ERA UMA VEZ NA
ANATÓLIA, Nuri Bilge Ceylan, Turquia, 2011, 150', M/12
FICHA
TÉCNICA
Título Original: Bir
Zamanlat Anadolu’da
Realização: Nuri Bilge
Ceylan
Argumento: Ebru
Ceylan, Nuri Bilge Ceylan, Ercan Kesal
Fotografia: Gökhan
Tiryaki
Interpretação: Muhammet
Uzuner, Yilmaz Erdogan, Taner Birsel, Ahmet Mümtaz Taylan, Firat Tanis, Ercan
Kesal, Murat Kiliç Ficha Técnica
Origem:Turquia
Ano: 2011
Duração 150'
SINOPSE
Misterioso e
cativante, o novo filme do premiado realizador Nuri Bilge Ceylan acompanha,
durante uma
longa noite, um grupo
de polícias e detectives numa busca impiedosa por um cadáver enterrado nas
estepes da Anatólia. A
exumação deste corpo vai também desenterrar pensamentos e medos há muito escondidos nas cabeças
destes investigadores obstinados.
Trailer: http://vimeo.com/41157053
"Uma surpresa tanto maior quanto Nuri Bilge Ceylan não tinha ainda
transcendido a etiqueta preguiçosa de discípulo de Antonioni e de representante
oficial da Turquia na internacional do cinema de autor, Era uma Vez na Anatólia
é um filme de estarrecer. Neste policial existencialista tão desacelerado como surpreendentemente
tenso, a busca de um cadáver na Turquia rural torna-se num microcosmos da
condição humana, filmado com um virtuosismo quase ofensivo e uma sensibilidade
extraordinária. É verdade que Era Uma Vez na Anatólia é programático no seu
jogo de dicotomias (campo/cidade, culpa/inocência), e que nunca fugimos à
consciência sisuda de Ceylan estar a fazer “obra” séria e significativa. Mas,
face à magistral construção narrativa “em câmara lenta”, à subtileza das
interpretações, à humanidade que se desprende do formalismo preciso e
observacional, isso quase parece vontade de arranjar defeitos a um dos melhores
filmes que vimos este ano"
Jorge Mourinha, Ípsilon
"Fazer
um noticiário televisivo não é, por certo, o mesmo que construir uma ficção
cinematográfica. Em todo o caso, o determinismo pueril que marca algumas
práticas jornalísticas não perderia nada em prestar atenção ao trabalho de
alguns cineastas que partem, justamente, dessa pergunta essencial: como filmar
um lugar?
Veja-se
o caso admirável de Nuri Bilge Ceylan, cineasta turco que já conhecíamos
através de 'Uzak - Longínquo' (2002), 'Climas' (2006) e 'Os Três Macacos'
(2008). Com 'Era Uma Vez na Anatólia', vencedor do Grande Prémio de Cannes/2011
(ex aequo com 'O Miúdo da Bicicleta', dos irmãos Dardenne), Ceylan dá uma lição
magistral sobre a dimensão mais primitiva, e também mais essencial, do labor
cinematográfico: filmar um lugar não é "transcrever" ou
"ilustrar", mas sim construir um olhar e, em última instância, uma
visão do mundo.
'Era
Uma Vez na Anatólia', desde já um dos momentos altos do nosso ano
cinematográfico de 2012, começa por suscitar o reconhecimento de uma matriz
tradicional: vogamos em pleno género "policial", tendo como ponto de
partida a tentativa de descoberta de um cadáver que terá sido enterrado,
algures, numa zona deserta. Para Ceylan, o decifrar do engima (onde está o
cadáver?) não é um fim em si mesmo, antes o motor de uma ação que, a pouco e
pouco, descobrimos como um metódico e, à sua maneira, implacável método de
desmontagem das aparências de uma insólita teia de personagens.
Ao
filmar nas paisagens mais desoladas da Ásia Menor, Ceylan tem, obviamente,
consciência de que nos está a dar a ver uma terra de muitos cruzamentos
civilizacionais. Que é como quem diz: 'Era Uma Vez na Anatólia' passa-se num
território de diferenças e confluências Europa/Ásia, dir-se-ia uma "terra
de ninguém" onde cada um transporta um segredo que transcende a sua
própria identidade. Vogamos, assim, muito para além de qualquer forma de
pitoresco televisivo (sendo o pitoresco uma forma instituída de consagração do
cliché, roubando a cada ser humano o direito à sua própria história). A
estética que Ceylan afirma confunde-se com uma ética da narrativa que resiste a
qualquer ilusão de transparência.
Que
é, então, o real? Por certo não o que se expõe automaticamente ao registo de
uma câmara, mas sim aquilo que resiste a esse registo. Filmar um ser humano, ou
mesmo a linha do horizonte de uma paisagem vazia, envolve sempre a singular
responsabilidade de um gesto cognitivo."
