WELCOME - BEM-VINDO, Philippe Lioret, França, 2009, 110’
FICHA TÉCNICA
Título Original: Welcome
Realizador: Philippe Lioret
Argumento: Philippe Lioret, Emmanuel Courcol, Olivier
Adam
Fotografia: Laurent Dailland
Montagem: Andrea Sedlácková
Musica: Nicola Piovani, Wojciech Kilar, Armand Amar
Interpretação: Vincent
Lindon, Firat Ayverdi, Audrey Dana, Derya Ayverdi, Thierry Godard, Selim Akgul,
Firat Celik, Murat Subasi, Olivier Rabourdin
Origem: França
Ano: 2009
Duração: 110’
SINOPSE
Bilal tem 17 anos e
vem do Iraque. Deixou a sua terra, pouco depois de a namorada ter emigrado para
Inglaterra, para a voltar a ver. Mas ao chegar a França, no porto de Calais,
depara-se com muitos emigrantes ilegais que também tentam chegar a Londres. É
então que Bilal decide aprender a nadar para atravessar o canal da Mancha. Na
piscina municipal, o rapaz conhece Simon, um instrutor de natação e o seu
cúmplice nesta perigosa viagem.
TRAILER
ENTREVISTA A PHILIPPE
LIORET
Como surgiu o filme Welcome?
Simplesmente surgiu de
um forte desejo de fazer um filme sobre este tema. Sobre homens que ao
sentirem-se atormentados no seu próprio país, querem a qualquer custo chegar ao
Eldorado, que aos seus olhos é a Inglaterra. No entanto, depois de uma viagem
imprevisível eles ficam presos em Calais – frustrados, adoentados e humilhados
– a poucos quilómetros da costa inglesa que eles até conseguem avistar do local
onde se encontram.
Uma noite estava a
falar sobre isto com o Olivier Adam e apercebi-me de que este sítio era um pouco
como a fronteira mexicana e eu só precisava de aprofundar mais este tema para
arranjar um maravilhoso filme dramático. Falei sobre isso ao Emmanuel Courcol e
começámos logo a pensar numa história que poderia acontecer neste contexto.
E como correu a preparação?
Eu e o Emmanuel
contactámos ONGs que fazem tudo o que podem para ajudar estas pessoas, e depois
dirigimo-nos a Calais. Durante muitos dias num ambiente de neve e muito frio,
nós seguimos voluntários destas organizações e partilhámos com eles a vida
infernal destes refugiados: a “selva” onde eles encontram abrigo, no mercado
negro a extorsão dos contrabandistas, as intermináveis perseguições policiais –
um autêntico pelotão policial foi formado só para eles – os centros de
refugiados, a vigilância constante dos camiões, onde os emigrantes se enfiam
muito encolhidos para conseguirem entrar nos ferries e onde arriscam as suas
vidas tentando escapar aos detectores de dióxido de carbono, aos scanners,
entre outras instrumentos…
O que mais nos
surpreendeu foi a idade dos refugiados, o mais velho nem tinha 25 anos. Existem
miúdos à volta dos 15 que se aventuram sozinhos nesta louca viagem. Quando
falámos com Sylvie Copyans da Organização Salam ficámos a saber que muitos
deles, em último recurso, chegam a tentar atravessar o Canal a nado. Depois de
muitos dias, regressámos a Paris com as nossas mentes cheias do que tínhamos
visto e experienciado, que nem trocámos palavras durante a viagem até lá.
Como se desenvolveu o argumento?
Nós estávamos
assombrados pela história de um jovem rapaz que queria atravessar o Canal da Mancha.
Foi o Emmanuel que disse primeiro: «Ele vai para a piscina pública de Calais
para aprender a nadar.» E depois eu acrescentei: «E ele conhece o instrutor de
natação.» Ao termos as nossas personagens e a estrutura da nossa história em
duas frases – sabendo que não estávamos a criar uma dramatização barata, além
de não estarmos a trair a real experiência de um refugiado. O tema era tão
forte, e era tão representativo para a realidade migrante, que a sinceridade
teve de prevalecer.
Foi assim que definiram a personagem de Simon.
