CLAUSTROS DO MUSEU MUNICIPAL
Sócios - 2€ (caderno de 5 senhas, 10€)
Não-Sócios - Estudantes 3,5€ / Restantes 4€
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O novo filme de François Ozon é várias coisas ao mesmo tempo. Uma adaptação da peça homónima de Pierre Barillet e Jean-Pierre Grédy, os reis da comédia de boulevard em França entre as décadas de 50 e 80. Uma homenagem às comédias de Louis de Funès, por via de personagens como a do “funesiano” patrão tirânico e colérico Robert Pujol (Fabrice Luchini). E ainda uma actualização da peça que lhe está na origem com uma “mensagem” política e para-“feminista” dirigida à França contemporânea (embora o enredo se passe em 1980), através de Susanne Pujol (Catherine Deneuve), que começa o filme na pele de uma “tia” de província rica e desocupada, e a meio já assumiu a direcção da fábrica do marido e dominou quer as forças do capital, quer as do trabalho. Há ainda um fogacho de romance entre Suzanne e Babin, o presidente da Câmara, comunista dos quatro costados (Gérard Depardieu), confusões envolvendo o filho e a filha dos Pujol, e um “deslize” de juventude que emerge do passado.
Apesar desta história tão atarefada e de ter acrescentado coisas à peça original, sobretudo o elemento da emancipação feminina, Ozon não perde o controlo do leme cinematográfico nem dá fífias na recriação das decorações, cores, sons e atitudes dos anos 80. E é sempre um gosto ver juntos Deneuve e Depardieu, o par “histórico” do cinema francês, desde que contracenaram pela primeira vez em O Último Metro, de François Truffaut. Precisamente em 1980.
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Sérgio Abranches, Timeout
Com "Minha Rica Mulherzinha", Ozon fala a brincar de coisas sérias e dá a Catherine Deneuve um papel deliciosamente efusivo.
François Ozon passa a vida a dar guinadas numa carreira que parece apenas conduzida pela sua vontade de fazer um filme diferente do que fez antes, mesmo que se detectem no seu cinema dois temas centrais que ressurgem repetidamente (o papel da mulher na sociedade contemporânea, e o confronto quotidiano com a família). Não devia, por isso, ser uma surpresa vê-lo a abraçar a alta comédia em "Minha Rica Mulherzinha", adaptação de um grande êxito do teatro de boulevard de 1980, a seguir ao melodrama de "O Refúgio" e à fantasia surreal de "Ricky".
Nem vê-lo a introduzir essas suas marcas registadas na história de uma dona de casa provinciana que, forçada a assumir o lugar do marido, patrão tirânico, na fábrica familiar, se torna numa patroa exemplar e descobre que a sociedade não está forçosamente interessada em reconhecer o seu valor. Ozon aproveita, ao mesmo tempo, para lançar o seu proverbial olhar entomológico sobre uma sociedade que não mudou assim tanto nos trinta anos que passaram desde a criação da peça, e para exultar com a oportunidade de devolver algumas cartas de alforria a uma comédia francesa que há muito não víamos tão descontraída.
É inevitável pensar nas "8 Mulheres" que fizeram de Ozon um dos jovens cineastas franceses mais em vista, e de facto "Minha Rica Mulherzinha" partilha com essa comédia algum ADN de artifício deliberado, mas sente-se aqui uma outra gravidade e uma elegância mais reservada onde o anterior era um filme muito mais sulfuroso e ácido. Filmado de modo abertamente "seventies", mas sem nostalgia serôdia e sempre com uma piscadela de olho meta-referencial que pede a cumplicidade do espectador, simultaneamente irónico e afectuoso, o filme procura transcender as limitações da peça que lhe está na origem sem por isso negar o prazer de desfrutar das suas convenções a um nível puramente epidérmico. E o prazer enorme de ver Catherine Deneuve numa performance deliciosamente efusiva, recordando como a diva icónica do cinema francês também pode ser uma actriz de comédia de primeiríssima água, já chegaria para recomendar "Minha Rica Mulherzinha".
Mas este é um filme muito mais esquivo do que parece, que esconde ainda uma sátira política inspirada pelo confronto eleitoral entre Nicolas Sarkozy e Ségolène Royal e um retrato de mulher que se decide a tomar o seu destino nas mãos pelo meio de uma comédia muito mais séria do que o primeiro embate pode dar a entender.
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Jorge Mourinha, Ípsilon
DECLARAÇÕES DE FRANÇOIS OZON
NO PRINCÍPIO…
Desde há muito tempo que eu queria fazer um filme sobre o papel social e político da mulher. Quando há dez anos atrás assisti à peça POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA de Barillet e Grédy, ocorreu-me imediatamente que ali havia material para um filme. Mas demorei muito tempo a apropriar-me do texto, a perceber como iria adaptá-lo e a dar-lhe actualidade. Senti que conseguiria dar-lhe o tom das comédias excêntricas, mas não queria acabar a fazer um filme voltado para o passado, desligado da realidade.
Existiram dois catalisadores para que o projecto avançasse. Primeiro, conhecer os irmãos Altmayer, produtores, que me propuseram que fizesse um filme político sobre Nicolas Sarkozy, à semelhança de A Rainha, de Stephen Frears. Segundo, as eleições presidenciais francesas em 2007, durante as quais eu acompanhei a candidatura de Ségolène Royal com interesse.
