comemorar o Dia dos Namorados com UMA SEPARAÇÃO. filme do melhor cinema. é só prémios!

3ªf 14, IPJ, 21H30

sócios 2€, estudantes 3,5€, não-sócios 4€

Na ética de vida daquela sociedade há uma brecha, uma rutura, uma falha. Neste filme talvez haja um roubo e violência conjugal. Talvez haja um grave laxismo laboral e luta de classes. Talvez o dinheiro seja capaz de dissuadir indignações morais. Talvez as crianças saibam mais do que o que dizem. Há, com certeza, abandono de laços humanos que Asghar Farhadi delineia com paciente precisão e uma iniludível tristeza. Porque, finalmente, esse é o sentimento maior deste filme filigrânico que ganhou, este ano, o Festival de Berlim e nos volta a lembrar como pode ser entusiasmante o cinema que se faz no país de Kiarostami. O Irão dos ayatolas? Não - a Pérsia de uma cultura milenar!
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Jorge Leitão Ramos, Expresso


Filme de primeira água sobre um divórcio que descamba para um conflito judicial, “Uma Separação” não é “Kramer contra Kramer” em Teerão - mas é um filme que tem conquistado o Ocidente por todas as razões certas.

É um dos “casos do ano”. Podia sê-lo por todas as razões erradas (já lá vamos), felizmente não: Urso de Ouro e prémios de Melhor Actor e Melhor Actriz para o conjunto do elenco em Berlim 2011, um milhão de espectadores em França, candidato oficial à nomeação ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, “melhor filme estrangeiro do ano” para os críticos de cinema nova-iorquinos e para a National Board of Review americano, aclamação crítica e sucesso público um pouco por onde tem estreado.

O êxito de “Uma Separação” podia ser indissociável da origem iraniana do filme de Asghar Farhadi; não é certo que lhe seja inteiramente alheio, mas a verdade é que este não é o “filme iraniano do costume”, e por difícil que seja vê-lo sem levar em conta a sua nacionalidade, a verdade é que o seu sucesso não se deve apenas à boa consciência ocidental. É que “Uma Separação” é realmente um grande filme, que lida, muito simplesmente, com a verdade, a partir do momento em que um acontecimento aparentemente anódino - um pedido de divórcio - despoleta um efeito-borboleta de consequências imprevisíveis.

Um fascinante jogo de espelhos que reflecte toda uma série de questões centrais da vida moderna: a classe média urbana e confortável de Nader e Simin contra a classe operária pobre e suburbana de Hojjat e Razieh, agnosticismo contra religião, orgulho contra pragmatismo, justiça contra injustiça - e tudo isto explica muito bem porque é que “Uma Separação” tem ressoado mundialmente. Não estamos longe de um “Magnolia”, de um “Babel”, de um “Crash” no modo como o filme de Asghar Farhadi recusa eleger um herói para se mover por entre um elenco de conjunto onde não há heróis nem vilões, como utiliza a mecânica narrativa do acaso e da coincidência.

A diferença de um Iñárritu ou de um Haggis está em que Farhadi não nos diz nunca o que devemos pensar nem sentir, recusa terminantemente toda e qualquer manipulação gratuita, sabe que basta confiar na força da situação e na entrega dos actores para gerar o suspense e a emoção. Longe de ser um filme que se deleita na sua importância moral, deixa ao espectador a abertura para tirar as suas próprias reflexões; é um cinema que não está ao serviço de nada a não ser da história que quer contar.

“Uma Separação” reflecte as contradições e a complexidade do mundo em que vivemos, ao ponto da sua nacionalidade deixar de ser significativa, mesmo que seja impossível olhar para ele sem sermos recordados dos problemas específicos da República Islâmica; não faz parte da estética autoral da maior parte do cinema iraniano que é divulgado mundialmente, não se refugia em meditações oblíquas e ensaios audiovisuais. É verdade que as questões todas que aqui se abordam também se jogam no tabuleiro de uma sociedade presa entre a espada e a parede, reflectindo de modo agudo as tensões subjacentes ao Irão moderno - mas este é um filme que sabe que só falando do pessoal conseguimos chegar ao universal. É por isso, também, que é bom perceber que o seu triunfo não se limita a ser um caso manifesto de condescendência de boa consciência ocidental. Nada disso: “Uma Separação” é um filme de primeiríssima água que calhou ser iraniano.
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Jorge Mourinha, Ípsilon


Num dos seus sketches, Omid Djalili, cómico britânico de ascendência iraniana, traçava uma curiosa linha de separação. Assim, quando se fala em “Pérsia” (nome pelo qual, durante séculos, o Irão foi identificado pelos ocidentais), temos tendência em evocar tapetes, exotismo e uma sofisticação mais ou menos misteriosa. Mas se dizemos “Irão”, pensamos logo em terroristas de cabeça tapada e uma bomba à cintura...

