Ao Ar Livre: dia 4, Noah Baumbach regressa à boa forma com Greenberg, a meio caminho entre Rohmer, Altman e os novos independentes. Com Ben Stiller!

Fábrica da Cerveja, 22h, sócios 1€, não-sócios 3,5€.


O IndieLisboa ’10 arrancou então na Culturgest, naquele que foi certamente o mais leve dos seus 11 dias de festival, precisamente com Greenberg, de Noah Baumbach, na secção Observatório. O mais recente filme do autor norte-Americano vem muito ao encontro da natureza do seu trabalho até aqui: uma obra intimista, que deambula com muita facilidade entre o drama e a comédia e não cai em falsos happy-endings na sua missão de retratar a frequente falta de entusiasmo pela vida que caracteriza o século XXI, as pressões do dia-a-dia, as relações que se perdem e o que significa não saber que rumo dar à vida.
Baumbach já havia demonstrado uma apetência e dom naturais para retratar a essência das relações inter-pessoais, familiares ou não, como em The Squid and the Whale e Margot at the Wedding, e com Greenberg continua no mesmo caminho, mesmo que não alcance a qualidade do primeiro, para muitos o seu melhor filme até à data. Se esse filme lidava com uma questão tão universal como o divórcio, em Greenberg Baumbach fala em nome de todos os homens – incluindo Roger Greenberg, interpretado por Ben Stiller – na casa dos 40 anos que se deparam com a ansiedade proveniente de olhar para as suas vidas e sentir que estas voaram e com o desafio de mudarem e fazerem-na valer a dobrar no tempo que lhes resta.

Greenberg pode facilmente ser considerado um filme deprimente porque tem o raro, e muitas vezes temido poder de nos obrigar a olhar para as nossas próprias vidas e reflectir sobre se realmente as temos vindo a aproveitar ao máximo ou se, como Greg Greenberg, desperdiçámos anos de vida. É, no mínimo, um filme difícil de agradar a optimistas por natureza, devido ao simples facto de ter pouquíssimos momentos de verdadeira felicidade, aspecto onde Baumbach consegue, por vezes, exagerar. Mas o que fica de Greenberg é, acima de tudo, a qualidade do seu argumento (escrito pelo próprio Baumbach a partir de uma história da sua esposa, a actriz Jennifer Jason Leigh), com diálogos extremamente bem escritos e personagens muito bem desenvolvidas.



Outro dos seus inegáveis pontos fortes é a qualidade do seu elenco, onde se destaca, obviamente, Ben Stiller. É tão raro vê-lo num papel “sério” que se torna fácil esquecermo-nos que é um actor muito talentoso. Aqui, com material dramático e não-cómico com que trabalhar, Stiller sente-se surpreendentemente confortável e, com Greta Gerwig também em muito bom plano, torna mais fácil identificarmo-nos com a sua personagem pelo simples facto de ser uma personalidade tão conhecida. É principalmente ele, e o resto do elenco, que fazem de Greenberg um filme que recomendo, apesar de deixar o aviso de que não é de todo um ‘feel-good‘. Talvez o seu final, sobre o qual não vou falar a não ser para dizer que é tudo o que queremos mas não esperamos que aconteça, compense esse lado mais sombrio.
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Pedro Ponte, ante-cinema.com


É o grande tema dos filmes de Noah Baumbach: o egocentrismo neurótico e a sua relação com o fracasso real e objectivo ou com a sua, mais volátil, mais mental, impressão.

Começa a parecer claro, depois de "A Lula e a Baleia", "Margot at the Wedding", e agora "Greenberg", que o grande tema dos filmes de Noah Baumbach é o egocentrismo neurótico e a sua relação (de reversíveis causa e efeito, ou não) com o fracasso real e objectivo ou com a sua, mais volátil, mais mental, impressão.