O lado documental da história teve de ser posta de parte para poder
entregar às personagens as suas histórias pessoais, e as interacções emocionais
que condicionam a vida de todos, e que normalmente são as razões por detrás de
tudo. Ao observar os voluntários, pensei que alguns deles estariam a partilhar
as suas vidas com pessoas que muito provavelmente não serão tão empenhadas e generosas
quanto eles.
O Simon é uma pessoa falível, como todos nós, ele está longe de ser
perfeito. Ao princípio, tal como a maior parte da população de Calais, ele não
está interessado no problema da imigração, ele só o tolera. A ex-mulher,
Marion, comenta: «ele olha para o lado e volta para casa». Enquanto jovem,
Simon fracassou na busca de uma carreira de sucesso no desporto e esse fracasso
tornou-o azedo. Ele transformou-se num instrutor de natação e neste momento o
único problema dele é o facto de a Marion o ter deixado. Quando ele conhece
Bilial, ele resolve ajudá-lo pelas piores razões. Se lhes oferece abrigo, a
Bilial e ao seu amigo Zoran, só o faz para impressionar Marion, para tentar
provar que ele não é o inconsciente individualista que ela pensa que ele é. Ele
faz tudo isto para a reconquistar. Mas a situação descontrola-se: ajudar
imigrantes ilegais é punível por lei.
Ele vê-se no meio de uma espiral que não consegue controlar.
E quanto mais se
envolve, mais se torna consciente das injustiças que impregnam esta situação e
mais se aproxima de Bilal.
E Bilal que quer ir para Inglaterra para ir ter com Mina. O filme
também poderia ser resumido ao seguinte: um homem perde a mulher e a sua vida
transfigura-se. Outro, mais jovem, ama uma mulher e quer ir ter com ela a
qualquer custo…
E estes dois destinos
cruzam-se, colidindo com a absurda ordem do mundo. O filme demonstra como um
encontro pode ajudar alguém a superar-se.
Esta situação faz-nos pensar num período pouco glorioso, o da Ocupação…
Sim, tudo isto poderia
ter acontecido em 1943 e poderia ser a história de um homem que escondia judeus
na própria casa e era apanhado. A diferença é que isto acontece hoje. A 200 quilómetros
de Paris.
Pensou em Vicent Lindon quando escreveu o argumento?
Nos meus outros
filmes, pensei frequentemente nele durante a construção da ideia. Em primeiro lugar
porque considero-o um grande actor e também porque sinto entre nós uma espécie
de ligação. Mas, na fase de escrita, eu tento afastar-me dos actores e
concentrar-me nas personagens. À excepção desta vez, almoçámos juntos entre as
duas fases. Eu falei-lhe da história e ele disse-me que faria o filme mesmo sem
ler o argumento. O Vicent é um tipo intuitivo e acho que para além da
personalidade do Simon, ele gostou da ideia de fazer parte deste projecto em
particular. E por isso pensei nele enquanto escrevia e desde esse dia nada se contrapôs
ao nosso trabalho em conjunto. No entanto, as pessoas que conhecem as nossas personalidades
temiam que os ânimos se agitassem na rodagem. Mas como estávamos os dois a
trabalhar para o mesmo objectivo não houve nenhuma química extraordinária que
pudesse colocar em causa o resultado final deste filme.
Que tipo de actor é o Vicent Lindon?
Ele é capaz de
transmitir sentimentos através de um simples movimento ou postura. Frequentemente,
e graças a ele, uma palavra ou uma frase chegam. Ele é um homem que se envolve,
um perfeccionista. Como actor, ele está sempre pronto a ouvir, e procura ser
verdadeiro em vez de tentar impressionar.
E a Audrey Dana?
Audrey é o que os
anglo-saxonicos chamam the girl next dor. Demorei algum tempo a encontra-la.
Precisava de uma
mulher convincente como professora do básico que serve comida aos refugiados
como um gesto humano que demonstra a empatia que tem para com estas pessoas. No
entanto, não queria que me saísse uma militante feminista. Eu só precisava de
uma mulher que se sentisse bem na sua própria pele e que tivesse interiormente
uma verdadeira generosidade. A Audrey tem essa generosidade. Ela estava um
pouco assustada com a personagem da Marion, mas adorou a história e eu tinha a
certeza de que ela seria capaz de encontrar o seu lugar nela. Ela é alguém que
levas as coisas seriamente sem se levar demasiado a sério.