ADAPTAR A PEÇA
Rapidamente percebi que o trabalho de adaptação desta peça iria ser muito diferente do que tinha feito nas duas anteriores peças que adaptei. Ambas as anteriores tinham lugar em cenários muito confinados, por isso a minha abordagem foi intencionalmente teatral. GOUTTES D’EAU SUR PIERRES BRÛLANTES era sobre constrangimentos e a prisão emocional de um casal. OITO MULHERES foi a oportunidade de colocar um grupo de mulheres – actrizes – numa jaula e observar o comportamento delas.
POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA é uma história de emancipação. É sobre libertar Suzanne da sua jaula de forma a ela poder percorrer o mundo lá fora. O filme foi filmado maioritariamente em exteriores, ao contrário dos outros dois que tinham sido filmados totalmente em estúdio. À medida que ia trabalhando na adaptação fui-me apercebendo que bastava ajustar pequenos detalhes já existentes na peça e conseguiria estabelecer paralelos com a sociedade e o ambiente político actuais. Nos dias que correm, há mais mulheres na liderança de empresas, mas muitos dos problemas e atitudes que têm de enfrentar não mudaram muito nos últimos trinta anos. A peça termina com Suzanne a assumir o comando da fábrica e a afastar-se do marido e do amante. Eu acrescentei uma terceira parte, na qual o marido volta a conseguir o comando da fábrica. A humilhação e frustração de Suzanne desperta-lhe um sentimento de vingança que a faz entrar no mundo da política. A ideia de uma carreira política é sugerida na peça, quando a um determinado momento ela diz em tom de desafio: “Um dia vou concorrer a um cargo político, eu dirigi uma fábrica, certamente posso dirigir França!”
Durante a adaptação da peça reuni-me regularmente com Pierre Barillet, e ele foi lendo as diferentes versões do que eu ia escrevendo. Apoiou-me muito, deu-me muitas ideias e foi flexível às minhas mudanças na peça. Ficava contente ao ver a peça ganhar nova vida. Nunca me fez sentir que eu estava a trair o trabalho dele.
MANTENDO O AMBIENTE DOS ANOS 70
Ao mantermos a acção a desenrolar-se nos anos 70 conseguimos um distanciamento que nos permitiu fazer referências à actual crise económica com humor, o que era importante para mim. Centrar a acção no presente teria feito com que o filme ficasse muito mais pesado. E deixaria de fazer sentido a força da personagem do Babin: na França dos anos 70 o Partido Comunista reunia 20% dos votos. E a sociedade francesa estava, na altura, bastante mais dividida. As pessoas de direita nunca se misturavam com as pessoas de esquerda, e vice-versa. Eram dois mundos separados, especialmente nas províncias. Naquela altura, se a mulher de um empresário dormisse com um comunista, isso era considerado um acto supremo de traição.
Além disso, foi muito engraçado recrear aquele período. Eu era uma criança em 1970, por isso foi muito divertido brincar com as minhas memórias. Mas não queria cair em nostalgias ou clichés como calças à boca de sino, cor de laranja psicadélico ou a revolução sexual.
Quis criar uma visão relativamente realística dos anos 70. Sobretudo tendo em conta que a história se desenrola numa cidade pequena, e as pessoas que vivem em meios mais pequenos demoram mais tempo a adoptar novas modas e atitudes. A imagem da Suzanne é, de facto, mais dos anos 60, ou mesmo 50.
DO TEATRO DE BOULEVARD AO MELODRAMA
Quando eu li a peça achei-a muito engraçada, mas o que me tocou mais foi a quase trágica relação entre Suzanne e Babin. Tem um forte potencial melodramático: a passagem do tempo, o envelhecimento, a desilusão de amor, uma certa melancolia.
Adoro a cena em que o Babin propõe à Suzanne que fiquem juntos, mas ela diz que eles já são velhos demais para isso. Eu achei que aquela cena sairia melhor se tivesse um tom menos irónico, menos cómico, mais sério. A peça era essencialmente para fazer brilhar a actriz de comédia Jacqueline Maillan e ela desempenhou o seu papel de acordo com isso. As pessoas iam para a ver e para rirem, por isso a sua Suzanne tinha sempre um lado cómico e nunca se chateava muito quando o seu marido ou a sua filha eram maus com ela. Ela tinha sempre a última palavra.
Mas para o filme eu senti que a personagem deveria sentir a dor e a humilhação da agressão verbal e psicológica, por isso a actriz deveria agir em conformidade com isso.
Assim, as primeiras cenas do filme – que fizeram as pessoas rir às gargalhadas na peça – são muito mais cruéis no meu filme. Conseguir essa crueldade mais do que ter apenas uma piada tem os seus custos à medida que o filme avança e Suzanne se liberta dos seus grilhões. Eu queria que os espectadores se identificassem, e se deixassem tocar por esta dondoca que se recusa a continuar na sua concha”. POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA é um filme feminista nesse sentido: ele leva muito a sério a jornada pessoal da personagem principal. Como espectadores gostamos dela, torcemos por ela e ficamos contentes quando ela floresce, como numa história de sucesso americana. Em França o théâtre de boulevard é um género que se caracteriza por muita luz, histórias que são muitas vezes comédias de ultraje. Por regra todas as possíveis transgressões são exploradas – sociais, familiares, emocionais, politicas – mas no final, toda a gente volta à realidade. Os espectadores da classe média querem rir de tudo o que é interessante ou assustador, mas querem também que no final tudo volte ao normal.
