Oiço vozes...

(Foto: Olivier Roller)

Em conversa com o Hugo Ramos Alves, compararam-se João César Monteiro e Luiz Pacheco. De estilo próximo, incorrigíveis e sem serem para corrigir, cáusticos e maravilhados com o poder da sua acidez, ambos foram (o Pacheco está vivo, não me entendam mal) enraivecidos, lindos, a bardamerdar tudo e todos, centrados apenas nas suas dores de viver. Ambos fizeram (não me entendam mal, o dos livros ainda vive) das quotidianas mazelas de terra e ar, de corpo e espírito, obra visível, partilhada, oferecida. Serão sempre, os dois, marginais (porque sim!) e encantatórios. Mas têm uma diferença inultrapassável. Não que os traga de compita, nem que a algum deles isso desse grande abalo. Mas, chegando às vozes, não há como a do Monteiro, que lhe está assim como aqueles olhos (e, do lado contrário, o Pacheco tem garrafais lentes para uma voz de igual modo garrafal), clara, lenta, direita ao ouvido sem precisar de ajustes. Se calhar é por isso que, quando vejo os filmes em que Monteiro entra como actor penso que todas as coisas, incluindo as feias, são as mais belas do mundo. Ler Pacheco, pelo contrário, faz-me canalizar a boa raiva. Eu contra ninguém, que é como mais gosto.


3 comentários:

Hugo disse...

Pensando num e noutro, eu penso sempre nuam visão lúcida contra um qualquer sistema pré-estabelecido. Raivas boas e certas, sim. Mas o João César tem um "a mais": é a própria noção de construir um filme poema ou, se se preferir, um poema filmado. Em qualquer caso, ambos tem algo que os liga no estilo: com eles, a língua é sempre bem tratada e ambos, ao seu estilo, provam a beleza insuperável da nossa língua desde o mais erudito adjectivo até ao mais banal palavrão. (Talvez porque ambos leram Genet e Céline, provavelmente)

Reflectindo mais, no caso do João César lembro-me ainda que o Cinema dele tem ecos de Jean Eustache, facto que o próprio confessou algumas vezes. O que é certo é que a elegância de João César, a sua calma (apesar do gesto nevrótico de quando em vez) acaba por nos seduzir mais facilmente...

Anónimo disse...

pensando num e noutro, só me ocorre o seguinte:

recuso
o uso
de um qualquer boche
na minha lapela

só me dou ao grito
e ao espanto
ao orgasmo
e ao desassossego da arte

Anónimo disse...

São OS "Abjeccionistas".