Como encontrou Bilal?
Foi como encontrar uma
agulha num palheiro. Quando estávamos a escrever sobre a personagem, um jovem
de 17 anos que só fala curdo e inglês, e que com Vicent tem de carregar um
filme nos ombros, colocámo-nos numa situação muito difícil. Eu nem sequer sabia
se este rapaz existia neste mundo. Com Tatiana Vialle, a directora de casting,
nós viajámos durante semanas de Berlim a Istambul, Londres, e Suécia onde
existe uma grande comunidade curda. Finalmente, descobrimos Firat em França.
Não era um actor profissional e os primeiros testes foram algo invulgar. Mas
ele tinha uma honestidade e intensidade que faziam toda a diferença.
Ele queria ser actor?
Nada disso. Ele veio
como amador. Nós até tivemos de o persuadir a fazê-lo, e convencer também os
pais dele. Inicialmente planeei trabalhar a personagem com ele, ensaiando
muito, mas no final preferi que ele mantivesse a naturalidade que lhe era
própria e acabei por não fazer nada. À medida que os dias das filmagens se
aproximavam, eu ficava mais assustado tal como ele. Já na rodagem, ele ficou
pasmado durante três horas e depois de forma muito natural encontrou o lugar
dele e tom certo para o papel.
Existem além dele outros actores não-profissionais no filme.
Todos os jovens curdos
que o Bilal conhece em Calais foram encontrados enquanto procurava o actor para
aquela personagem. Muitos deles vêm de Istambul e Berlim. Aprendi muito com
eles. Temos de filmar muito rapidamente, sem grande tempo para ensaios,
deixando-os evoluir sem dirigi-los demasiado. Foi uma enorme aventura para
todos – quanto mais para mim. Permitiu-me fazer inúmeras descobertas: Derya,
por exemplo, que faz o papel de Mina, mostrou-se uma actriz excepcional e agora
deseja seguir uma carreira profissional. Eu filmei uma cena muito complicada
com ela num único take, sem ensaios, confiando somente no instinto dela.
Ela é incrível. Muitos outros actores de quem gosto muito já integraram outros
filmes meus: Emmanuel Courcol o meu co-argumentista, Blandine Pélissier, Eric
Herson-Macarel, Gilles Masson… E a Tatiana que possibilitou que eu conhecesse
peças chave como o Olivier Rabourdin, que interpreta o papel de Chefe de
Polícia – um papel muito complicado já que costumamos ver 45 polícias por dia
em programas de televisão e ele tinha de arranjar uma forma inconvencional de o
fazer. Patrick Ligarde, o vizinho e informador, Thierry Godard, Jean-Pol
Brissard, Yanick Renier…
Como em muito dos seus filmes, o cenário é também uma personagem.
Particularmente a
piscina pública que funciona como um catalisador: não só evoca a carreira falhada
de Simon como campeão da natação, mas também é lá que Bilial aprende a nadar
com a esperança de poder atravessar o Canal. Foi muito importante para mim
filmar nos locais exactos onde a acção decorre. Quando filmamos em locais
reais, contamos melhor a história: as ruas de Calais, o gigante porto do Canal
da Mancha, a praia de Blériot e os imparáveis ferries que vão e vêm… todas
estas atmosferas dão ao filme a sua verdadeira natureza. Para enfatizar este
aspecto realístico, eu e o produtor Christophe Rossignon decidimos não filmar
na República Checa ou na Roménia, como muitas vezes acontece por razões
orçamentais. O filme beneficia em muito desta decisão.
A direcção é omnipresente, mas a câmara parece ser discreta, quase
invisível.
Não existem muitas
possibilidades para a câmara filmar bem uma cena, por isso temos de encontrar a
certa. Eu passo o tempo a pedir aos meus actores que sejam verdadeiros, mas também
a câmara pode sozinha transmitir-nos uma “nota falsa”. Se a câmara é demasiado notória
numa cena, se os seus movimentos forem sem sentido ou decorativos, pensamos:
«Ah sim, é a fingir» e eu tenho sempre a impressão que em vez de ganhar,
perdemos algo. E então como um espectador, quando gosto de um filme é como se
me dessem um presente. Mas se o trabalho é demasiado notório, então dá-me a
ideia que o talão do preço foi deixado na embalagem.
