IPJ, 22h, HOJE, é tempo para uma OBRA-PRIMA DO TERROR. Um terror inteligente e perturbante, não de pacotilha. REPULSA de Polanski.

Apresentação por Drª Mirian Tavares.
Co-organização com AAUalg, Ciclo "Mentes Perigosas".
Entrada livre. Bar aberto.

É hábito evocar Buñuel, através desse objecto fulgurante que é Belle de Jour (1967), como o autor determinante para a revelação da faceta nocturna de Catherine Deneuve, oposta à sua imagem mais comum de super-símbolo do charme e da elegância. Quase sempre se esquece que, dois anos antes, Polanski a dirigira neste prodigioso filme, que a apresenta como centro de um universo cada vez mais fechado, inquietante, rasgado por uma violência sem alternativa. Embora filiável no género de terror, o filme cedo se desprende de qualquer efeito corrente dessa área. Toda a sua estratégia decorre de uma opção simples, mas radical, que faz de Repulsa, ainda hoje, um dos trabalhos mais fascinantes do seu autor: trata-se, afinal, de fazer depender toda a arquitectura formal do comportamento da personagem central. Essa personagem é uma manicura belga que vive em Londres, em situação de verdadeiro exílio: receosa nos mais simples contactos com os outros, aterrorizada pelo sexo, terá, a pouco e pouco, no assassínio a única expressão real da sua relação com o exterior. A opção de Polanski não se esgota, no entanto, na instalação de uma dimensão subjectiva, digamos hitchcockiana, em que as imagens objectivas surgem ciclicamente feridas pela eclosão dos planos subjectivos. Mesmo sem se mostrar alheio à lição do mestre, ele prefere arriscar num território algo diferente: trata-se, afinal, de conceber o espaço e o tempo como factores totalmente cúmplices do comportamento da sua personagem, a ponto de todo o labor figurativo e também a montagem do filme dependerem das suas visões.

Não haverá muitos filmes que conduzam tão longe esse dispositivo de contaminação do corpo do filme por alguém que, no seu interior, emerge como um corpo em permanente desequilíbrio - a bem dizer, nunca pacificado entre a imagem que produz para os outros e as imagens que os outros nele inscrevem. Dir-se-ia que Polanski, que deixara a Polónia há pouco tempo (A Faca na Agua é de 1963), reconhece na sua personagem uma projecção da sua própria condição de exilado. O drama vivido por Deneuve começa, significativamente, na inacessibilidade da linguagem quotidiana, sendo Repulsa um filme em que a escassez das palavras se resolve, tragicamente, na violência das imagens. Essa é uma dimensão muito ligada ao poder do cinema para percorrer os labirintos do medo, partilhando-os com o seu espectador.
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João Lopes, Expresso, 28/10/89

O que mais domina o cinema de Polanski é a influência expressionista, que deriva da escola germânica, do seu período áureo, quando os grandes mestres que foram Wegener, Lang, Robison, Leni, Murnau e outros, entraram com o cinema nos domínios do sonho e do pesadelo, da psicanálise e da patologia. «Repulsa» relata, em linguagem expressionista, um caso de esquizofrenia, levado ao extremo do homicídio. O realizador Roman Polanski utiliza, com talento, elementos expressionistas. As paredes abrem brechas. Delas saem mãos. Um coelho em decomposição. A cabeça cortada. Uma navalha. Uma velha fotografia onde a heroína, ainda jovem, tem já uma expressão ambígua. Uma iluminação adequada, de claros-escuros. Um pesadelo sensual.

A obsessão domina. O ambiente do apartamento é doentio, incomodativo, gera a repulsa patológica. A heroína teme os homens, e não só pelo facto da irmã ser amante de um homem casado. O seu comportamento deixa sempre adivinhar um estado de angústia. Isolada, obcecada, ouvindo ruídos, paredes estalarem, todo um horror se apodera da doente, toda uma repulsa que gera o ódio e a levará ao crime. E até nesse vaguear da heroína pelo apartamento, é notória a linha expressionista que Polanski seguiu, fazendo construir um cenário normal e outro muito maior e deformado, para as cenas de alucinação.

