2ªf, 16, 21h30, IPJ
sócios 2€, estudantes 3,5€, restantes 4€
Um realizador que passou a sua obra a mostrar pessoas enclausuradas torna-se personagem (forçada) do seu cinema.
A sequência, em “Isto Não é um filme”, em que Jafar Panahi desenha no chão a clausura que cerca a personagem de um argumento seu que nunca chegou a realizar (uma rapariga que os pais não deixaram que se matriculasse na faculdade e que encerraram em casa) é momento de trágica ironia - intromete-se aqui a “ironia” por pudor. É como se a um realizador que passou a sua obra a mostrar pessoas enclausuradas chegasse o momento de ser personagem do seu cinema. É como se um cineasta tivesse passado a sua obra a explicitar a vida cercada no Irão e com isso tivesse arquitectado a geometria do seu enclausuramento. Construindo, bloco a bloco, filme a filme, o muro que hoje o isola do mundo.
Jafar Panahi teve a colaboração do seu colega documentarista Mojtaba Mirtahmasb para documentar o seu estado de espírito enquando aguardava, em prisão domiciliária, a decisão sobre o recurso, para os tribunais iranianos, da pena que o condenou a seis anos de prisão e a 20 sem poder trabalhar e dar entrevistas - pena que viria a ser confirmada; Mojtaba Mirtahmasb foi, entretanto, preso. “Isto não é um filme”, que chegou à Cinemateca francesa em Paris numa pen dentro de um bolo (e de Paris a Cannes 2011), começa por ser, então, a crónica desse desespero. De uma paralisia forçada. Jafar, no seu apartamento de Teerão, sem os seus filmes. Jafar e os filmes que nunca o foram porque nunca deixaram de ser argumento - é de Mirtahmasb a ideia, explicitada em “Isto não é um filme”, de institucionalizar um género cinematográfico iraniano, o dos argumentos que a censura não deixou que fossem filmes.
sócios 2€, estudantes 3,5€, restantes 4€
Um realizador que passou a sua obra a mostrar pessoas enclausuradas torna-se personagem (forçada) do seu cinema.
A sequência, em “Isto Não é um filme”, em que Jafar Panahi desenha no chão a clausura que cerca a personagem de um argumento seu que nunca chegou a realizar (uma rapariga que os pais não deixaram que se matriculasse na faculdade e que encerraram em casa) é momento de trágica ironia - intromete-se aqui a “ironia” por pudor. É como se a um realizador que passou a sua obra a mostrar pessoas enclausuradas chegasse o momento de ser personagem do seu cinema. É como se um cineasta tivesse passado a sua obra a explicitar a vida cercada no Irão e com isso tivesse arquitectado a geometria do seu enclausuramento. Construindo, bloco a bloco, filme a filme, o muro que hoje o isola do mundo.
Jafar Panahi teve a colaboração do seu colega documentarista Mojtaba Mirtahmasb para documentar o seu estado de espírito enquando aguardava, em prisão domiciliária, a decisão sobre o recurso, para os tribunais iranianos, da pena que o condenou a seis anos de prisão e a 20 sem poder trabalhar e dar entrevistas - pena que viria a ser confirmada; Mojtaba Mirtahmasb foi, entretanto, preso. “Isto não é um filme”, que chegou à Cinemateca francesa em Paris numa pen dentro de um bolo (e de Paris a Cannes 2011), começa por ser, então, a crónica desse desespero. De uma paralisia forçada. Jafar, no seu apartamento de Teerão, sem os seus filmes. Jafar e os filmes que nunca o foram porque nunca deixaram de ser argumento - é de Mirtahmasb a ideia, explicitada em “Isto não é um filme”, de institucionalizar um género cinematográfico iraniano, o dos argumentos que a censura não deixou que fossem filmes.
