Despojos II - Dia 9 de Outubro, IPDJ, 21:30



DIA 9 DE OUTUBRO
O MEU MAIOR DESEJO, Hirokazu Koreeda, Japão, 2011, 128’, M/6

 FICHA TÉCNICA

Título original: Kiseki / I Wish
Argumento e realização: Hirokazu Kore-eda
Fotografia: Yutaka Yamazaki
Montagem: Hirokazu Kore-eda
Música Original: Quruli
Interpretação: Koki Maeda, Onshiro Maeda, Ryoga Hayashi, Seinosuke Nagayoshi, Kyara Uchida, Kanna Hashimoto
Origem: Japão
Ano: 2011
Duração: 128’


 
SINOPSE
Koichi tem doze anos e uma curiosidade imensa acerca do mundo. Vive com a mãe e os avós maternos em Kagoshima. O seu irmão mais novo vive em Hakata, onde o pai de ambos é guitarrista numa banda de rock. Koichi é naturalmente alegre mas sofre com o divórcio dos pais. O que ele deseja mais do que tudo é a reunião da família. Ao saber de uma linha férrea que vai ligar Kagoshima e Hakata, Koichi começa a acreditar num milagre que irá acontecer no preciso momento em que dois primeiros comboios que circulam em sentidos contrários se cruzarem.





Houve um tempo em que 'cinema japonês' não era designação de origem, era género. Depois, aprendemos a identifi­car, conhecer e amar os grandes mes­tres nipónicos - Kenji Mizoguchi, Aki­ra Kurosawa, Yasujiro Ozu, Teinosu­ke Kinugasa - ou os mais novos que lhes tomaram o lugar - Shohei Ima­mura, Nagisa Oshima. Mas as severas mudanças que a cinematografia nipó­nica sofreu no último quartel do sécu­lo XX não potenciaram que novos ci­neastas de dimensão internacional emergissem ao mesmo nível que nas gerações anteriores. Mau grado todos os seus méritos, não é Takeshi Kitano (nem outros da sua geração) realiza­dor para ombrear com qualquer da­queles. Nem Koji Wakamatsu, que, no ano passado, teve uma breve irrupção nas salas portuguesas. Nem Hirokazu Kore-eda, cujo mais recente filme ago­ra nos ocupa.
De Kore-eda lembrar-se-ão os mais atentos do terrível "Ninguém Sa­be" (estreado em Portugal em 2006), história de um grupo de crianças aban­donadas que tentam sobreviver auto­nomamente, ou de "Andando" (por cá estreado em 2009), escalpelização de uma família disfuncional. "O Meu Maior Desejo" volta ao tema da infân­cia e dos conflitos intrafamiliares para seguir o percurso de dois jovens ir­mãos (Koichi, de 12 anos, que vive com a mãe, e, mais novo, Ryunosuke, que vive com o pai) que o divórcio dos pais separou para diferentes cidades. Am­bos continuam em contacto, sobretu­do através de longas conversas telefó­nicas, ambos desejam que a família se possa reconstituir - mas esse desejo é da esfera dos milagres. Só que, um dia, Koichi ouve uma conversa e perce­be uma hipótese: ele entende que, no momento em que dois comboios de al­ta velocidade se cruzam em linhas pa­ralelas; se cria um campo energético que torna o milagre possível. Basta estar lá e expressar o desejo.
O filme é a preparação do momento em que os pequenos Koichi e Ryuno­suke se juntam no lugar perfeito para que o milagre aconteça - e vão levar amigos. Mas, para lá chegar, outras histórias de miúdos e graúdos se hão de entrelaçar, companheiros e familiares de um e de outro, de modo a fazer­-se um mosaico. Não vou aqui dizer se os anseios dos dois irmãos serão satis­feitos, mas há que chamar a atenção para o verdadeiro prodígio que o filme nos mostra: o de pôr os seus vários muito jovens intérpretes a trabalhar com uma espantosa capacidade de en­volver o espectador. Seja para expri­mir alegria, seja a teimosia de quem persegue um objetivo e não o larga, seja aquela espécie de tristeza branda que cai, gelada, no nosso peito, condi­mentada com um pingo de ternura, o que Hirokazu Kore-eda consegue ex­trair dos seus intérpretes é impressio­nante. Como impressionante é a teia que o argumento, também de sua auto­ria, vai tecendo, desenhando esboços de personagens, relações, sorrisos, de­talhes, cumplicidades, tudo sem escorregar para a facilidade, sem se desviar para o lugar-comum, sem nos querer pespegar qualquer beatitude, sem ce­der à vontade de happy end. Veja-se o casal de anciãos que acolhe o grupo de miúdos lá para o fim do filme, numa situação que começa por ser de precá­ria credibilidade para, depois, se des­vendar reflexo de uma carência afeti­va quase sem medida, veja-se a determinação da miúda que quer ser atriz e o contraste com a mãe entregue, à acei­tação da sua condição - detalhes de um filme que sabe olhar para coisas pequenas e grandes com uma precisa tensão dramatúrgica, criando uma for­ma particular de encantamento.
Jorge Leitão Ramos, Expresso, 4/8/12