Nos primeiros 15 minutos do filme, parece que estamos perante a
descoberta de um novo
mundo (França).
E no entanto é tão
perto. E é também muito bom que no cinema descubramos o país onde vivemos num
outro ângulo, um que desconhecíamos. No que diz respeito ao problema da migração,
dos refugiados, e dos ilegais, existe cada vez mais um maior número de
programas de televisão dedicados a este tema, mas acabam por se perder no circo
mediático. O resultado final é que todas as reportagens e todos os debates,
toda esta indignação não serve nenhum propósito porque a mensagem é abafada.
Por isso, eu prefiro realizar um filme, contar uma história no grande ecrã
sobre estes dois homens – e estas duas mulheres – que se confrontam com as suas
emoções, no meio de todo este caos. E ao mesmo tempo tenho a esperança de sensibilizar
o público sentado no escuro, ajudando-o ou ajudando-a a formar a sua opinião
sobre tudo isto. E esperando que o filme fique com eles por algum tempo.
O que fazem um professor
de natação e um imigrante clandestino em Calais, Norte de França? Um prepara-se
para atravessar a Mancha a nado. O outro leva uma lição de vida. Melodrama com
a realidade a colar-se à pele do filme.
Calais,
Norte de França, na semana passada: um acampamento de imigrantes ilegais, na
sua maioria afegãos, foi desmantelado por forças policiais e
"bulldozers", quase 300 pessoas detidas, metade das quais menores - o
PÚBLICO noticiou. Viviam escondidas, durante o dia, num bosque nos arredores da
cidade portuária. À noite, como fantasmas, espreitavam os camiões em busca de
uma aberta, através do canal da Mancha, para chegarem ao Reino Unido. Viviam,
então, naquilo que é conhecido como "a selva" - um acampamento
precário, sem hierarquia, sem lei, como outros que apareceram após o
encerramento, em 2002, de um centro de acolhimento de imigrantes ilegais gerido
pela Cruz Vermelha em Sangatte, próximo de Calais (o governo francês foi
pressionado pelo governo britânico a fazê-lo, para terminar com um chamariz
para os imigrantes ilegais que querem chegar às terras de Sua Majestade).Os
imigrantes ainda empunharam as suas bandeiras: "A selva é a nossa casa. Pf
[por favor] não a destruam. Se o fizerem, para onde havemos de ir?".
Para a oposição ao governo francês o desmantelamento é apenas operação de cosmética que não resolve o verdadeiro problema nem enfrenta a questão. Mas os governos de França e de Inglaterra congratularam-se, apoiando a decisão "firme" do ministro da Imigração francês Eric Besson. E é aí que Philippe Loiret, um ex-"designer" de som que passou à realização, 54 anos, nos completa e se indigna: "Ministro da Imigração, da Integração e da Identidade Nacional... É-me insuportável essa designação, o que é isso da Identidade Nacional?"
E explicita os fantasmas: nessa política "repressiva" dos imigrantes ilegais e na legislação penal que contempla pena de prisão para quem ajude um clandestino, Lioret vê um lastro comum com a forma de actuação da "polícia francesa durante a Ocupação". "É, antes de tudo, um incitamento à delação", atira. Declarações destas já tinham estado na origem de uma polémica com o ministro, há seis meses, quando "Welcome" chegou às salas francesas. É esse filme, história de um jovem iraquiano que quer atravessar a Mancha para se juntar à sua noiva que vive com a família em Inglaterra, que chega agora a Portugal.
"É a actualidade que acompanha o filme, que se pega a ele. Não fiz um filme com intuito político. Mas é certo que não há coincidências [entre aquilo que o filme conta e a realidade]", diz Lioret, que descobriu "o que se está a passar na Europa" num microcosmos, num ponto de concentração, Calais. "Os imigrantes continuam a chegar, a polícia continua a persegui-los, as rusgas policiais continuam a acontecer. Mas o que aconteceu [na semana passada] é uma entre outras, Os imigrantes voltarão a Calais, tudo continuará como sempre".