Coisas que não o deixam assim tão longe do seu compincha Wes Anderson (com quem escreveu o argumento de "Life Aquatic With Steve Zissou"), mas mais ainda o aproximam de toda a uma tradição do humor americano, em particular a que se liga ao "jewish humor" nova-iorquino (a personagem de Larry David no último Woody Allen não deixará de ocorrer ao espectador de "Greenberg"). A presença de Ben Stiller no papel do homónimo e desagradabilíssimo protagonista do filme reforça esta sensação, porque Stiller, que tem um pé (se não os dois) nessa tradição, costuma trazer às suas personagens porções q.b. de neurose e "méchanceté" para fazer dele uma presença sempre interessante, mesmo nas comédias anódinas em que tem gasto boa parte da carreira. E em "Greenberg" (que por alguma razão leva como título o nome da personagem) ver Stiller a construir uma personagem em permanente negação de tudo o que o espectador espera de uma personagem - frustração, antipatia, acidez emocional - se não faz o filme todo faz pelo menos metade. (A talhe de foice: é extraordinário o número de comentários críticos que podemos ler - sobretudo críticos americanos "of Internet fame", é certo - a queixarem-se da falta de "pontes" entre a personagem e o espectador como "defeito" do filme; estamos tramados se agora até já os críticos de cinema clamam por "empatia").




E o que faz a outra metade do filme é uma certa qualidade de escrita - em sentido lato, não só o argumento e os diálogos (também), mas sobretudo uma "escrita cinematográfica" que se instala entre a convenção (clássica) e a "nova convenção" (herança do instituído, e já digerido, estilo "independente americano" como Sundance o promoveu) com alguma largueza, numa impressão de austeridade bem dominada e almofadada (nos tempos, na concentração das cenas, no esvaziamento das peripécias), uma "escrita", dizíamos, não espantosamente criativa, não verdadeiramente entusiasmante, mas inapelavelmente justa. Justa, porque não só não trai a frieza que rodeia a personagem de Greenberg como a faz caminhar ao lado dele, transmitindo-a aos outros (que se defendem como podem, mormente a rapariga interpretada por Greta Gerwig, interesse romântico de Greenberg, se "interesse" e "romântico" não forem palavras exageradas para a psique da personagem) e aos lugares desta Los Angeles singularmente árida, que com outras soluções (outras cores, outra luz), pelo menos nalguns planos parece ser submetida ao mesmo tratamento da Nova Iorque - também um pouco árida e indistinta - de "A Lula e a Baleia". Como esse filme - e pensamos na fabulosa personagem de Jeff Daniels, o pai-escritor falhado - também "Greenberg" é um tragicomédia sobre o fracasso, na vida e na profissão. Na "Lula" havia algum lugar para a esperança, ou pelo menos para reflexos (os filhos) que devolvessem outra imagem.

Aqui estamos noutro passo, um pouco mais irremediável: Greenberg já não vê nada. Mas é essa cegueira, a mesma que faz dele "insuportável", que o torna comovente. Nunca foi outra a arte de conceber e tratar personagens de cinema. Baumbach sabe fazê-lo bem.
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Luís Miguel Oliveira, Público


COM DECLARAÇÕES DO REALIZADOR

Ben Stiller, que participou em nove filmes que geraram mais de 70 milhões de euros de receita bruta apenas nos EUA, foi este ano presidente honorário dos Independent Spirit Awards (que premeiam os melhores filmes independentes). A incongruência não passou despercebida a Stiller. "Apesar de ter participado em mais de 350 filmes nos últimos cinco anos", declarou em palco, "os Spirit Awards tiveram a coragem de dizer: 'Você, Ben Stiller, é a personificação dos nossos valores mais queridos.'" O que Stiller não referiu foi que o seu novo filme, "Greenberg", que estreia amanhã em Portugal, é uma produção de pequena escala de cinema de autor (argumento e realização de Noah Baumbach) e mais intimista e pró-independente do que qualquer outro que tenha feito.

"Nunca pensei que o meu percurso evoluísse desta maneira", diz Stiller, entrevistado num hotel de Manhattan. Filho dos actores Jerry Stiller e Anne Meara, começou por se destacar em números de comédia, em "Saturday Night Live" e numa série que durou pouco tempo mas deixou boas memórias, "The Ben Stiller Show". Hoje considera- -se sobretudo um realizador. Stiller dirigiu quatro filmes, o mais recente foi "Tempestade Tropical" (2008), mas também se tornou conhecido como uma das maiores (e mais lucrativas) estrelas de cinema e como ponta-de--lança de um rentável círculo de actores. Embora a maioria dos membros desse círculo (que inclui Will Ferrell, Jack Black e vários actores da produtora do realizador Judd Apatow) se dilua numa irmandade mais abrangente, Stiller tem tido, na generalidade, carreira de protagonista. Tanto em filmes de família, como comédias românticas, o que demonstra o seu carisma.