João Lopes, http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=2485418&seccao=Jo%E3o%20Lopes&page=-1
ENTREVISTA A
NURI BILGE CEYLAN
Um one-on-one com Nuri Bilge
Ceylan, pode ser uma experiência intimidante. Sobretudo após uma exigente
sessão de 150 minutos em Cannes, pouco compreendida por muitos que abandonaram
a sala mas aplaudida pelos que ficaram para coroar a sua obra-prima nas estepes
da Anatólia. É que há algo nesta espera que faz com que as imagens se nos
entranhem na memória e adquiram a configuração próxima de um western. Tudo se
passa durante uma longa noite em que um grupo de homens procura um cadáver
enterrado. Oportunidade para libertar o ponto de vista de um fotografo, para
quem o tempo mais não é do que uma composição mais ou menos ordenada. Mesmo sem
querer usar o título para fazer uma colagem desadequada a Sergio Leone,
acabamos por perceber a importância do tempo para a visão de Ceylan.
Tal como a nossa conversa, lenta, pensada, pausada. À procura de significados.
É que tal como uma fotografia, o seu cinema não pretende ser um ponto de vista
único. Talvez por isso, confirme...
Acabei de ver um grande filme. Gostei muito. Até que
ponto o seu estilo de realizador, os seus longos planos não são, afinal de
contas, um prolongamento da sua visão enquanto fotógrafo?
Não me parece. Não me parece. Há muitos
realizadores, que não são fotógrafos, e fazem longos planos-sequência.
O Manoel de Oliveira, por exemplo... Sim,
claro. Mas isso depende mais da sua relação com a vida. São os cortes que fazem
nascer o cinema, mas os planos longos é que dão vida às imagens.
É isso mesmo. É a vida que vemos desenrolar-se neste
filme. As longas conversas no carro acabam por dar esse tom de verdade. Não
será então o tempo a justificar a ação? Mesmo que não seja um dialogo de uma
lógica narrativa. O tempo adquire aqui o seu peso... O que lhe parece?
Qual era a sua pergunta?
Se concorda com a importância que tem o tempo no seu
filme? Qual é a sua opinião?
Não sei... Eu sigo o meu instinto. É claro que o tempo
é um dos aspectos mais importantes na vida. E também no cinema. Deveremos saber
lidar com ele. Todos nós temos um sentido do tempo.
Como lhe ocorreu a ideia desta investigação criminal?
Pode elaborar um pouco à volta deste tema?
É uma ótima situação para abordar o lado mais negro da
alma humana. E todas as complexidades da alma humana. Sobretudo numa situação
complexa como esta. Parte de uma história verdadeira. Um dos argumentistas é
médico e vive nesta região da Anatólia. E contou-me esta história durante um
jantar. Meses mais tarde decidimos tentar fazer um filme a partir dela. Mas o
guião acabou por ser totalmente reescrito. Há também inclusão de alguma
influência de Tchekhov, de algumas histórias e ideias de Tchekhov.
É nesse sentido uma obra em permanente evolução ou
perfeitamente acabada antes de filmar? Há mais espaço para o improviso ou não?
É claro que tento escrever tudo. Mas não é
possível.
É muito difícil escrever sobre trivialidades, digo
eu...
Sim. Tento escrever assim, de forma tão detalhada
quanto possível. Mas acabamos sempre por mudar algo. Durante a rodagem
procuramos sempre algo mais e mesmo na montagem. Em si, é um processo
interminável.
Dá aos seus actores espaço para improvisação?
Claro. Porque não? Se um actor é bom e consegue
sugerir algo melhor do que está escrito, porque não?
Diria que é um realizador fácil de trabalhar?
(risos)...
Não sei. Mas não sou do tipo de gritar...
Mas sabe bem o que quer.
Não sei o que quero. É difícil, faço muitos takes. E
tento coisas diferentes. Nunca tenho a certeza. Na rodagem nunca devemos ter a
certeza, mas durante a montagem, sim. Só na montagem é que compreendemos todo
este processo.
É fácil de trabalhar com a sua mulher? É um processo
de colaboração?
A minha mulher é uma ótima argumentista. Escrevemos
este guião os três: eu, a minha mulher (Ebru Ceylan) e o meu amigo Ercan
Kesal.
Tem outros planos para voltar a trabalhar com ela
enquanto atores, como fizeram em «Climas»?
Não, nunca mais. Foi a primeira e última vez.
Não foi uma boa experiência?
Foi difícil. Prefiro estar atrás da câmara. Sou
obcecado por todos os detalhes. Quando estou a representar não posso controlar
tudo.
Tem alguma intenção de trabalhar em algum outro lugar
sem ser a Turquia?
Depende. Se me surgir uma ideia que necessite de outro
país, porque não? Mas a língua é sempre uma barreira...
Tem neste momento algum projeto em que estejam já a
trabalhar?
Não, para já não. Veremos.
Só para terminar: Cannes tem sido um bom festival para
si. Com um bom reconhecimento para o seu trabalho. O que significa para si ver
o seu trabalho apresentado aqui?
É o melhor lugar para começar. Quem poderá dizer o
contrário?
É também um lugar para os autores...
Sim, como festival é o melhor. Em todos os aspetos. É
o maior e o mais útil. Tenho sorte de poder estar aqui.
Paulo
Portugal, www.c7nema.net
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