Na minha adaptação eu tentei sacudir as coisas de forma a ficarem mais reais: enquanto mulher Suzanne encontra um lugar legítimo na sociedade, alterando a ordem patriarcal instituída, e a um determinado momento pensa-se que o seu filho está a ter uma relação incestuosa, que é aceite.
CATHERINE DENEUVE COMO UMA DONDOCA
Mais do que tentar uma imitação da actriz Jacqueline Maillan decidi fugir ao protótipo e ofereci o papel a Catherine Deneuve, que, como eu já sabia da minha própria experiência com 8 MULHERES, saberia como encarnar a personagem e dar-lhe a profundidade necessária para que os espectadores se identificassem.
Catherine é uma actriz prática, ela faz as situações parecerem reais e cria empatia com a personagem. No início, Suzanne é uma caricatura, tal como são os outros personagens. É a boa mulherzinha do patrão de uma fábrica, numa cidade pequena. Mas gradualmente ela liberta-se e passa por uma série de transformações que resultam numa nova mulher. Usando a personagem como ponto de partida, quis explorar a mulher e depois terminar o filme com a actriz, na cena final. Foi realmente muito agradável voltar a trabalhar com Catherine. Em OITO MULHERES tinha havido alguma tensão, como era uma peça conjunta eu impus-me uma certa neutralidade: ela era apenas uma das oito. Não tivemos oportunidade de estabelecer uma relação. Mas em POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA fomos cúmplices como ladrões, desde o início. Encontrei-me com ela no início do projecto, numa altura em que ainda nem sequer tinha produtor. Perguntei-lhe “gostaria de interpretar uma mulher dondoca?” Ela disse logo que sim. Era importante para mim ter o seu acordo tácito antes de começar o projecto. Ela acompanhou as
diferentes etapas: escrita, produção, escolha de actores. Investiu muito tempo na Suzanne, que adorou. Divertimo-nos muito nas rodagens.
OS HOMENS DE SUZANNE
Para acompanhar Suzanne, precisava de dois pesos pesados, dois homens fortes, capazes de se enfrentarem, dois actores franceses que representam dois estilos de representação diferentes. Quando pensamos num amante cinematográfico para Catherine Deneuve naturalmente vem-nos à cabeça Gérard Depardieu. Eles já representaram como casal tantas vezes que eu sabia que ia funcionar. Há uma espécie de química mágica entre eles. Eu sabia que eles iam gostar de trabalhar juntos e os espectadores iam adorar revê-los juntos, agora como velhos amantes.
Babin é uma das minhas personagens preferidas. É um romântico inveterado, ancorado ao passado e casado com as suas convicções políticas. Ao mesmo tempo é a personagem mais pungente. Ele quer mudar de vida, ser pau, estar com a Suzanne, usufruir dos confortos da classe média: “Não posso ser feliz também?” Não consigo imaginar outro actor a encarnar esta personagem forte, homem rude com um lado vulnerável e sentimental. Gérard rapidamente entrou na pele de Babin. Para o seu cabelo inspiramo-nos no famoso corte à tigela do sindicalista francês Bernard Thibault.
Fabrice Luchini foi uma escolha natural para o papel de Robert Pujol. Pensei que seria arriscado, mas interessante fazer dele o par de Catherine Deneuve. Eles são tão diferentes na maneira como trabalham, na sua aproximação à representação, e nos filmes que fizeram. Eles são um casal improvável, tal como o são Robert e Suzanne, e eu achei que isso ia resultar em algo cómico. Na peça, Robert é o típico marido e patrão escroque. É reaccionário, desonesto e tirano com os seus trabalhadores e com a família, como as personagens que Louis de Funès representou nos anos 70. Mas eu gostei de lhe dar um outro lado, mais infantil. Mais no final do filme, este homem que representa uma autoridade fria e repressiva e um certo chauvinismo masculino, transforma-se num rapazinho, que é protegido pela mulher, quando entra no quarto dela e implora por um beijo. Sabendo o quanto eu tinha gostado do seu trabalho nos filmes de
Eric Rohmer, o Fabrice inicialmente ficou surpreso quando lhe ofereci o papel de Robert Pujol. Mas rapidamente se apropriou da personagem e deu-lhe todo o seu frenético e louco estilo de representação. Ele é um actor destemido que encontra humor no mais ínfimo dos pormenores.
OS FILHOS DE SUZANNE
As outras três personagens – os filhos e a secretária – não eram muito desenvolvidas na peça e não tinham força em si mesmas. Por isso, tive de criar histórias para os enriquecer. Tal como nos filmes de Douglas Sirk, quis mostrar como os filhos podem por vezes ser mais conservadores que os pais. Especialmente na personagem da filha Joëlle que não evolui muito, mas que se revela. No início, esta filhinha do papá acha-se muito moderna e critica a mãe por ser antiquada. Contudo, à medida que a mãe se vai libertando na segunda parte, Joëlle sai do trilho e percebe que ela é que é a conservadora, uma prisioneira das convenções, incapaz de se divorciar ou de fazer um aborto, incapaz de enfrentar a sua própria liberdade. Judith Godrèche rapidamente percebeu que a Joëlle precisava de ser uma verdadeira pirralha, capaz de fazer o mais cruel dos comentários com um sorriso na cara. Ela não estava preocupada em fazer a personagem parecer simpática, sabendo bem o valor de representar a vilã. Ela gostou muito também da transformação física da personagem, divertiu-se com o facto de se tornar numa reencarnação de Farrah Fawcett, com os seus cabelos loiros e sorriso ultra luminoso. Por fora Joëlle parece ser a mais moderna das personagens, mas no seu interior ela é a mais conservadora de todas.