O Homem-Criança
Desde o seu primeiro papel como protagonista, em "Flirting With Disaster" (1996), até ao seu primeiro grande êxito, a comédia "Doidos por Mary" (1998), passando por êxitos que deram origem a séries como "Os Tenenbaums" (2000) e "À Noite, no Museu" (2006), Stiller tem interpretado personagens definidas por ressentimentos latentes e neuroses purulentas.

"Greenberg" é notável pela violência emocional que encerra. É manifestamente uma criação de Baumbach, o realizador de "A Lula e a Baleia" (2005) e de "Margot e o Casamento" (2007). Mas pode ser visto também como um ensaio sobre a personagem Ben Stiller.

A personagem de Stiller, Roger Greenberg, é um homem descontente, que teve uma depressão e regressa a Los Angeles depois de uma estadia prolongada em Nova Iorque. Antigo músico que sabotou a sua banda em vésperas de um grande contrato de gravação, Roger está a tomar conta da casa do irmão, que foi de férias. Ao mesmo tempo que relança velhas tensões com os seus companheiros de banda (Rhys Ifans e Mark Duplass) e com uma ex-namorada (Jennifer Jason Leigh, mulher de Baumbach), Roger também inicia uma relação instantaneamente complicada com Florence (Greta Gerwig), uma adorável aspirante a cantora de 20 e tal anos, que é assistente pessoal do irmão dele.



À primeira vista, "Greenberg" parece uma ruptura nos papéis habituais de Stiller. Mas cedo se conclui que Roger é uma versão muito afinada do tipo de personagens interpretado por Stiller: a do homem-criança, ressentido, explorado.

O tipo de humor de Baumbach é mais analítico do que o de Stiller, mas ambos são especialistas da comédia centrada no mal--estar e no desgosto. Imagina-se facilmente Roger, de tem- peramento impaciente, a carregar aos ombros o ónus psíquico dos outros papéis de Stiller enquanto eterna vítima. Situadas algures entre tipos porreiros e masoquistas, as personagens dele conseguem sempre conquistar a rapariga, mas não sem antes sofrerem uma série de acidentes: desastres com fechos éclair e gel capilar em "Doidos por Mary", teste do polígrafo em "Um Sogro do Pior" ou explosões gastrointestinais em "Romance Arriscado".



Alto e Pára o Baile
Stiller, de 44 anos, e Baumbach, de 40, vieram do mesmo nicho subcultural. Em 1994 Stiller estreou-se como realizador com a comédia adolescente "Jovens em Delírio"; no ano seguinte, Baumbach realizou o seu próprio retrato do desenraizamento pós-universitário, "Kicking and Screaming".

Fã do "The Ben Stiller Show", Baumbach diz que para "Greenberg", "queria alguém que soubesse o que a personagem tem de engraçado".

Stiller encontrou humor em Roger, "que diz coisas que acertam na mouche" sem se auto-censurar e é dado a grandes empolamentos: quando um amigo observa, inocentemente, que a juventude é desperdiçada nos jovens, ele atira, "a vida é desperdiçada - nas pessoas". Seja como for, o filme é uma mudança do ritmo de comédia normalmente exigido a Stiller. "Foi óptimo não ter de estar num filme que tinha de estar dependente das gargalhadas", diz.

"Greenberg" é o primeiro filme de Baumbach cuja acção decorre em Los Angeles. Tanto ele como Stiller são nova-iorquinos que aprenderam a gostar da cidade adoptiva. "É muito difícil lutar contra ela", diz Stiller, que vive em Los Angeles há quase 20 anos. "Mas sei que não vou viver lá para sempre." Ele e a mulher, a actriz Christine Taylor, têm dois filhos e Stiller diz que quer que as crianças passem pela "experiência de crescer em Nova Iorque".



O Desvio
Voltando ao filme, Roger, o protagonista, é natural de Los Angeles, mas a cidade fá--lo sentir-se ainda mais alienado. Um mergulho numa piscina transforma-se no nadar de um cão aflito. Já não conduz e tem pouca mobilidade. Baumbach relembra a conversa com Stiller sobre estas características da personagem: "O Ben disse-me: 'Sabes, o facto de ele não guiar nem nadar parece-me muito disfuncional, mais do que se poderia esperar.' Ao que lhe respondi: 'Eu não guio e, para todos os efeitos, não sei nadar.'" (Baumbach só tem carta de condução desde Março.

