Dia 1
CAPITALISMO: UMA HISTÓRIA DE AMOR, Michael Moore
EUA, 2009, 120’, M/12
Depois da presidência Bush, das armas, do 11 de Setembro, do serviço de saúde, MICHAEL Moore atira-se em "Capitalismo - uma História de Amor" à crise económica, desenhando o sistema capitalista como um monstro que cresceu desregradamente e, no processo, traiu as boas intenções originais em nome da ganância e do regresso a um sistema aristocrata onde os ricos concentram o poder e o dinheiro. "Capitalismo - uma História de Amor" é o filme de alguém que admitiu que a América em que vive já não é (ou talvez nunca tenha sido) a América em que julgava viver, e que compreende, ao mesmo tempo, a força e a limitação do que a sua câmara pode fazer. E aí, ganha-se como, provavelmente, o mais sincero dos filmes de Moore - e, provavelmente, o mais interessante, mesmo que por inerência à sua centragem na experiência americana, o mais "difícil" para o espectador internacional.
Jorge Mourinha, Público
Dia 8
TETRO, Francis Ford Coppola EUA/ITÁLIA/ESPANHA/ARGENTINA, 2009, 127’, M/12
"Tudo neste filme é um risco! Um filme pessoal, de autor, rodado a preto e branco, falado parcialmente em espanhol e, pior, em espanhol argentino... Não conseguiria arranjar pior maneira de ganhar dinheiro!" Mas quem diz que Francis Ford Coppola quer ganhar dinheiro com o seu novo filme, "Tetro"?
À pequena multidão de jornalistas e fotógrafos que o recebe na "sala de encontros" do Centro de Congressos do Estoril o cineasta americano diz que "nenhum dos meus filmes preferidos ganhou dinheiro à altura da estreia", e evoca alguns dos seus filmes mais conhecidos e aclamados como "O Vigilante" (1974) e "Rumble Fish - Juventude Inquieta" (1983). E mesmo "Apocalypse Now" (1979) foi perseguido durante anos pela aura de filme maldito.
A verdade é que Francis Ford Coppola, 70 anos completados em Abril, em Portugal para apresentar no Estoril Film Festival "Tetro", história de uma família separada por um segredo dilacerante, não é exactamente o mesmo que fez os três Padrinhos (1972/74/90) ou "Drácula de Bram Stoker" (1992). Este Coppola virou costas a uma Hollywood enterrada numa modorra criativa "que o 3D não vai salvar", esteve dez anos sem rodar e apenas voltou ao cinema (em 2007, com "Uma Segunda Juventude") nos seus próprios termos. E diz a quem o quiser ouvir que se sente de novo "cheio de ideias", como um estudante de cinema que experimenta e explora, "sempre a aprender". Em absoluta liberdade criativa.
Jorge Mourinha, Público
Dia 22
Sinédoque, Nova Iorque, Charlie Kaufman
EUA, 2008, 124’, M/16
Para o espectador ou cinéfilo distraído ou quem não esteja na disposição de ir consultar um dicionário, um esclarecimento: sinédoque é uma figura de estilo literária em que se toma a parte pelo todo, ou vice-versa, o género pela espécie, etc. Com esta informação poderão compreender e decifrar aquele que, à partida, aparece como o mais estranho e bizarro filme do ano e que marca a estreia na realização de Charlie Kaufman, um dos argumentistas mais originais que surgiu em Hollywood na última década. Aliás, quem conhece os filmes que ele escreveu para outros realizadores ("Queres Ser John Malkovich?" e "Inadaptado", de Spike Jonze, "Confissões de Uma Mente Perigosa", de George Clooney, e "O Despertar da Mente", de Michel Gondry) tem meio caminho andado para entrar no singular e complexo mundo mental de Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman), personagem central de "Sinédoque, Nova Iorque". Em todos estes filmes estamos face a uma mente que vai construindo um mundo muito próprio, que reproduz (ou quer reproduzir) o real a uma escala pessoal. De certo modo, todos eles representam desafios ao espectador, forçado, também ele, a fazer a sua própria construção mental com os elementos que o autor lhe dá. E o 'autor', neste caso, é tanto Kaufman como Cotard, que, no fim de contas, poderão ser uma e a mesma pessoa (jogo em que os seus argumentos são férteis), dado que "Sinédoque, Nova Iorque" parece ser o mais autobiográfico dos textos de Kaufman.
Toda esta riqueza de significantes não será, evidentemente, benéfica para a carreira comercial do filme, num tempo em que a maioria das películas são de uma indigência intelectual confrangedora. Mas vale a pena aceitar o desafio que ele representa, com a profusão de pistas que oferece.
Manuel Cintra Ferreira, Expresso
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