O filho, Paul, é o tipo de personagem que se encontra nas comédias de Molière. Numa tradição que Jacques Demy perpetuou nos seus filmes, os jovens envolvem-se de forma inocente em relações incestuosas, até que um deus ex machina quebra a tensão. Não estava inicialmente previsto que o Paul fosse homossexual, mas eu achei que seria uma boa reviravolta final, levantando a questão: continua a ser incesto se não há o risco de terem filhos? A reviravolta não é o facto de ele ser homossexual – penso que isso até é óbvio desde o início – mas sim o facto de ele se ter envolvido com o seu meio irmão, sem ter consciência disso.
Foi fantástico voltar a trabalhar com Jérémie Renier dez anos depois de LES AMANTS CRIMINELS (1999). Fui seguindo a sua carreira e admiro o seu trabalho como actor. Neste filme eu quis que a personagem dele fosse alegre, jovial e sensual, por oposição aos papéis mais sombrios que ele normalmente desempenha. O seu cabelo louro e a sua figura esbelta eram perfeitos para o seu look anos 70.
A SECRETÁRIA
Karin Viard achou que a sua personagem também devia libertar-se e ganhar consciência política, não estar ali apenas para tirar fotocópias, como na peça. A secretária começa por ter um patrão e depois passa a ter uma patroa, e vai-se modificando à medida que o filme avança: “Aprendi que não é preciso abrir as pernas para subir na vida!” O seu discurso, “Tu serás uma secretária, minha querida”, inspirado no poema de Rudyard Kipling “Se”, tinha-o visto numa reportagem sobre escolas de secretariado, no programa de televisão “Aujourd’hui Madame”. Até à montagem do filme eu não tinha a certeza se iria usar essa cena. É surrealista, não tem lógica narrativa – exceptuando o facto de que aborda a posição da mulher na sociedade – mas a Karin interpretou tão bem essa cena que decidi mantê-la. Ela não tem medo de representar estereótipos, ela transcende-os com profundidade e emoção. Ela é a actriz perfeita para este papel.
A MÚSICA E AS CANÇÕES
Não vi qualquer motivo para transformar a peça num musical, mas quis dar destaque àquela época usando música e canções daquela altura. Para a música original pedi ao Philippe Rombi que se inspirasse nas comédias dos anos 70 e nos temas de Vladimir Cosma e Michel Magne, e para desenvolver duas vertentes: uma cómica, ligada a Robert Pujol, e uma mais sentimental, para ilustrar a história de amor de Suzanne e Babin.
O filme move-se em duas direcções: a de Fabrice Luchini e a de Gérard Depardieu. Catherine Deneuve está no meio, alternando entre a comédia e o melodrama.
A música de Michèle Torr “Emmènemoi danser ce soir” foi top de vendas em França em 1977-78. É sobre uma mulher que pede ao marido para olhar para ela como costumava olhar, que é exactamente o que Suzanne sente no início do filme. Quando a Catherine dança e canta na cozinha, tenta manter-se ligada á realidade da personagem, enquanto continua a fazer as suas tarefas domésticas. Eu quis que os espectadores sentissem que, apesar de tudo, aquela mulher era feliz na sua cozinha. Quando terminamos de filmar aquela cena, depois de já ter esvaziado a máquina de lavar loiça uma dúzia de vezes, a Catherine disse-me: “Isto fez-me lembrar a cena do bolo do amor em PEAU D´ÂNE”. Eu não percebi a relação, mas ainda assim gostei do reparo dela.
Para a cena da dança no Badaboum, Benjamin Biolay sugeriu uma música que eu não conhecia Viens faire un tour sous la pluie, de um grupo chamado “Il était une fois”. A música tinha a vantagem de ser da época e de ter dois registos diferentes, um lento e outro mais ritmado, bem ao género Bee Gees. Esta dança entre a Suzanne e o Babin é uma celebração do lendário par Deneuve/Depardieu. É intencionalmente artificial. Eles olham directamente para a câmara. É um momento em que o tempo pára, um pouco mágico. Naquele momento não procuro nenhum realismo, queria apenas captar a essência daquelas duas pessoas a partilharem um momento de grande ternura.
A música que a Suzanne canta no final do filme C´est beau la vie foi escrita em 1960 por Jean Ferrat, para Isabelle Aubret que tinha sobrevivido a um grave acidente de carro. Usar a música num contexto político – na última etapa da corrida, depois de termos acompanhado a Suzanne no seu caminho para a liberdade – dá-lhe outra dimensão. Tanto eu como o Benjamin Biolay queríamos que a voz da Catherine sobressaísse, natural, com toda a sua fragilidade e sinceridade. O argumento não tinha a cena em que Babin ouve Suzanne na rádio, mas improvisei esta cena com o Gérard no final das filmagens. Eu queria voltar a colocá-lo no ecrã depois da conversa telefónica deles, por isso pus a música e deixei-o improvisar. Vendo-o ouvir a voz da Catherine e a cantar com ela foi um dos momentos mais tocantes da rodagem.