Catherine Deneuve foi a intérprete escolhida, uma actriz de grande talento e, neste filme, de rosto quase inexpressivo, para viver uma esquizofrenia devida a inibições sexuais. Polanski fez exercícios, jogou com objectos, com símbolos, com uma certa lentidão, utilizando estes e outros elementos expressionistas, deformações e sombras, um plano dominante de um olho, num horror demasiado insistente, demasiado procurado e rebuscado. «Repulsa» tem, contudo, enorme interesse. O insólito e o bizarro, um certo sadismo, não tiram merecimento a esta obra, verdadeiramente experimental que revelou logo em Roman Polanski um autor profundamente interessante, que vai ter um lugar importante na História do Cinema.
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Fernando Duarte, Celulóide n.º 141, Setembro 1969

Carole (Catherine Deneuve) vive em Londres com a sua irmã mais velha e o amante desta, que visita frequentemente a sua casa. Além destes, temos um jovem apaixonado por Carole, mas a quem esta insiste em ignorar. Na verdade, a beleza de Carole esconde por baixo algo mais problemático, e o seu olhar, frequentemente desfasado da realidade dá a entender que alguma coisa aterrorizante se prepara para aparecer ao virar da esquina. E esse mundo, construído a partir do seu interior, onde ela se perde em constantes pensamentos, ameaça transpor a barreira que separa o seu próprio corpo e o mundo real. E afinal, o que esconde tão secretamente Carole na sua mente? Todo um mundo de fantasias violentas e traumas sexuais, medos profundos a caminho da libertação.

O filme, realizado em 1965, foi o primeiro de Roman Polanski filmado em lingua inglesa (ainda que com uma protagonista francesa a interpretar uma emigrante em Londres) e é tido ainda hoje como um clássico do cinema de terror. E nota-se perfeitamente que, apesar de um orçamento bastante reduzido, o autor consegue disfarçar na maior parte das vezes esse inconveniente com um trabalho de câmara e uma montagem tão inteligente quanto espectacular. Assim, o filme resulta também como um interessantíssimo trabalho experimental, não escondendo algumas referências ao cinema de Alfred Hitchcock (e Psycho), mas mantendo sempre a sua própria identidade, tornando-se também uma influência obrigatória para obras posteriores.

Destaque, entre outras coisas para o uso que Polanski faz da música, nem sempre a habitual dentro do género, ajudando a acentuar o tom negro e a carga irónica que se faz sentir constantemente ao longo do filme, e ainda ao uso inventivo dos planos subjectivos (ou de pontos de vista), que aqui são compostos de forma particularmente inspirada - e onde Brian De Palma terá vindo buscar inspiração para alguns dos seus próprios filmes. Além disso (e próprio do anterior cinema de Hitchcock e do posterior de De Palma), o filme está também ele carregado de uma componente erótica bastante complexa, não surgindo aqui o sexo exactamente como factor de excitação, mas mais como de repressão e, claro, de repulsa.

Repulsion será uma das obras mais marcantes na carreira de Polanski, e mesmo das mais influentes, e esse estatuto não será especialmente surpreendente. Ainda assim, e mesmo tendo resistido perfeitamente ao passar do tempo, não estará ao nível da complexidade e, acima de tudo, da tensão sentida na, essa sim, obra-prima absoluta que é Rosemary's Baby, o seu filme de 1968 com Mia Farrow. Por momentos, a falta de meios faz-se sentir mais do que seria necessário e isso acaba por fazer o filme ressentir-se um pouco. Claro que é também justo referir que algumas cenas, nomeadamente as fantasias de Carole, superam esse problema da melhor maneira, dando mostras claras do talento enorme do seu realizador. Além de tudo isto, fica a resposta à pergunta que muitos talvez queiram saber: funciona enquanto filme de terror? Sim, e da melhor maneira... .
Paulo Costa, cinept



Título Original: Repulsion
Realização: Roman Polanski
Argumento: Gérard Brach, Roman Polanski
Fotografia: Gilbert Taylor
Montagem: Alastair McIntyre
Música: Chico Hamilton
Interpretação: Catherine Deneuve, Ian Hendry, John Fraser, Patrick Wymark
Origem: Reino Unido
Ano: 1965
Duração: 105’

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