ENTREVISTA A HIROKAZU KORE-EDA
De onde surgiu o título original do filme, “Kiseki” (milagre)?
É um título simples mas muito bom. Estou surpreendido que nenhum filme japonês tenha tido este título anteriormente. As crianças, a forma como vivem, o equilíbrio entre todos eles, foi francamente um milagre.
O que significa para si filmar com crianças?
Gosto da forma como são incompletos e como a sua presença é desequilibrada. Filmar crianças em  filmes como NINGUÉM SABE e O MEU MAIOR DESEJO faz-me pensar. Começo por ver a sociedade através do seu olhar e da sua existência. Deve ter a ver com o facto de agora ser pai, mas todos os adultos em O MEU MAIOR DESEJO são adultos que eu gostava de ser. Quero ser um adulto que, calmamente, espera que os seus filhos voltem para casa depois das suas aventuras.
O filme parece-se com o abraço de um adulto a uma criança…
Lugares como a livraria e o gabinete da enfermeira, para os quais as crianças vão, são refúgios. As crianças não são julgadas neste locais ou atormentadas pelas notas da escola. A presença dos avós
é um refúgio no interior da família e quis dar às crianças um lugar onde pudessem relaxar e sentirem-se seguras. Quando estava na biblioteca. Também passei muito tempo na enfermaria… (risos).
Porque pediu a Shigeru Kishida (dos Quruli) para compor a música?
Quando estava a escrever a cena em que os miúdos fogem a correr, achei que seria bom ter a música do Quruli. Depois disso não consegui pensar em mais ninguém para a música. Não sei porquê mas a música deles e as crianças combinam muito bem. Ele [Shigeru Kishida] viu a primeira versão do filme e gostou muito.
Disse: “já tenho três canções!” Depois viu uma versão mais curta e recebi uma nota escrita à mão, que dizia “Não!”. Afirmou que o tempo gasto com as crianças no ecrã estava a ser manipulado e editado demasiado pelas mãos dos adultos. Ele adora o filme e tinha razão nesse ponto, portanto concordei e mudei o filme para a montagem original. Estava a apressar as coisas para contar a história e a opinião dele fez-me recuar e ver o filme na sua integralidade.
O que ganham as crianças no final da sua aventura?
Na cena em que estão a descer as escadas da estação de Kagoshima, Seinosuke, que interpreta a personagem de Makoto, disse-me: “Pode rescussitar Marble? Faça um final feliz.” (risos) Mas eu disse-lhe que não era de todo um final triste. Koichi e os miúdos vão pensando sobre o mundo durante a viagem. Eles aprendem que, mesmo quando se pede um desejo, não significa que o mundo vá mudar da forma que queremos. E depois regressam a casa. A família não vai voltar a reunir-se e Marble não vai voltar a viver, mas apercebem-se de que fazem parte deste mundo também. É também por esta altura que eles aprendem que só por gostarmos de alguém não significa que vão gostar de nós em troca. E se pensarem que isso faz parte da vida, vão crescer como pessoas. As emoções próximas do desespero podem ajudar as pessoas a crescer. Pessoalmente, acho que esse é o milagre da vida.





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