Há algo próximo do “escândalo”, aqui, na forma como somos progressivamente tomados e ocupados por esta coincidência entre as vidas que Panahi ficcionou e a vida que Panahi vive, nestas imagens em que o realizador foi empurrado para dentro do seu cinema (“Isto não é um filme” será o contrário, nesse caso, de “A Rosa Púrpura do Cairo”, de Woody Allen: não é uma personagem que sai do ecrã, é um realizador que é empurrado para dentro dele). “Entre paredes”, como a rapariga de “Offside”, impedida de entrar para o estádio e assistir a um jogo de futebol, imobilizada num rectângulo de segurança no exterior - filme de 2006, também é agora estreado e lançado em DVD; ou como o vendedor de “pizzas” de “Sangue e Ouro” (2003), personagem à medida de um “film noir”, com sombras das grades cravadas sobre a sua vida - um dos filmes que mais explicita a violência de uma sociedade (argumento de Abbas Kiarostami, sempre menos explícito nos seus próprios filmes); ou como as mulheres de “O Círculo” (2000), esse filme que se experimenta, de forma terrível, vibrante, como um corrupio sem saída, linhas circulares que se estancam apenas quando o rectângulo de uma janela de cárcere se fecha - recorda-se o seu aparecimento no Festival de Veneza, a sensação para um espectador, mesmo (ou sobretudo) aquele habituado aos ziguezagues campestres iranianos através de Abbas Kiarostami, de que nunca tinha visto nada assim, Teerão, finalmente exposta, esventrada, Teerão cidade aberta (para o espectador ocidental), Teerão cidade fechada.
Tudo isto, a angústia e a claustrofobia que vivem no cinema iraniano (naqueles filmes iniciais, com crianças, de Abbas ou de Jafar - este começou por ser assistente daquele), com as intermináveis conversas e situações que não se resolvem, está connosco, no nosso imaginário, quando estamos com Jafar no seu apartamento.
O nosso egoísmo de espectadores dirá, depois, que há um momento que (nos) salva. Quando Panahi deixa de ser personagem e passa a ser realizador do seu cinema - consola-nos que nesse momento ele experimente algo próximo da salvação. A câmara passa a ser empunhada por quem até aí tinha sido o objecto do aparelho, Jafar encontra uma personagem, um “homem do lixo”. Num elevador, em minutos que parecem intermináveis (o cinema pode libertar, mas o cinema iraniano também liberta a sensação de claustrofobia), concretiza-se a beleza e também a crueldade de uma cinematografia: vampirizar e, simultaneamente, deixar-se consumir por uma personagem. É justo. E a evidência de que quando existe “cineasta” existe “cinema” - e não apenas filmes.
Lá fora, a população de Teerão comemora festividades, Jafar fica à porta do edifício (não pode aventurar-se mais, está proibido), é a antevisão de algo próximo da liberdade. Exactamente como no final de “Offside”, quando as personagens comemoram a vitória futebolística do Irão - mas como nesse filme, é algo próximo do sonho, do desejo, do fantasma. O cinema servirá de consolo?
Vasco Câmara, Público
O título deste filme não é uma figura de linguagem, é uma verdade. Isto Não é um Filme não é um filme porque seu idealizador, o premiado diretor iraniano Jafar Panahi, está condenado em seu país, proibido de fazer filmes.
Panahi foi condenado a seis anos de prisão, cumpridos até a realização deste filme em regime domiciliar, e proibido de filmar ou escrever roteiros por 20 anos. Jafar é vítima da ditadura iraniana, que vê em seus filmes propagandas subversivas contra o regime do presidente Mahmoud Ahmadinejad.
É com o desejo de resistir que o diretor de obras como O Círculo e O Balão Branco usa de um artifício para dar voz a seu dilema. Ele está proibido de filmar, mas não de ser filmado; ele está proibido de escrever novos roteiros, mas não de ler roteiros já escritos.
Convida então o amigo e também diretor Mojtaba Mirtahmasb para filmar um dia de sua vida. Mas não é apenas sobre um dia em sua prisão domiciliar que trata o filme. Jafar usa um roteiro seu, escrito antes da condenação, e passa a elaborar uma leitura/montagem improvisada. A certa altura, desanima. Constatada a impossibilidade de fazer um filme. Deprime-se. Sabe que não há filme ali. “Se pudéssemos contar um filme para que fazer um filme”, diz.