Não fez um filme com intuito político e não faz também um documentário, sublinha. "Uma parte do filme pode parecer um documentário, mas é tudo reconstituição, tudo foi feito por nós. É um filme relativamente caro, porque tivemos que reconstituir tudo, Acredito na ficção, as personagens são mais importantes para mim do que a história. Fui a Calais à procura de personagens. Encontrei pessoas que me levaram a construir a personagem do jovem, Bilal, até dos polícias e de Simon".
É o par central de "Welcome": Simon, um professor de natação (Vincent Lindon), e Bilal (Firat Ayverdi), um jovem iraquiano que piorou a sua situação de clandestino em Calais, isto é, isolou-se ainda mais, ao estragar involuntariamente a fuga do seu grupo - a sua respiração denunciou presença humana num camião. Bilal quer agora ter aulas de natação. Para se preparar para o seu objectivo, chegar a Inglaterra onde vive a noiva. E chegar a nado...
O que une Simon a Bilal - melhor, o que atrai o quarentão Simon para o adolescente Bilal - é algo de misterioso. Claro, lá está a parte de "Welcome" em que se percebe que o casamento de Simon acabou mas este tenta tudo para ainda conseguir impressionar a ex-mulher: mostrar-lhe, por exemplo, que se preocupa com os outros, que tem consciência - há um significativo diálogo entre o ex-casal, em que ela critica o alheamento dele, por passar por cima do que a História ensinou. Mas os silêncios da personagem interpretada por Vincent Lindon, a sombra de nostalgia que passa nos seus olhos cansados (foi um ex-nadador, ex-campeão), e a obsessão de Bilal enchem essa parte do melodrama de uma tristeza mais indefinível. O filme aí aguenta-se numa tensão que não esmorece. É a parte mais obsessiva de "Welcome", e chegamos a dizer a Lioret que devia ser mais monomaníaco ainda, não perder energias nem com a situação conjugal de Simon nem com as cenas em Inglaterra com a família da noiva de Bilal. Lioret não gostou da sugestão, está-se a ver. "É um filme que fala da vida, não é a história que me interessa, são as personagens. São as personagems que me guiam. O meu filme é como a vida, faz-se de relações múltiplas. Não tenho a impressão que o filme se perca".
A crispação esmorece quando lhe dizemos que Lindon, actor com quem ele criou uma relação de amizade ("tornámo-nos próximos, falamos praticamente todos os dias, temos projectos comuns"), nos lembrou o sonambulismo de Robert Mitchum. Dito de outra forma, e não perdendo tempo com o individual: que tal como os actores do cinema americano clássico Lindon não precisa de muito para mostrar a quantidade de sentimentos - tomada de consciência social e política, sim, mas também olhar para um adolescente e rever a sua própria juventude - que tomaram conta dele. "Fico contente, vou dizer isso a Vincent, que também vai ficar contente. Vincent tinha a idade ideal para compreender o essencial das coisas. Tem algo de muito terreno. Quanto aos silêncios... na verdade o filme tem muitos diálogos, mas não são explicativos. Na TV é que se explica tudo. O encontro entre as duas personagens [o professor de natação e o clandestino] tinha de ser mesmo um encontro. A partir do momento em que Simon vê Bilal, ele deixa de ser uma abstracção. Os imigrantes ilegais estão nos jornais, vêmo-los na televisão, mas não os vemos. Bilal, personagem com uma energia incrível, dá uma lição de vida a Simon".
Para a oposição ao governo francês o desmantelamento é apenas operação de cosmética que não resolve o verdadeiro problema nem enfrenta a questão. Mas os governos de França e de Inglaterra congratularam-se, apoiando a decisão "firme" do ministro da Imigração francês Eric Besson. E é aí que Philippe Loiret, um ex-"designer" de som que passou à realização, 54 anos, nos completa e se indigna: "Ministro da Imigração, da Integração e da Identidade Nacional... É-me insuportável essa designação, o que é isso da Identidade Nacional?"
E explicita os fantasmas: nessa política "repressiva" dos imigrantes ilegais e na legislação penal que contempla pena de prisão para quem ajude um clandestino, Lioret vê um lastro comum com a forma de actuação da "polícia francesa durante a Ocupação". "É, antes de tudo, um incitamento à delação", atira. Declarações destas já tinham estado na origem de uma polémica com o ministro, há seis meses, quando "Welcome" chegou às salas francesas. É esse filme, história de um jovem iraquiano que quer atravessar a Mancha para se juntar à sua noiva que vive com a família em Inglaterra, que chega agora a Portugal.
