sócios 2€, estudantes 3,5€, restantes 4€
Dia 9
O BARÃO
Edgar Pêra
Portugal, 2011, 105’, M/12
(o realizador afinal não pode vir por motivos de doença de familiar)
Edgar Pêra assina com “O Barão” o seu filme mais acessível, e uma deliciosa homenagem ao cinema de terror clássico, inspirada por uma novela de Branquinho de Fonseca.
“Aqui quem manda sou eu!”, diz o Barão, criação do escritor Branquinho da Fonseca que Pêra situa num Portugal com laivos de “Mittel-Europa” intemporal, gótico e atrasado, misto de superstição e paganismo. O filme já estava pronto antes da crise da dívida (anda a circular por festivais, internacionais e nacionais, desde o início do ano) mas o olhar impiedoso que lança sobre um Portugal paroquial, corrupto, mesquinho, conservador, orgulhosamente parolo (e talvez não tão perdido no tempo como isso) é certeiro no momento que vivemos.
A alegoria do Barão como metáfora salazarista pode ser óbvia, mas é inegável. O que já é mais surpreendente é que essa alegoria seja embrulhada no preto-e-branco contrastado de um filme de terror da RKO dos anos 1950 filmado em estúdio por um Guy Maddin hiper-activo, com Nuno Melo a tornar o Barão numa espécie de Bela Lugosi-Drácula-Nosferatu-Salazar e Marcos Barbosa como o seu Renfield inspector das escolas que não gosta que lhe dêem cabo do sossego.
Um dos mais singulares e estimulantes filmes portugueses de 2011, e isto num ano onde a média da produção está a ser bem superior ao habitual.
Jorge Mourinha, Público
Dia 16
ISTO NÃO É UM FILME
Jafar Panahi
Irão, 2010, 75’, M/12
Preso pela primeira vez em Julho de 2009, Jafar Panahi teve o passaporte apreendido e foi proibido de sair do Irão. Preso novamente em Março de 2010, ficou encarcerado na prisão de Evin, em Teerão, até finais de Maio, saindo sob uma fiança de 145 mil euros; em Dezembro desse mesmo ano, foi condenado a seis anos de prisão e vinte anos de proibição de filmar e de sair do país. Agora, a aguardar, em prisão domiciliária, o veredicto ao recurso interposto pelo seu advogado, Panahi e outro cineasta iraniano, Mojtaba Mirtahmasb, decidem "contar" um filme. Assim, usando um tapete como maqueta, Panahi desenha um cenário imaginário construindo um filme onde demonstra o poder do cinema contra a repressão e liberdade de expressão, seja no Irão ou em qualquer outra parte do mundo.
Devido às restrições do realizador, este filme, em competição em Cannes 2011, chegou numa "pen" USB escondida dentro de um bolo. Jafar Panahi foi também homenageado na última edição da Berlinale, onde foram exibidos todos os seus filmes. Uma vez que não lhe foi possibilitada a deslocação a Berlim, como também não tinha sido em Cannes, a sua cadeira de júri foi mais uma vez deixada vazia como manifestação de pesar.
O mais político de todos os filmes passa-se entre quatro paredes.
Dia 23
HABEMUS PAPAM
Nanni Moretti
Itália/França, 2011, 102’, M12
Um psicanalista (Moretti) é chamado para tratar do pânico papal. A princípio causando dúvidas no Vaticano a aproximação do inconsciente à fé, as duas visões acabam por ficar reféns do mesmo jogo - o psicanalista fica condenado a organizar um torneio ecuménico de voleibol com os assustados e suspensos cardeais. O Vaticano como cenário para um burlesco emudecido - há diálogos, mas a coreografia entre planos e cenas podia prescindir deles, pelo desejo de silêncio de “Habemus Papam”. A ele, ao Papa de Piccoli, a liberdade com a dúvida gloriosa. Neste filme de um ateu que foi criado por católicos, a psicanálise (Moretti e a tentação ditatorial da sua “persona”) é mais maltratada do que a Igreja. O realizador não se deixa prender pela episódica “realidade”, suspende-a - passa ao lado de denúncia de escândalos de pedofilia ou de polvos financeiros, por exemplo.
Enche-se de uma ternura humanista que em momentos temos a tentação de chamar “rosselliniana” (por causa de “Francesco, Giullare di Dio”). Nesse equilíbrio com os outros, Moretti permite que com Piccoli entre Manoel de Oliveira para o seu filme. Quando Piccoli, respondendo a uma psicanalista, diz que foi em tempos actor, tanto está a falar dos rituais de teatralidade no Vaticano como do filme de Oliveira em que ele, como actor, desistia e ia para casa. “Je Rentre à La Maison” (2001) não está aqui, contudo, como citação cinéfila, coisa estranha em Moretti. Está como mais mundo. Como uma contiguidade de que o cineasta hoje precisa. A dúvida liberta.
Vasco Câmara, Público
Dia 30
PATER
Alain Cavalier
França, 2011, 105’, M/12
Alain Cavalier e Vincent Lindon, amigos há longos anos, examinam a interacção entre um realizador e um actor e a natureza das relações de poder entre ambos. Numa conversa a dois, e através de uma relação de realizador/actor, pai/filho, discutem que filme farão juntos. Cúmplices, vestindo as peles de um Presidente da República e do seu primeiro-ministro, delineiam um jogo político, discutem estratégias, reais e fictícias, concordam e divergem...
O seu principal mérito, no meio de tanto jogo? Nunca parecer só um jogo, conservar a aparência de espontaneidade e improviso sem nunca andar ao Deus dará, investir de uma profunda intencionalidade todos aqueles momentos em que se está “entre” (entre aquilo que Cavalier e Lindon são e aquilo que Cavalier e Lindon representam), e ao mesmo tempo ser, efectivamente, uma invenção, uma invenção política e uma invenção da “política”, cheia de ressonâncias contemporâneas (o dinheiro, claro) e até premonitórias (o “affair” Strauss-Kahn).
Um filme entre a ficção e o documentário que tenta baralhar o espectador. Em competição no Festival de Cannes, "Pater" conquistou os críticos e o público, recebendo uma ovação de 17 minutos.
Luís Miguel Oliveira (e sinopse), Público
,
Sem comentários:
Enviar um comentário