Semelhantes lugares-comuns podem servir de mote para aquilo que está em jogo face a Uma Separação, o admirável filme iraniano de Asghar Farahdi que, no passado mês de Fevereiro, arrebatou o Urso de Ouro do Festival de Berlim. Trata-se, afinal, de saber até que ponto o nosso olhar, marcado pela formatação mediática com que tantas vezes são tratadas as sociedades do Médio Oriente, será capaz de olhar para Uma Separação, não para “confirmar” um qualquer esquematismo ideológico ou moral, antes para lidar com um... melodrama.

Porque é de uma crise conjugal que se trata, bem típica da longa e multifacetada tradição melodramática. Leila Hatami e Peyman Moaadi (magníficos actores, também premiados em Berlim) representam um casal atingido por uma crise que parece encaminhá-los para um irreversível divórcio: a mulher quer sair do país, considerando que a filha, de 11 anos, deve crescer noutro tipo de ambiente, enquanto o marido resiste à ideia, tanto mais que insiste em continuar a acompanhar o seu pai, atingido pela doença de Alzheimer; quando um tribunal decide que não há motivos suficientes para ser exarado um divórcio, a mulher sai de casa e o marido contrata uma criada para tratar do pai...

Este resumo simplifica a complexidade emocional e social do argumento do filme, também assinado por Farahdi. Em todo o caso, nele detectamos uma decisiva componente temática: encontramos aqui uma visão subtil do universo feminino e, em particular, das suas formas de dependência de laços (conjugais e simbólicos) organizados em função do poder masculino. Mais do que isso: Farahdi possui o tacto suficiente para não corrigir um maniqueísmo com outro maniqueísmo, traçando um retrato do marido que envolve uma singular e, por vezes, tocante vulnerabilidade.

Uma Separação constitui um excelente exemplo do grande cinema que continua a chegar às salas portuguesas e que, de um modo geral, tem uma visibilidade mediática, sobretudo televisiva, muito inferior a todos os produtos americanos sustentados por grandes campanhas promocionais (viu-se, por estes dias, com a proliferação de notícias sobre o novo capítulo de Missão Impossível). Escusado será dizer que nenhum filme se “mede” pela dimensão da sua campanha, além de que a cinematografia americana continua a ser um universo tão contrastado quanto fascinante. Acontece apenas que as convenções da publicidade natalícia não são uma boa razão para ignorar um filme tão brilhante como Uma Separação.
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João Lopes, sound-vision.blogspot.com


ENTREVISTA AO REALIZADOR
Um divórcio no Irão. Ela quer partir com o visto que levou anos a obter. Ele quer ficar porque o pai está doente. Prestes a desmoronar-se, aquela família está a pôr em causa os alicerces da sociedade do seu país. Farhadi, cineasta de 39 anos, dirigiu um elenco notável, premiado em Berlim. Em França, onde o encontrámos poucos meses depois do Urso de Ouro alemão, o filme foi um êxito tremendo. Sejam bem-vindos ao Irão contemporâneo.

Na primeira sequência, o casal protagonista que pede o divórcio é interrogado por uma voz off e pela câmara. A câmara está no lugar da autoridade. Toma o ponto de vista de quem julga. Porque começou o filme deste modo?
Sim, a câmara está no lugar do juiz, mas quem julga não simboliza a autoridade - e é importante assinalar a diferença. A questão é importante: o que eu queria mostrar era a posição do espectador perante o filme. Como quem diz: 'se há um juiz aqui, és tu, espectador, quem vai tomar essa responsabilidade.' É esse o convite inicial. Por outro lado, o juiz, que nesta perspetiva é o espectador, é convidado igualmente a ser uma personagem. Mas eu não queria sublinhar muito esta ideia. Resolvi por isso apresentá-la logo, na primeira sequência.

Ainda a propósito desse juiz, sentimos que há nele uma tranquilidade, até uma generosidade, perante o casal que se quer divorciar. Esse juiz corresponde à realidade ou foi suavizado pela ficção?
Fiz alguma pesquisa sobre essa questão e os juízes que encontrei assemelham-se àquele. Eles são empregados especializados naqueles casos e cumprem o seu papel. Não são representantes do poder instituído. Não estão lá com um bastão para bater nos clientes. O retrato é tão realista quanto possível.

Qual é a importância do avô no filme?
Ele é a alavanca do drama.

Será que há nesse avô - e noutros elementos do filme - um sentido metafórico? O cinema Iraniano tem por hábito retratar o país através de personagens que são instituições.
Compreendo o que diz mas creio que se refere a filmes que têm uma inclinação mais forte para o documentário. A metáfora e a parábola são expressões recorrentes desses casos. Em "A Separação", creio que as personagens têm a potencialidade de dar ao espectador uma leitura além do que elas representam. Mas tenho de sublinhar: a metáfora ou a parábola do avô não estão associadas ao passado, à história ou à tradição. Ele é simplesmente um exemplo da sua geração de iranianos. Uma geração que tem problemas em comunicar com as que lhe sucederam.


