aos amados filmes de gângsteres que o diretor francês tanto elogiou, quando era crítico da revista Cahiers du Cinèma. A história, certamente menos importante do que o estilo, enfoca a amizade de Odile (Anna Karina) com os dois rapazes, e mostra-os planejando roubar a residência onde a garota – que hesita, mas não desiste do plano – mora. A narração em off, sempre irônica, ainda chega a prometer uma continuação (“aventuras em technicolor no Brasil”) que nunca veio. Afinal de contas, Godard nunca cedeu aos apelos da indústria cinematográfica. Não seria neste filme que ele faria isso, certo?
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Rodrigo Carreiro, cinereporter


Título Original: Bande à Part
Realização: Jean-Luc Godard
Argumento: Jean-Luc Godard, segundo o romance de Dolores Hitchens, "Fool's Gold"
Fotografia: Raoul Coutard
Montagem: Agnès Guillemot
Música: Michel Legrand
Interpretação: Anna Karina, Claude Brasseur, Sami Frey, Danièle Girard, Ernst Menzer, Chantl Darget
Origem: França
Ano de Estreia: 1964
Duração: 95’


Dia 15
Disparem sobre o Pianista
François Truffaut
França, 1960, 92’

“Quando te detestar, porei o meu boné”: é a última frase de Charlie a Léna. Ele vai avisar os irmãos que deixará o chalé e partirá com ela. Mas os malfeitores que procura, o irmão encontra, o seu esconderijo. Léna morre na troca de tiros e o seu corpo rebola na neve.

A sequência começa com o plano mudo do carro dos bandidos a atravessar a paisagem. Segundo Truffaut, é a origem de “Disparem Sobre o Pianista”: “Uma única imagem levou-me a fazer o filme. Estava no livro. Numa estrada íngreme na neve, o carro descia sem fazer barulho. Era algo que ansiava visualizar, e o resto veio por acréscimo.” Truffaut adora a neve ao ponto de rematar vários filmes em paisagens cobertas de neve. A procissão dos homens-livros em “Fahrenheit 451”, a última sequência da rodagem de “A Noite Americana”, o fim de “A Sereia do Mississipi”, o regresso ao chalé de “Disparem Sobre o Pianista”. O que o cativa, sobretudo, é a intensidade fotogénica da neve, a força de abstracção, de estilização. A brancura da neve é, também, o meio mais natural de apagar cores, tão desprezadas por Truffaut. A neve dilui as formas e absorve os sons. Em “Disparem sobre o Pianista”, filme a preto e branco, Truffaut explora esta dimensão sonora, para mergulhar a sequência num silêncio feérico, subitamente rasgado pelo grito de Léna e pelos disparos. A morte da jovem é um dos mais belos excertos da obra de Truffaut. Depois do grito, a câmara segue o seu trajecto em grande plano. Ela parece andar à roda, até um plano de conjunto voltar a mostrar o seu percurso na paisagem: linha a direito rumo à bala que a mata.
Quando o corpo cai na ribanceira cheia de neve, mais parece uma criança a deslizar na encosta. Tal como em Cocteau, durante uma imagem poética, a morte pode dar a ilusão de ser um jogo, “a fingir”.

Terceiro momento forte da sequência: Charlie e Fido a correr para o corpo inerte de Léna, dois pontos negros na imensidão branca de um plano reduzido a duas faixas horizontais. Truffaut passa abruptamente para o movimento de Charlie, num grande plano, a virar Léna e a descobrir o seu rosto fúnebre semicoberto de neve. A sequência termina com um breve travelling, que isola o rosto petrificado. Esta sequência manifesta, também, de forma bem clara, a nostalgia do cinema mudo, o desejo de reencontrar a intensidade gráfica e a energia simples dos primeiros mestres. Truffaut assume essa influência, fazendo uma homenagem a Griffith: o plano de Léna a deslizar pela encosta cheia de neve remete para o fim de “Way Down East” (1920), quando um bloco de gelo desgovernado no rio traz o corpo inerte de Lilian Gish.
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Cyril Neyrat, Colecção Grandes Realizadores – François Truffaut


Título Original: Tirez Sur Le Pianiste
Realização: François Truffaut
Argumento: François Truffaut e Marcel Moussy
Fotografia: Raoul Coutard
Montagem: Claudine Bouché e Cécile Decugis
Música: Georges Delerue
Interpretação: Charles Aznavour, Marie Dubois, Michèle Mercier, Nicole Berger, Serge Davri, Richard Kanayan
Origem: França
Ano de Estreia: 1960
Duração: 92’

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(lotação: 22 lugares)
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