ENTREVISTA COM CATHERINE DENEUVE
François Ozon convidou-a para POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA numa fase muito inicial do projecto.
Sim, tal como já tinha feito com OITO MULHERES. Eu estive envolvida no projecto desde o princípio até ao fim. Eu gosto de entrar nos projectos logo no início, compreender mesmo o filme, dar a minha opinião, discutir ideias. Eu tentei seguir as orientações do François. Ele é muito bom a mostrar aquilo que quer fazer. Alguns actores preferem começar a trabalhar apenas quando o argumento está terminado, mas eu gosto de começar um pouco antes. Preciso de ter informações diversas para que a personagem vá ganhando forma, não consigo criar a personagem sozinha. Tenho uma ideia de como ela será, claro, mas não lhe consigo dar vida se me mantiver sempre no abstracto.
Como foi a sua primeira reacção ao projecto?
Eu conhecia o trabalho de Jacqueline Maillan, mas não conhecia a peça de Barillet e Grédy, a qual aliás ainda não li ou vi. Mas quando o François me falou da peça e da sua intenção de a adaptar, eu achei fantástico.
Primeiro por ser ele: ele tem um talento único para desconstruir e eu sabia que ele iria dar-lhe a forma certa, uma abordagem irónica e moderna a esta peça “boulevard”, termo que não considero nada pejorativo. Eu conseguia facilmente antever o que ele ia fazer. E depois havia o prazer de voltar a trabalhar com ele. Ele escreveu um argumento que mostra o verdadeiro papel da mulher na sociedade actual. Obviamente que as coisas mudaram nos últimos trinta anos, mas essa mudança em alguns aspectos não é assim tão grande. A peça tem lugar em 1970, mas grande parte do que nela acontece continua actual: greves, patrões que são feitos reféns, as mulheres não tendo muito poder, pelo menos quando comparadas com os homens… Essa luta está longe de terminar.
Quando a sua personagem se envolve na política, vem-nos à memória Ségolène Royal.
Eu tinha uma série de imagens e exemplos em mente ao longo do filme, conforme as situações.
Exemplos de pessoas que conheço, imagens simbólicas, nomes que não revelo porque se o fizesse isso poderia distorcer ou tornar banal a mensagem. Mas uma coisa é certa: pensei em muitas pessoas diferentes.
Esteve bastante envolvida no movimento feminista nos anos 70, nomeadamente quando assinou o Manifesto das 343 pelo direito ao aborto.
Não pensei nisso enquanto trabalhava neste filme, mas claro que isso faz parte de mim. Quando a Joëlle, a minha filha no filme, me diz que não vai fazer um aborto, isso leva-me de volta a esse tempo. Estar grávida, não querer ou não poder fazer um aborto, não ser capaz de deixar o marido… lembro-me de como eram comuns estes dilemas. As mulheres mais jovens sempre tiveram esse direito, elas nem têm ideia de como as coisas mudaram nos últimos trinta anos. Devo dizer que tudo isto aconteceu de forma incrivelmente rápida.
Como é que foi o seu reencontro com o François Ozon?
O facto de já termos trabalhado juntos tornou tudo muito mais fácil. Eu conhecia-o e ele conhecia-me e isso fez-nos poupar muito tempo. Foi muito bom, porque eu estava um pouco apreensiva com o mapa de rodagens e com o facto de eu estar em quase todas as cenas. De facto foi uma rodagem em ritmo acelerado, reflectindo o ritmo do filme. O François nunca perde tempo, com ele nunca se fica à espera que as coisas avancem. Ele é rápido, intenso, claro, incisivo, efervescente. E ao mesmo tempo é muito meticuloso. Senti que estávamos a trabalhar em sintonia. O filme estava muito bem estruturado no argumento, mas dentro dessa estrutura o François deu muita liberdade aos actores. Senti-me muito por dentro do projecto e do filme. Senti sempre que estava a ser valorizada. E depois havia ainda o facto de estarmos a rodar na Bélgica. É sempre melhor filmar fora de Paris. Está-se com os outros muito mais do que quando a seguir às filmagens cada um vai para sua casa, isso cria um melhor espírito de equipa. A rodagem foi muito intensa e alegre. A equipa belga era fantástica. Sentimo-nos muito tristes quando tivemos de nos despedir. O ambiente nas rodagens é sempre imprevisível, depende muito do realizador e da equipa, mas é crucial para o sucesso de um filme, sobretudo se estivermos a falar de uma comédia. É necessário que haja uma certa leveza e alegria em tudo. No entanto, quando terminei a rodagem e olhando para trás o ritmo a que trabalhamos pareceu-me brutal.
É impressionante a sua capacidade de tornar reais as personagens.
Divertimo-nos e, ao mesmo tempo, sentimo-nos tocados pela personagem da Suzanne.
Sim, há uma mistura de comédia e emoção. Eu queria realmente ser sincera, encarnar a personagem e as situações de forma natural. Eu e o François discutimos isso demoradamente. Eu queria evitar ser demasiado teatral, ser o mais genuína possível, criar empatia com a personagem, mostrar o quanto ela era oprimida pelo seu autoritário marido. Dessa forma, quando a Suzanne tem sucesso nós gostamos desse volte face, ficamos felizes por ela ter
conseguido a sua vingança.
O guarda roupa de Suzanne vai evoluindo ao longo do filme. Isso ajudou-a a entrar na personagem?