"É a actualidade que acompanha o filme, que se pega a ele. Não fiz um filme com intuito político. Mas é certo que não há coincidências [entre aquilo que o filme conta e a realidade]", diz Lioret, que descobriu "o que se está a passar na Europa" num microcosmos, num ponto de concentração, Calais. "Os imigrantes continuam a chegar, a polícia continua a persegui-los, as rusgas policiais continuam a acontecer. Mas o que aconteceu [na semana passada] é uma entre outras, Os imigrantes voltarão a Calais, tudo continuará como sempre".
Não fez um filme com intuito político e não faz também um documentário, sublinha. "Uma parte do filme pode parecer um documentário, mas é tudo reconstituição, tudo foi feito por nós. É um filme relativamente caro, porque tivemos que reconstituir tudo, Acredito na ficção, as personagens são mais importantes para mim do que a história. Fui a Calais à procura de personagens. Encontrei pessoas que me levaram a construir a personagem do jovem, Bilal, até dos polícias e de Simon".
É o par central de "Welcome": Simon, um professor de natação (Vincent Lindon), e Bilal (Firat Ayverdi), um jovem iraquiano que piorou a sua situação de clandestino em Calais, isto é, isolou-se ainda mais, ao estragar involuntariamente a fuga do seu grupo - a sua respiração denunciou presença humana num camião. Bilal quer agora ter aulas de natação. Para se preparar para o seu objectivo, chegar a Inglaterra onde vive a noiva. E chegar a nado...
O que une Simon a Bilal - melhor, o que atrai o quarentão Simon para o adolescente Bilal - é algo de misterioso. Claro, lá está a parte de "Welcome" em que se percebe que o casamento de Simon acabou mas este tenta tudo para ainda conseguir impressionar a ex-mulher: mostrar-lhe, por exemplo, que se preocupa com os outros, que tem consciência - há um significativo diálogo entre o ex-casal, em que ela critica o alheamento dele, por passar por cima do que a História ensinou. Mas os silêncios da personagem interpretada por Vincent Lindon, a sombra de nostalgia que passa nos seus olhos cansados (foi um ex-nadador, ex-campeão), e a obsessão de Bilal enchem essa parte do melodrama de uma tristeza mais indefinível. O filme aí aguenta-se numa tensão que não esmorece. É a parte mais obsessiva de "Welcome", e chegamos a dizer a Lioret que devia ser mais monomaníaco ainda, não perder energias nem com a situação conjugal de Simon nem com as cenas em Inglaterra com a família da noiva de Bilal. Lioret não gostou da sugestão, está-se a ver. "É um filme que fala da vida, não é a história que me interessa, são as personagens. São as personagems que me guiam. O meu filme é como a vida, faz-se de relações múltiplas. Não tenho a impressão que o filme se perca".
A crispação esmorece quando lhe dizemos que Lindon, actor com quem ele criou uma relação de amizade ("tornámo-nos próximos, falamos praticamente todos os dias, temos projectos comuns"), nos lembrou o sonambulismo de Robert Mitchum. Dito de outra forma, e não perdendo tempo com o individual: que tal como os actores do cinema americano clássico Lindon não precisa de muito para mostrar a quantidade de sentimentos - tomada de consciência social e política, sim, mas também olhar para um adolescente e rever a sua própria juventude - que tomaram conta dele. "Fico contente, vou dizer isso a Vincent, que também vai ficar contente. Vincent tinha a idade ideal para compreender o essencial das coisas. Tem algo de muito terreno. Quanto aos silêncios... na verdade o filme tem muitos diálogos, mas não são explicativos. Na TV é que se explica tudo. O encontro entre as duas personagens [o professor de natação e o clandestino] tinha de ser mesmo um encontro. A partir do momento em que Simon vê Bilal, ele deixa de ser uma abstracção. Os imigrantes ilegais estão nos jornais, vêmo-los na televisão, mas não os vemos. Bilal, personagem com uma energia incrível, dá uma lição de vida a Simon".
Sem comentários:
Enviar um comentário