Difícil não se comover com a sinceridade de seu lamento por não poder mais filmar. Isto Não é um Filme, tem uma relevância imensa como protesto e resistência (segundo a mítica em torno dele só está sendo divulgado porque foi contrabandeado para o Festival de Cannes 2011 escondido dentro de um bolo). Contudo, dada sua natureza, poderia ser uma obra monótona. Não é.
A narrativa flui, alterna-se. São ótimos os momentos em que o diretor mostra trechos de seus filmes anteriores e conta detalhes interessantes dos bastidores e do ofício de fazer filmes. Neste cotidiano forçado, o filme expõe o drama de Panahi e nos transmite seu desalento com intensidade verdadeira. Torna-se, no seu desenrolar, uma busca e um escape. Uma saída sem saída. Transforma-se, enfim, numa honesta constatação da impotência e do absurdo. Mas também uma declaração de amor ao cinema dentro de um ato de desobediência.
No final, faz um jogo de espelhos. Enquanto é filmado pelo amigo, saca seu smartphone e passa a filmá-lo também. Neste momento, com uma simplicidade emocionante, deixa claro seu amor pela arte que está impedido de exercer e o quanto ela está arraigada dentro dele.
Ao filmar e ser filmado, diz ao amigo diretor: “quando duas cabeleireiras não têm o que fazer, cortam o cabelo uma da outra”.
(daqui )
Com início bastante intimador, Isto Não é um Filme começa com um take longo e estático do cineasta Jafar Panahi (de O Círculo) sentado à mesa de café da manhã, à espera de você, espectador, como um convite para sentar-se junto a ele e compartilhar de momentos íntimos da sua vida. Pequenos detalhes, como uma cadeira vazia à frente do diretor, o pão sempre partido ao meio e os talheres voltados para a visão de quem assiste ao filme nos coloca em uma posição de muito conforto e nos faz sentir como um amigo deste personagem real, ou melhor, um membro da família – família esta, de amantes do cinema e de companheiros de luta pelo direito à liberdade de expressão.
O documentário nos apresenta a história dramática de Jafar, cineasta iraniano que encontra-se numa condição de cárcere privado, decorrência da sua produção audiovisual carregada de debates políticos e críticas ao regime dos Aiatolás. Atualmente ele está à espera de um segundo julgamento para definir suas futuras “obrigações” com a lei, que provavelmente o condenará a três anos de prisão e o proibirá de filmar, dirigir e escrever roteiros por 20 anos.
Em meio a este turbilhão, o desejo e a paixão pelo cinema tornam-se o alicerce para a vida de Jafar. Mas, como fazer cinema com estas restrições? Para isso, entra na narrativa o amigo Mojtaba Mirtahmasb; como a proibição de manipular uma câmera de vídeo e de editar é para Jafar, ele (Mojtaba) assume o equipamento. Ao longo do documentário, Jafar tenta recriar a cena de um antigo roteiro, utilizando elementos do interior de seu apartamento, como tapetes, controles, almofadas, objetos de fácil alcance, trechos de outros filmes e a sua narração como substituta da atuação da atriz principal.
O roteiro que Jafar tenta “adaptar” tem estreita relação com a vida do cineasta, e por isso causa certa perturbação e o faz chorar em determinados momentos do filme. Essa é uma produção que foge do comum, um filme interessante sobre a atividade do cineasta – Metacinema, Metalinguagem. É interessante observar os mecanismos de criação de um artista, o desenrolar de uma cena, como é feita a escolha dos planos, como a atuação é pré-definida, como é encarado o erro... enfim, como um cineasta trabalha.
Além da classificação Metacinematográfica, este não poderia deixar de ser um filme político, afinal, constantemente são incitadas discussões e reflexões acerca da política do Irã e da relação entre a influência internacional nos territórios do Oriente. Um longa intrigante e diferente, que poderia ser um fracasso se não fosse o conhecimento sobre política dos dois personagens envolvidos e a relação entre a influência das produções audiovisuais em decisões políticas.
Robyson Vilaronga
Realização: Jafar Panahi e Mojtaba Mirtahmasb
Argumento: Jafar Panahi
Montagem: Jafar Panaho
Com: Jafar Panahi
Origem: Irão
Ano: 2010
Duração: 75’
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