"Uma Separação" é um filme multo baseado na direção de atores. Como os selecionou e porquê?
A grande maioria do elenco é formada por atores profissionais e até já trabalhei com alguns nos meus filmes anteriores. Nesse elenco, há também quem faça habitualmente cinema, outros quase nunca. Acontece que, desde o momento em que todos eles assinaram contrato, sabiam que eu lhes ia pedir uma particular neutralidade. Como se eles estivessem a interpretar pela primeira vez. Eu trabalho frequentemente a partir deste efeito. Nunca lhes peço para interpretarem um papel. Ou melhor, o que lhes peço é precisamente o contrário: "não interpretem nada." Contudo, para atingir este grau de interpretação, é preciso ensaiar quatro ou cinco meses. Na verdade, 'estico a corda' durante os ensaios a um ponto tal que as interpretações acabam por dar a impressão ao espectador de que não há argumento por trás. Nem realizador. Aliás, o que é interessante neste método é que, nos ensaios, jamais trabalhamos a partir do argumento. O que nos interessa é a relação das personagens com as histórias que precedem e que prolongam o argumento, nunca aquilo que está escrito no papel.

Quando somos apresentados à empregada doméstica, Razieh, ficamos perante uma situação que evolui para uma história de luta de classes. Pelo menos, no filme, essas classes estão bem estruturadas.
Se o espectador decidir abordar o filme por um ponto de vista social, sim, notará que há um conflito de classes escondido. Mas essa luta de classes não pode ser considerada apenas sob um ponto de vista económico. O problema é mais profundo. É cultural.

O divórcio, aqui, é uma questão de dinheiro?
Não, é uma questão de emoção. E de amor.


Descobrimos que a ética e a moral do filme vêm das crianças, que não sabem mentir. Qual é o papel delas?
As crianças vão atravessar uma evolução. No início, são apenas joguetes dos adultos. Mas, à medida que o tempo passa, é a eles que se impõe a responsabilidade de uma escolha que terá de ser feita pois é isso que os pais e a sociedade lhes pede: quem tem razão? Para que lado é que devem tombar os pratos da balança? Já os adultos não conseguem sentir-se bem na sua pele. À medida que o filme avança, eles vão ter de lutar muito para existir.

Esta história poderia ter dado um drama terrível que, no entanto, você controla e evita, com subtileza...
A subtileza exigiu-me muito tempo de trabalho e também muito cuidado para não ceder à tentação do exagero e do grotesco, permanecendo no domínio do plausível. Vou tentar explicar-me: quando um realizador tenta forçar a empatia do espectador com uma personagem, corre um risco enorme. O efeito de realismo que se pretende pode virar-se contra a sua vontade. Neste domínio, é perigoso ir longe de mais: e há muitos filmes que fracassam por causa disto. Não resistem a realçar a tragédia. Às vezes, fazem-no a um tal ponto que, quando o espectador sai da sala, a tragédia evaporou-se pois toda a gente perdeu a vontade de pensar nela.

Nos anos 80 e 90, o cinema iraniano procurava a província, a natureza, uma contemplação sensível à fábula ou ao conto moral. Nos últimos anos temos descoberto outro tipo de filmes, mais urbanos e permeáveis à vida quotidiana onde o seu se inscreve. A velha marca da cinematografia tende a desaparecer?
Deixe-me acrescentar que esse cinema urbano também existiu no Irão dos anos 80 e 90. O problema é que os festivais ocidentais não se interessaram por ele! Há filmes que continuam por descobrir. Julgo que o cinema do Irão foi extremista e perdeu demasiado tempo a contemplar a vida nas aldeias. Pecou por repetir uma fórmula que estava longe de mostrar a totalidade da cultura iraniana. Mas o que você notou é simples de explicar: é que, entretanto, surgiu uma nova geração de cineastas. Agora, toda a gente quer fazer filmes na grande cidade. E eu espero que, daqui a uns anos, não nos perguntem: mas ainda há aldeias no Irão? Estou completamente convencido de que se tivesse realizado "Uma Separação" há dez anos o filme não teria ganho o Urso de Ouro. Aliás, aposto que nem teria sido selecionado pelo festival.
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Francisco Ferreira, Expresso




Título original: Jodaeiye Nader az Simin
Realização e Argumento: Asghar Farhadi
Montagem: Hayedeh Safiyari
Música: Sattar Oraki
Director de Fotografia: Mahmood Kalari
Interpretação: Leila Hatami, Peyman Moadi, Shahab Hosseini, Sareh Bayat , Sarina Farhadi ,
Ali-Asghar Shahbazi , Babak Karimi, Kimia Hosseini, Shirin Yazdanbakhsh, Sahabanu Zolghadr

Origem: Irão
Ano: 2011
Duração: 123’

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