Sim, sem dúvida. Senti isso também no filme PRINCESSE MARIE, de Benoit Jacquot. Quando há um grande cuidado com a indumentária, alguma coisa acontece com a personagem a um nível subconsciente, a roupa conduz as atitudes. Pascaline Chavanne é uma óptima designer. Ela é uma mina de ouro, faz pesquisas incríveis e depois propões um leque variado de opções. Gradualmente o estilo da personagem começa a ser visível, o que ajuda muito quando se está a desempenhar um papel muito diferente do tipo de personagens que costumamos representar, como me acontece em POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA. Não havia nada pré-definido, mas durante as provas tudo começou a fazer sentido, percebemos que cores e cortes funcionavam. A ideia era adequando o guarda-roupa à época em que o filme se desenrola descobrir o estilo da personagem. A roupa precisava de ser ao mesmo tempo engraçada e credível.
A roupa mais improvável é o fato de treino vermelho que Suzanne usa no inicio do filme, quando ainda é a boa dona de casa burguesa.
Esse fato de treino foi feito usando um molde e materiais usados nos anos 70. Esta indumentária direcciona a personagem para a mudança que ela vai sofrer, mas neste momento ela ainda tem os rolos no cabelo! Os rolos foram ideia minha, para contrariar o lado mais moderno que o fato de treino lhe dá. Se ela tivesse usado uma fita na cabeça pareceria uma burguesa liberal, coisa que naquela altura ela ainda não era. Precisávamos de algo subtil para que aquela primeira cena marcasse logo o tom do filme.
Como foi o reencontro com Gérard Depardieu?
Ao longo dos anos fomo-nos reencontrando diversas vezes. E de todas as vezes foi sempre muito
natural. Eu gosto dele e admiro-o muito. Ele é um actor que é muito solícito e caloroso com os colegas. Além disso é muito engraçado e… muito impaciente. Ele não gosta de ensaiar, gosta de gravar, tem tendência a querer apressar as coisas. Felizmente, o François é igual. Eu acho que o Gérard se divertiu muito no papel de sindicalista. Ele estava muito à vontade no papel, as cenas fluíram naturalmente. François aproveitou o enorme carisma de Gérard. Ele sabia que ao tê-lo a desempenhar o papel tudo o resto correria bem.
Por outro lado, esta é a primeira vez que trabalha com Fabrice Luchini.
Gérard é instintivo e muito directo na forma como trabalha, enquanto que o Fabrice passa bastante tempo a preparar-se. Quando chega ao cenário já desenvolveu totalmente a personagem. Ele é acima de tudo um actor de teatro. Com Gérard pode mudar-se tudo em cima da hora. Com o Fabrice isso é mais complicado porque a sua forma de trabalhar é oposta à do Gérard. Ele é brilhante e hilariante no papel. Consegue dar a Pujol toda a sua irascibilidade e nervosismo, e depois transforma-o numa personagem simpática quando Pujol percebe finalmente que ninguém é indispensável, nem mesmo ele. Ele não é nenhum Cidadão Hearst!
OITO MULHERES e POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA eram ambos originalmente peças de teatro, mas muito diferentes uma da outra.
Sim, para mim, os dois filmes estão em extremos opostos. Antes de mais OITO MULHERES foi rodado num único cenário, ao passo que POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA foi rodado em diferentes cenários e locais. Não são o mesmo género de história e, sobretudo, havia muito menos emoção em OITO MULHERES. O filme baseava-se noutras coisas: a cumplicidade entre as actrizes, a relação mãe-filha. O tom era mais alegre.
Não faz teatro, mas não tem medo de desempenhar papeis teatrais no cinema.
Certo, porque o cinema e o teatro são completamente diferentes. Actuação teatral em cinema continua a ser cinema. O que me assusta no teatro é a unidade do espaço, o facto de que tudo tem de ser planeado e decidido à priori, tudo está preparado, está-se sempre a fazer a mesma coisa. Eu não lido bem com isso, nem com o medo do palco, assusta-me ser o centra das atenções de uma plateia. Continuo a não conseguir imaginar-me a trabalhar em teatro.
Apesar desta história tão atarefada e de ter acrescentado coisas à peça original, sobretudo o elemento da emancipação feminina, Ozon não perde o controlo do leme cinematográfico nem dá fífias na recriação das decorações, cores, sons e atitudes dos anos 80. E é sempre um gosto ver juntos Deneuve e Depardieu, o par “histórico” do cinema francês, desde que contracenaram pela primeira vez em O Último Metro, de François Truffaut. Precisamente em 1980.
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Sérgio Abranches, Timeout
Com "Minha Rica Mulherzinha", Ozon fala a brincar de coisas sérias e dá a Catherine Deneuve um papel deliciosamente efusivo.
François Ozon passa a vida a dar guinadas numa carreira que parece apenas conduzida pela sua vontade de fazer um filme diferente do que fez antes, mesmo que se detectem no seu cinema dois temas centrais que ressurgem repetidamente (o papel da mulher na sociedade contemporânea, e o confronto quotidiano com a família). Não devia, por isso, ser uma surpresa vê-lo a abraçar a alta comédia em "Minha Rica Mulherzinha", adaptação de um grande êxito do teatro de boulevard de 1980, a seguir ao melodrama de "O Refúgio" e à fantasia surreal de "Ricky".
