da Biblioteca do CCF - entrevista a José Álvaro Morais sobre Zéfiro (em exibição no Museu)


Na origem de Zéfiro está uma encomenda da RTP que, à partida, não tinha grandes balizas: era pedido apenas que filmasses um trajecto. Acabas por fazer um objecto em que o documentário e a ficção se cavalgam, um objecto miscigenado.
Eu sempre fiz objectos miscigenados, mesmo O Bobo é um objecto miscigenado embora não tenha uma parte documental. Mas, à partida, está uma proposta que me foi feita, filmar um trajecto. E desde logo percebi que seria interessante, à medida que se ia passando por locais significativos, à medida que atravessava a História, pelo seu lado árido, poder desencadear uma ficção, por mais simples que fosse.

Um objecto destes levanta, desde logo, um problema: até que ponto o que lá está é premeditado? (...) Quando partiste paro as filmagens de Zéfiro, o filme final já estava claramente definido?
Tudo o que foi filmado estava previsto no guião. A única coisa que foi inventada ou, se quiseres, trabalhada, finalizada, já na fase da montagem, foi o texto do narrador. Mas claro que foi na montagem que as coisas se articularam, às vezes até de um modo surpreendente. Todavia, nunca se foi além nem aquém do que estava previsto no guião. (...)

O teu protagonista foge e atravessa o Sul de Portugal. Porquê essa direcção?
Porque o que se vê de Lisboa é a margem sul, e pareceu-me interessante ir descobrindo o que há para lá desse horizonte próximo. E não só um horizonte físico mas um horizonte temporal. O filme vai em busca de algo que o Sul foi e deixou de ser, de uma forma relativamente abrupta, num determinado momento da história portuguesa: uma sociedade razoavelmente harmoniosa, com raízes muito profundas que foram destruídas quase completamente. O Zéfiro é quase uma visita aos vestígios dessa sociedade, tentando minimamente seguir uma das teorias possíveis sobre o que esse Sul terá sido.




Tens consciência que aquele Sul é um Sul que não existe verdadeiramente, quer dizer, é uma realidade criada pelo olho de um poeta...
Não sei que outra maneira há de filmar a realidade...

Este filme parte de uma encomenda da televisão. Pensaste nas especificidades desse modo de difusão ou pensaste cinema, sem haver uma preocupação de o adequar a este ou aquele "medium"?
A proposta de integrar uma série de televisão transformou-se no filme que agora está a estrear numa sala de cinema. O Zéfiro tem elementos de televisão e, de vez em quando, um fascínio cinematográfico que toma conta do filme. Há alturas em que o tratamento é relativamente clássico em relação aos padrões de televisão - os actores são tratados em grande plano, seguidos de uma maneira rápida. com uma montagem cerrada, e outros em que o filme se deixa levar pelo cinema. Isso foi pensado no momento da filmagem.

Apesar de uma produção para televisão, o Zéfiro vai estrear numa sala de cinema, o que não é muito comum, embora haja o antecedente da série "Os Quatro Elementos", que, um tanto paradoxalmente, foi exibida em sala, em Portugal como noutros países, e a própria RTP ainda não exibiu...
Vai estrear em sala e penso que tem características perfeitamente adequadas à sua exibição em sala. Aliás, nós estivemos os dois no Festival de Locarno de 1993, onde o Zéfiro teve a sua estreia mundial, e foste testemunha das reacções positivas que obteve.

"Para lá do horizonte", entrevista conduzida por Jorge Leitão Ramos, Expresso, 17 de Setembro de 1994, in José Álvaro Morais, Ed. Faro Capital Nacional da Cultura, 2005



(filme igualmente em exibição entre 9 e 27 Fevereiro em sistema de sessões contínuas entre as 10 e as 16h, mesmo local, entrada livre)
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