O filme fez com que Stiller saísse da sua zona de conforto em vários aspectos. Para começar, está habituado a tratar um argumento como um "plano de trabalho", diz, como algo que tem de afinar e melhorar de improviso. Mas Baumbach, argumentista meticuloso, não é adepto da improvisação. Stiller conta que foi "libertador e muito entusiasmante" ter percebido que "não podia tornar o argumento mais confortável para si enquanto actor": "Tive de fazer com que ele, actor, tentasse perceber melhor a personagem."

Ben Stiller não esquece os actores com quem contracenou. Diz que Greta Gerwig o ajudou a libertar-se daquilo a que chama um "ponto de vista de actor cínico". "É muito fácil para mim pensar no sketch satírico 'Inside the Actor's Studio', em que o actor fala de si próprio na terceira pessoa", diz. Mas a ligação com Gerwig levou-o a adoptar uma abordagem mais sincera do que é normal nele. "Para ela, a personagem que representava era uma pessoa real e isso deu o tom para a minha actuação", diz.




"Greenberg" representa um pequeno desvio, embora não uma nova fase, na carreira de Stiller, que diz que há algum tempo que queria fazer mais do que a comédia tradicional. No horizonte estão os grandes filmes habituais - está previsto o lançamento de um novo filme com os Fockers ("Uns Compadres do Pior", 2004) ainda este ano - mas também está a preparar-se para realizar e protagonizar "Help Me Spread Goodness", um drama para a Participant Media, empresa com grandes preocupações sociais, acerca de um banqueiro que se deixar enredar numa falcatrua nigeriana com origem em mensagens de correio electrónico.

Stiller não pensa abandonar o papel satírico de "O Melga" (1996), "Zoolander" (2001) e "Tempestade Tropical". Mas acha que a fragmentação da cultura popular tornou as paródias mais difíceis. "Há muito para assimilar", afirma. "Não quero ser um tipo que tenta e não consegue manter-se a par de tudo."

"Greenberg", a história de um homem de 40 e tal anos obrigado a fazer contas à própria vida, encontra eco na sua própria pessoa. "Há coisas de que me arrependo, tal como Greenberg", diz. "Eu tive foi outras coisas que me permitiram amortecer o choque."
Com Greenberg, a galeria de desgraçados neuróticos de Stiller alarga-se para incluir um misantropo por vezes francamente repelente. "Não me é assim tão difícil. Não me preocupei em torná-lo uma personagem de quem as pessoas gostam. Acho que ele é uma pessoa com boas intenções mas que ergueu barreiras à sua volta."

Stiller também detecta um heroísmo discreto no quotidiano deste anti-herói. "Acho que é uma luta nobre", diz, "o facto de as pessoas imperfeitas tentarem sobreviver ao seu dia-a-dia".
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Dennis Lim, The New York Times


Título Original: Greenberg
Realização: Noah Baumbach
Argumento: Noah Baumbach, Jennifer Jason Leigh
Fotografia: Harris Savides
Montagem: Tim Streeto
Música: James Murphy
Interpretação: Ben Stiller, Dave Franco, Jennifer Jason Leigh, Juno Temple, Rhys Ifans
Origem: EUA
Ano de Estreia: 2010
Duração: M/16


EM COMPLEMENTO

TONY, Bruno Lourenço, Portugal, 2009, 25’
Jorge, ascensorista e bagageiro de um hotel de Lisboa, vive numa pensão familiar e é constantemente assediado pela filha da dona. Ao mesmo tempo que resiste aos seus avanços, o tímido rapaz alimenta um sonho: ser a incarnação do cantor Tony de Matos. Esta obsessão leva-o a inscrever-se num singular concurso de karaoke subordinado ao tema “Glórias do Nacional Cançonetismo”, onde tem a possibilidade de dar vida à figura do seu herói. É no meio destas estranhas personagens que Jorge percebe que, afinal, não está só.

Título Original: Tony
Realização: Bruno Lourenço
Argumento: Bruno Lourenço
Fotografia: Rui Poças
Montagem: Francisco Moreira, Manuel Mozos
Música: Tony de Matos
Interpretação: Francisco Mozos, Francisco Nascimento, Rita Martins, Sofia Marques, Tiago Fagulha
Origem: Portugal
Ano de Estreia: 2009
Duração: 25’



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