Nem vê-lo a introduzir essas suas marcas registadas na história de uma dona de casa provinciana que, forçada a assumir o lugar do marido, patrão tirânico, na fábrica familiar, se torna numa patroa exemplar e descobre que a sociedade não está forçosamente interessada em reconhecer o seu valor. Ozon aproveita, ao mesmo tempo, para lançar o seu proverbial olhar entomológico sobre uma sociedade que não mudou assim tanto nos trinta anos que passaram desde a criação da peça, e para exultar com a oportunidade de devolver algumas cartas de alforria a uma comédia francesa que há muito não víamos tão descontraída.
É inevitável pensar nas "8 Mulheres" que fizeram de Ozon um dos jovens cineastas franceses mais em vista, e de facto "Minha Rica Mulherzinha" partilha com essa comédia algum ADN de artifício deliberado, mas sente-se aqui uma outra gravidade e uma elegância mais reservada onde o anterior era um filme muito mais sulfuroso e ácido. Filmado de modo abertamente "seventies", mas sem nostalgia serôdia e sempre com uma piscadela de olho meta-referencial que pede a cumplicidade do espectador, simultaneamente irónico e afectuoso, o filme procura transcender as limitações da peça que lhe está na origem sem por isso negar o prazer de desfrutar das suas convenções a um nível puramente epidérmico. E o prazer enorme de ver Catherine Deneuve numa performance deliciosamente efusiva, recordando como a diva icónica do cinema francês também pode ser uma actriz de comédia de primeiríssima água, já chegaria para recomendar "Minha Rica Mulherzinha".
Mas este é um filme muito mais esquivo do que parece, que esconde ainda uma sátira política inspirada pelo confronto eleitoral entre Nicolas Sarkozy e Ségolène Royal e um retrato de mulher que se decide a tomar o seu destino nas mãos pelo meio de uma comédia muito mais séria do que o primeiro embate pode dar a entender.
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Jorge Mourinha, Ípsilon
DECLARAÇÕES DE FRANÇOIS OZON
NO PRINCÍPIO…
Desde há muito tempo que eu queria fazer um filme sobre o papel social e político da mulher. Quando há dez anos atrás assisti à peça POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA de Barillet e Grédy, ocorreu-me imediatamente que ali havia material para um filme. Mas demorei muito tempo a apropriar-me do texto, a perceber como iria adaptá-lo e a dar-lhe actualidade. Senti que conseguiria dar-lhe o tom das comédias excêntricas, mas não queria acabar a fazer um filme voltado para o passado, desligado da realidade.
Existiram dois catalisadores para que o projecto avançasse. Primeiro, conhecer os irmãos Altmayer, produtores, que me propuseram que fizesse um filme político sobre Nicolas Sarkozy, à semelhança de A Rainha, de Stephen Frears. Segundo, as eleições presidenciais francesas em 2007, durante as quais eu acompanhei a candidatura de Ségolène Royal com interesse.
ADAPTAR A PEÇA
Rapidamente percebi que o trabalho de adaptação desta peça iria ser muito diferente do que tinha feito nas duas anteriores peças que adaptei. Ambas as anteriores tinham lugar em cenários muito confinados, por isso a minha abordagem foi intencionalmente teatral. GOUTTES D’EAU SUR PIERRES BRÛLANTES era sobre constrangimentos e a prisão emocional de um casal. OITO MULHERES foi a oportunidade de colocar um grupo de mulheres – actrizes – numa jaula e observar o comportamento delas.
POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA é uma história de emancipação. É sobre libertar Suzanne da sua jaula de forma a ela poder percorrer o mundo lá fora. O filme foi filmado maioritariamente em exteriores, ao contrário dos outros dois que tinham sido filmados totalmente em estúdio. À medida que ia trabalhando na adaptação fui-me apercebendo que bastava ajustar pequenos detalhes já existentes na peça e conseguiria estabelecer paralelos com a sociedade e o ambiente político actuais. Nos dias que correm, há mais mulheres na liderança de empresas, mas muitos dos problemas e atitudes que têm de enfrentar não mudaram muito nos últimos trinta anos. A peça termina com Suzanne a assumir o comando da fábrica e a afastar-se do marido e do amante. Eu acrescentei uma terceira parte, na qual o marido volta a conseguir o comando da fábrica. A humilhação e frustração de Suzanne desperta-lhe um sentimento de vingança que a faz entrar no mundo da política. A ideia de uma carreira política é sugerida na peça, quando a um determinado momento ela diz em tom de desafio: “Um dia vou concorrer a um cargo político, eu dirigi uma fábrica, certamente posso dirigir França!”
Durante a adaptação da peça reuni-me regularmente com Pierre Barillet, e ele foi lendo as diferentes versões do que eu ia escrevendo. Apoiou-me muito, deu-me muitas ideias e foi flexível às minhas mudanças na peça. Ficava contente ao ver a peça ganhar nova vida. Nunca me fez sentir que eu estava a trair o trabalho dele.
MANTENDO O AMBIENTE DOS ANOS 70
Ao mantermos a acção a desenrolar-se nos anos 70 conseguimos um distanciamento que nos permitiu fazer referências à actual crise económica com humor, o que era importante para mim. Centrar a acção no presente teria feito com que o filme ficasse muito mais pesado. E deixaria de fazer sentido a força da personagem do Babin: na França dos anos 70 o Partido Comunista reunia 20% dos votos. E a sociedade francesa estava, na altura, bastante mais dividida. As pessoas de direita nunca se misturavam com as pessoas de esquerda, e vice-versa. Eram dois mundos separados, especialmente nas províncias. Naquela altura, se a mulher de um empresário dormisse com um comunista, isso era considerado um acto supremo de traição.
