da Grécia: Original, vigoroso, inteligente ATTENBERG. 3ªf, 21h30, IPJ.


Uma surpresa vinda da Grécia, sobre uma rapariga que não quer entrar na idade adulta.

É significativamente mais confuso perceber o que se passa no cinema grego do que na sociedade grega: a crise, os impostos, a contestação a gente percebe, o que os cineastas fazem é menos unânime, quer sejam as metáforas familiares do “Canino” de Yorgos Lanthimos, quer sejam os beijos lésbicos ou as coreografias Monty Python de “Attenberg”. Sim, leram bem, os beijos lésbicos, porque a primeira coisa que vemos em “Attenberg” são duas mocinhas a beijarem-se de língua e depois a comentarem a experiência. “A tua língua parece uma lesma, vou vomitar”, diz uma.

“Attenberg”, segunda longa de Athina Rachel Tsangari, caiu de pára-quedas em Veneza 2010 e desde então tem vindo a fazer uma carreira internacional que tem dividido a crítica entre a rendição e a rejeição, e faz sentido que assim seja. A realizadora, que estudou nos EUA, vem do experimentalismo e da arte multimedia, pelo que a sua abordagem a esta história de uma rapariga que enfrenta com grande relutância a entrada na idade adulta é tudo menos convencional. Marina nunca beijou, nunca fez sexo, o desejo mete-lhe nojo, não quer ter namorado porque tem medo que a sua melhor amiga lho roube, tem um emprego sem futuro como motorista numa fábrica local numa cidade-modelo que nunca foi modelo para nada, da mãe nunca saberemos porque (ou se) partiu, o pai arquitecto está doente em estado terminal. Não espanta que ela não tenha a certeza de querer tornar-se adulta, mesmo que já tenha 23 anos (ainda por cima na Grécia de hoje, embora o filme, rodado antes da crise grega, não o reflicta directamente). E a cineasta mostra-nos ao mesmo tempo o mundo real que Marina rejeita e o seu próprio mundo privado, onde faz com o pai imitações dos comportamentos dos animais selvagens retratados nos documentários de Richard Attenborough para a BBC, ou faz com a sua melhor amiga coreografias rigorosas (inspiradas pelo “Ministry of Silly Walks” dos Monty Python) ao som dos Suicide e de Françoise Hardy. (Significativamente, Ariane Labed e Evangelia Randou, as duas actrizes, vêm da dança contemporânea...).

Nessa alternância que sugere algo de irreverentemente adolescente, “Attenberg” tem tanto de genuinamente humano e emocional como de deliberadamente confuso e provocador, traindo o controlo preciso e formalista com que Athina Rachel Tsangari conduz a sua história. É um filme que, à imagem da sua personagem principal, concilia uma inegável maturidade criativa com um tactear à procura do melhor meio de a utilizar dentro de um quadro narrativo. Tão provocante como mas bem mais acessível do que “Canino”, “Attenberg” é uma pequena e muito recomendável surpresa que não pode nem deve ser vista como um reflexo da sociedade grega contemporânea - mas que é certamente um bom exemplo do cinema grego contemporâneo.
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Jorge Mourinha, Ípsilon



Tudo começa com um beijo. Possivelmente o pior beijo de sempre. Marina (Ariane Labed) tem nojo do corpo, da língua e da saliva, dos beijos e do sexo. Quem a beija é Bella, a sua bem mais experiente amiga. Esta é a história de uma peculiar rapariga de 23 anos que está à procura da própria intimidade, a caminho da vida adulta, ao mesmo tempo que acompanha o pai, que sofre de uma doença terminal.

Attenberg é filme minimalista nas personagens e nos cenários. São apenas quatro as personagens relevantes (Marina, o pai, a amiga e um homem que irá namorar com Marina). A cidade pequena onde tudo se passa é anónima, servindo essencialmente como exemplo. O filme é um exercício estilístico formal nada fácil, algo natural se tivermos em conta que Athina Rachel Tsangari fez parte da sua carreira em Nova Iorque, entre vídeos experimentais. Há até alguma dificuldade em sentir empatia por uma personagem principal com hábitos e maneirismos tão incomuns. Mas ao mesmo tempo há aqui uma sensação de estranheza humana na sua forma mais simples: tocante e confusa.

O título do filme remete para o trabalho de David Attenborough (Attenberg é simplesmente Attenborough mal pronunciado), documentarista que nos deu a conhecer a vida animal. São precisamente os filmes de Attenborough que servem de exemplo a Marina, que se põe a imitar animais na companhia do pai. Na rua, com a amiga, faz coreografias idiotas a lembrar Monty Pyhton. E tudo isto contribui para um espírito nonsense capaz de nos desarmar.

Neste misto de ternura e provocação, Attenberg tem passado por festivais. Bem ou mal recebido, a verdade é que tem sido falado, uma consequência previsível num filme que tem um estilo profundamente bem definido, mas cuja narrativa pode ser um estupor para a maior parte dos espectadores. Mas Attenberg não é apenas o filme de Athina Rachel. É também um representante do cinema grego, país que de há dois anos para cá passou a ser o campo de horrores da crise económica.

Peter Bradshaw, crítico do Guardian, perguntava num artigo em Setembro se estamos a assistir à “consolidação de uma nova onda” no cinema grego, a propósito deste Attenberg, mas também de Canino, filme de Yordos Lanthimos que fez furor, tendo mesmo sido um dos candidatos ao Óscar de melhor filme estrangeiro. Já agora, Lathimos fez um único papel na sua vida: o de namorado de Marina neste Attenberg.

