No início de Moulin Rouge, de Baz Luhrman, há um plano sobre a cidade de Paris. É vertiginoso, panorâmico e em travelling bruto. Mostra a cidade (em "1900") estendida, alargada desde a torre Eiffel até um dos portões do Inferno de Montmartre. É uma imagem digitalizada, uma Paris irreal feita de postais antigos e placas gráficas do século XXI. Entre estes dois tempos, numa das inúmeras "idades médias" do cinema, Paris foi vista ainda noutro esplendor - o da cárie de Les Halles, na câmara alucinada de Marco Ferreri, num filme em que até o título é um delírio, Non Toccare la Dama Bianca. Dois ventres esburacados no centro da cidade, lado a lado, estão abertos aos olhos de banqueiros oitocentistas e de sociólogos de t-shirts universitárias, em digestão problemática das ossadas dos anos 60 e 70 do século XX (Confuso? Nem por sombras!...). Estes ventres maravilharam um espírito reguila o suficiente para dizer em voz (e caixa de produtora) bem alta "isto agora era a terra dos filmes e a gente brincava aqui aos índios e aos cowboys, sim?". Louco, sem nenhum adulto por perto que lhe dissesse "Ganhe juízo!", Ferreri chamou os amigos para brincar. Tudo louco. And yet... A maneira dedicada como responderam ao seu repto (que diz da amizade, da disponibilidade, mas também de uma época menos calculista, talvez, ainda pré-SIDA e pré- todos os moralismos e guias de carreira fílmica que se haveriam de seguir - daí a nostalgia) esses outros putos de rua (Mastroianni, Deneuve, Piccoli, Noiret, Tognazzi, Cuny, Reggiani, Bettoia, Villaggio,...) demonstra como levaram a sério a brincadeira. Mastroianni, por exemplo, é desde o início um dos pilares que resgatam Non Toccare... do rótulo indiferente de filme datado, de desvario colectivo. Pouco mais, aliás, no filme o consegue - essa teimosia de ocupar um lugar vago com a ideia de uma brincadeira; e a panorâmica final da cidade, desde o fundo das duas crateras de Les Halles, até ao fim, em que quase toda a Paris, poeirenta e castanha, feia e sem photoshop, já coube na câmara de Ferreri.
3 comentários:
olha, eu sei que eu e tu tinhamos mais ou menos tacita e explicitamente combinado não comentar os posts uma da outra - daqui a pouco parece que isto é um blog de duas amigonas e não de um grande grupo de compinchas, como realmente é -, mas não resisto.
nem é comentário, sabes? só para dizer que adorei. és o máximo, miúda.
vai lá de fds que bem mereces.
mto bom Ana!!! e já agora deixo uma sugestão para a chefe e para os demais, bloggers, ou não
que tal criar um post chamado sugestões de filmes e postar o que ali reside à esquerda sobre as sugestões, mas com uma hiperligação para esse post, do género: "sugestões aqui" os proponentes seriam encaminhados para o post, onde corajosamente(:-)) nos enchiam a caixa de sugestões de filmes...
se bem entendi, tal como acabei de fazer?
parece-me bem, sim senhor.
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