Há Efeitos Secundários. Hoje, IPJ, 21h30.

Coargumentista e assistente em filmes de João Pedro Rodrigues, Paulo Rebelo estreou-se na realização em 2008, com esta entrada rara do cinema português no melodrama, embora os 'efeitos', próximos de uma balada rock lusitana e depressiva, desidratem o género das suas convenções. Num inverno ventoso, para os lados da Caparica, encontramos Laura (Maria João Luís), cabeleireira, viúva de 45 anos, distante dos dois filhos. A sua vida revolve-se quando ela conhece Carmo (Rita Martins, na foto), homeless seropositiva que procurará em Laura a mãe que perdeu. Filme sobre uma réstia de esperança ao fundo do túnel? Sim, confirmado em seguida pelo pesca¬dor Rui (Nuno Lopes), por quem Laura se apaixona e a partir do qual o filme gera um triângulo afetivo com dificuldade em encontrar um tom. "Efeitos Secundários" olha para o retrovisor: para os anos 80, para a sida (que é felina), para o melancólico estado de espírito do cinema português dessa década. A notável direção artística de Guerra da Mata, que por si só inventa 'uma personagem punk' e muito ganharia com uma fotografia mais contrasta¬da, realça o regresso no tempo. Neste filme de desamparos, sublinhe-se o que fixámos: por exemplo, uma cena sublime em que Rita Martins tortura a infância num 'massacre de bonecas.' Merece figurar nas melhores do cinema português recente. E não é só por ela que este filme de altos e baixos, mas que sentimos estar 'perto do osso' e ser genuíno, merece uma visita.

Francisco Ferrelra, Expresso


Estreia na longa-metragem de Paulo Rebelo, colaborador de João Pedro Rodrigues em “Odete” e “O Fantasma”, é um bom exemplo de um filme que sabe usar as mais-valias que tem para ultrapassar as suas fraquezas - no caso, um trio central de actores de luxo absoluto e uma encenação escorreita e cumpridora, mesmo que pouco inspirada.

A cabeleireira suburbana, viúva solitária, e uma jovem fugitiva rebelde que esconde do mundo um segredo (às quais se vêm juntar um surfista filho de pais bem na vida e um pescador bruto como as casas mas de bom coração) são personagens de linha de montagem de telenovela envolvidas numa trama melodramática algo previsível que, no limite, poderia tombar no dramalhão televisivo. Maria João Luís (a cabeleireira), Rita Martins (a fugitiva) e Nuno Lopes (o pescador) dão brilhantemente corpo e vida a estes arquétipos, com uma entrega e uma generosidade que, bem aproveitadas pelo realizador, emprestam energia a interesse a um filme pontualmente confuso e demasiadamente genérico. “Efeitos Secundários” é, aliás, bastante melhor no seu intrigante “primeiro acto”, onde Rebelo gere habilmente o mistério sobre o que reúne estas duas mulheres tão diferentes, após o que derrapa sem apelo nem agravo para a convenção do filme-problema que se resolve numa cena tão comovente quanto manipuladora, usando um gato como metáfora da questão central.

Mais inexplicável é o porquê deste filme estar na prateleira desde que foi completado em 2009, exibido apenas em alguns festivais para surgir agora numa estreia “de autor” quase confidencial - destino que, apesar das suas evidentes fragilidades (que não são apenas de primeiro filme) e devido ao capital de simpatia que gera, “Efeitos Secundários” não merecia.

Jorge Mourinha, Ípsilon


"Oh inclemência! Oh martírio! Estará por ventura periclitante a saúde desse nobre e querido menino que eu ajudei a criar?", uma das mais famosas deixas d'O Pai Tirano. Era suposto ser dramático, mas as pessoas, naturalmente, riem-se, porque a tragédia em excesso dá em comédia. O melodrama nunca foi uma das grandes especialidades do cinema português, não por falta de competência, pretexto ou saudade, apenas porque não cabe bem no nosso espírito o estilo de Douglas Sirk ou Pedro Almodóvar. Acaba por ser assim relativamente rara esta incursão de Paulo Rebelo, que estreou a sua primeira longa-metragem em 2009, no Festival de São Paulo, mas que só agora a conseguiu exibir comercialmente, numa dúzia de sessões no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa.

Não se tratando de forma alguma de um re-make, há uma influência clara e assumida de Tudo o que o Céu permite (1955), de Douglas Sirk. No filme do mestre americano, Cary Scott (Jane Wyman), uma viúva com filhos adultos, apaixona-se por Ron Kirby (Rock Hudson), o jardineiro, para escândalo dos filhos e daquela sociedade elitista. Paulo Rebelo transporta este universo para a Costa da Caparica, tendo como protagonistas uma cabeleireira (Laura - Maria João Luís) e um pescador (Rui - Nuno Lopes). Mas esta relação, diretamente inspirada em Sirk (apesar de não haver a mesma clivagem social, nem o contexto aristocrático), passa a ser apenas um dos planos. Não é ali que reside o maior drama, antes na carga emotiva transmitida por outra personagem do filme, Carmo (Rita Martins). Em termos melodramáticos, o eixo Laura-Carmo acaba por se muito mais forte. Mais, o drama pessoal de Carmo, a sua história amarga, domina o filme, tornando a relação Laura-Rui um efeito secundário. Num melodrama, mais do que noutros géneros, conta a densidade das personagens. E estas três estão trabalhadas de forma desigual. Melhor Carmo, relativamente bem Laura e bastante menos Rui.

Todas têm em comum a ideia de abandono e uma imensa solidão, mas com dimensões absolutamente diferentes, em decrescendo: Carmo é abandonada pelo pai e excluída da sociedade depois de contrair sida; Laura é naturalmente 'abandonada' pelos filhos que entretanto cresceram e saíram de casa; Rui é 'abandonado' pela namorada.

Há uma áurea misteriosa à volta destas figuras, pois à parte deste jogo de abandonos têm poucos pontos em comum. Contudo há elos demasiado frágeis, que o filme não consegue explicar. O que Laura pretende de Carmo? Uma mera substituição dos filhos? Parece excessivo. Deduz-se uma afetividade lésbica, mas ainda assim é pouco convincente. Menos ainda se percebe a relação entre Rui e Laura. O que ele pretende? Uma substituição do amor maternal? Esse drama nem sequer é focado... é um amor que não nos convence, nem revela a sua força, ao contrário do que acontece com as personagens de Douglas Sirk.

Uma dos melhores aspetos do filme é a forma como Paulo Rebelo sabe tirar partido da geografia privilegiada da Costa da Caparica, entre o morro que está nas suas costas e o mar. Tem bons atores, embora já tenhamos visto Nuno Lopes em melhor nível. Rita Martins é a estrela.

Manuel Halpern, Visão


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Realização: Paulo Rebelo
Argumento: Paulo Rebelo
Fotografia: Inês Carvalho
Som: Nuno Carvalho
Direcção Artística: João Rui Guerra da Mata
Música - Os Tornados
Interpretação: Maria João Luís, Rita Martins, Nuno Lopes, Nuno Gil, Sara Carinhas, João Pedro Santos,
Carlos Ferreira, Filipe Cary, Teresa Madruga, Adelaide Neves, Dionira Santos, Lurdes Natário

Origem: Portugal
Ano: 2008
Duração: 97’

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