É certo que as filmagens começaram ainda antes de a crise ter assombrado a Grécia. Mas não deixa de ser curioso encontrarmos um novo vigor no cinema grego, a crescer e a internacionalizar-se precisamente numa altura em que da Grécia já não ouvimos falar de Filosofia ou de Democracia. Mas de um país quebrado.

Não sabemos ainda o que se está a passar com o cinema grego, se a crise o abalroou e este respondeu, sem vergonha de parecer bizarro. Mas uma coisa parece certa: no meio do caos helénico faz-se cinema provocante e de voz própria. Em 2012, aquele beijo desconfortável é também uma das notícias mais positivas que nos chegou de lá.
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Pedro Filipe Pina, vousair.com


Na semana em que a capa deste caderno destaca os Óscares, é com um enorme prazer que também registamos a estreia, inesperada, valiosa, de um filme que nada tem que ver com eles - a começar pela radicalidade do seu discurso e da sua proposta estética. Estreado e premiado em Veneza (a jovem atriz Ariane Labed conquistou no Lido uma Taça Volpi), produzido por Giorgos Lanthimos (autor do já exibido entre nós "Canino"), "Attenberg", segunda longa-metragem da realizadora Athina RacheI Tsangari, foi um dos melhores filmes europeus de 2010.

Começamos pela pop, e por uma banda, os inesquecíveis Suicide, de Alan Vega e Martin Rev. "Attenberg", que é um filme pop à sua medida, baralha desde logo as convenções que o cinema costuma fazer com a música. E o que costuma este fazer? Usar a música para passar o tempo (perguntem se não é assim a Sofia Coppola...) ou para florear alguma coisa. No caso do cinema de Athina, a 'doença' das canções dos Suicide (seguir-se-á Daniel Johnston, Françoise Hardy... a banda sonora é magnífica) tem contudo outra função, pois é também a uma sociedade doente que somos apresentados.

É preciso dar um pouco da story para sermos mais claros. Estamos a falar de uma personagem de 23 anos, Marina (Ariane Labed), que vive com o pai numa cidade industrial. Digamos que Marina guarda da espécie humana uma singular distância (a palavra mais conveniente seria 'repugnância'). Quando se ouve os Suicide, de resto, não há outro remédio. O que faz mais Marina? Gosta de imitar animais selvagens a partir do que viu em documentários de vida selvagem da BBC de Sir Richard Attenborough (é de um Attenborough mal pronunciado e com sotaque grego que vem o título deste filme). Gosta de ensaiar certas coreografias ao ar livre com a sua amiga Bella (Evangelia Randou), de quem, acrescente-se já agora, recebe aulas de educação sexual. Se a sinopse não lhe agrada, não vale a pena continuar, este filme não é, nunca será para si. Mas saiba mais. É que neste quadro cinematográfico que parece casar Godard com os Monty Python, neste estranho mundo em que nos sentimos alegremente desconfortáveis, o cinema de Athina vai começar a desafiar a morte através de canções e de danças, e ao mesmo tempo a reinventar uma nova forma de burlesco made in Greece que, na verdade, é para aí uma das quatro ou cinco maiores descobertas do cinema contemporâneo recente.


Marina digere mal a sua existência e não tardamos a compreender que cada gesto; cada movimento tem uma dupla função: alimentar-nos de falsas pistas que são, em simultâneo, os pilares essenciais da mise en scene. Como se "Attenberg", não contente em descrever, não contente em metaforizar, quisesse redesenhar à fronteira entre a dramaturgia e as ideias, entre o que a narrativa quer dizer e os meios que tem ao seu dispor para chegar aos seus objetivos.

Podemos, obviamente, cercar o filme com uma ideia para descansar as almas mais puras: "Attenberg" (querem um chavão?) é a história do confronto de uma mulher que vai ter, finalmente, que enfrentar a idade adulta. O filme não fala de outra coisa. Acreditamos contudo que a sua beleza não vem das ideias, ou das metáforas, porque nos parece que ir por aí era trair a essência do filme. O que nos faz gostar tanto de "Attenberg" é o seu transe vigoroso, a sua ginástica, o seu acaso, e o prazer de descobrir que toda esta gama sensorial jamais é decorativa, jamais é autista - pese embora o comportamento de Marina, que a isso leva a pensar.

"Canino", de Giorgos Lanthimos, tinha-nos revelado que valia a pena estar atento a este novo cinema grego. Um cinema que vive obcecado com o jogo, com o ritual ou, se quiserem, com uma espécie de hipóteses sonoras e figurativas, violentamente antinaturalistas, que se distinguem pela excentricidade, pela elegância, e que confiam de olhos fechados no poder da mise en scene. Ai está "Attenberg", pouco tempo depois, orgulhoso de si próprio e a estrear orgulhosamente numa capital da outra ponta da Europa, a devolver-nos com brio a cobiça depositada.
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Francisco Ferreira, Expresso



Título original: Attenberg
Realização: Athina Rachel Tsangari
Argumento: Athina Rachel Tsangari
Interpretação: Ariane Labed, Giorgos Lanthimos, Evangelia Randou e Vangelis Mourikis
Fotografia: Thimios Bakatakis
Montagem: Sandrine Cheyrol, Matt Johnson
Origem: Grécia
Ano: 2010
Duração: 96’

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