Além disso, foi muito engraçado recrear aquele período. Eu era uma criança em 1970, por isso foi muito divertido brincar com as minhas memórias. Mas não queria cair em nostalgias ou clichés como calças à boca de sino, cor de laranja psicadélico ou a revolução sexual.
Quis criar uma visão relativamente realística dos anos 70. Sobretudo tendo em conta que a história se desenrola numa cidade pequena, e as pessoas que vivem em meios mais pequenos demoram mais tempo a adoptar novas modas e atitudes. A imagem da Suzanne é, de facto, mais dos anos 60, ou mesmo 50.
DO TEATRO DE BOULEVARD AO MELODRAMA
Quando eu li a peça achei-a muito engraçada, mas o que me tocou mais foi a quase trágica relação entre Suzanne e Babin. Tem um forte potencial melodramático: a passagem do tempo, o envelhecimento, a desilusão de amor, uma certa melancolia.
Adoro a cena em que o Babin propõe à Suzanne que fiquem juntos, mas ela diz que eles já são velhos demais para isso. Eu achei que aquela cena sairia melhor se tivesse um tom menos irónico, menos cómico, mais sério. A peça era essencialmente para fazer brilhar a actriz de comédia Jacqueline Maillan e ela desempenhou o seu papel de acordo com isso. As pessoas iam para a ver e para rirem, por isso a sua Suzanne tinha sempre um lado cómico e nunca se chateava muito quando o seu marido ou a sua filha eram maus com ela. Ela tinha sempre a última palavra.
Mas para o filme eu senti que a personagem deveria sentir a dor e a humilhação da agressão verbal e psicológica, por isso a actriz deveria agir em conformidade com isso.
Assim, as primeiras cenas do filme – que fizeram as pessoas rir às gargalhadas na peça – são muito mais cruéis no meu filme. Conseguir essa crueldade mais do que ter apenas uma piada tem os seus custos à medida que o filme avança e Suzanne se liberta dos seus grilhões. Eu queria que os espectadores se identificassem, e se deixassem tocar por esta dondoca que se recusa a continuar na sua concha”. POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA é um filme feminista nesse sentido: ele leva muito a sério a jornada pessoal da personagem principal. Como espectadores gostamos dela, torcemos por ela e ficamos contentes quando ela floresce, como numa história de sucesso americana. Em França o théâtre de boulevard é um género que se caracteriza por muita luz, histórias que são muitas vezes comédias de ultraje. Por regra todas as possíveis transgressões são exploradas – sociais, familiares, emocionais, politicas – mas no final, toda a gente volta à realidade. Os espectadores da classe média querem rir de tudo o que é interessante ou assustador, mas querem também que no final tudo volte ao normal.
Na minha adaptação eu tentei sacudir as coisas de forma a ficarem mais reais: enquanto mulher Suzanne encontra um lugar legítimo na sociedade, alterando a ordem patriarcal instituída, e a um determinado momento pensa-se que o seu filho está a ter uma relação incestuosa, que é aceite.
CATHERINE DENEUVE COMO UMA DONDOCA
Mais do que tentar uma imitação da actriz Jacqueline Maillan decidi fugir ao protótipo e ofereci o papel a Catherine Deneuve, que, como eu já sabia da minha própria experiência com 8 MULHERES, saberia como encarnar a personagem e dar-lhe a profundidade necessária para que os espectadores se identificassem.
Catherine é uma actriz prática, ela faz as situações parecerem reais e cria empatia com a personagem. No início, Suzanne é uma caricatura, tal como são os outros personagens. É a boa mulherzinha do patrão de uma fábrica, numa cidade pequena. Mas gradualmente ela liberta-se e passa por uma série de transformações que resultam numa nova mulher. Usando a personagem como ponto de partida, quis explorar a mulher e depois terminar o filme com a actriz, na cena final. Foi realmente muito agradável voltar a trabalhar com Catherine. Em OITO MULHERES tinha havido alguma tensão, como era uma peça conjunta eu impus-me uma certa neutralidade: ela era apenas uma das oito. Não tivemos oportunidade de estabelecer uma relação. Mas em POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA fomos cúmplices como ladrões, desde o início. Encontrei-me com ela no início do projecto, numa altura em que ainda nem sequer tinha produtor. Perguntei-lhe “gostaria de interpretar uma mulher dondoca?” Ela disse logo que sim. Era importante para mim ter o seu acordo tácito antes de começar o projecto. Ela acompanhou as
diferentes etapas: escrita, produção, escolha de actores. Investiu muito tempo na Suzanne, que adorou. Divertimo-nos muito nas rodagens.
OS HOMENS DE SUZANNE
Para acompanhar Suzanne, precisava de dois pesos pesados, dois homens fortes, capazes de se enfrentarem, dois actores franceses que representam dois estilos de representação diferentes. Quando pensamos num amante cinematográfico para Catherine Deneuve naturalmente vem-nos à cabeça Gérard Depardieu. Eles já representaram como casal tantas vezes que eu sabia que ia funcionar. Há uma espécie de química mágica entre eles. Eu sabia que eles iam gostar de trabalhar juntos e os espectadores iam adorar revê-los juntos, agora como velhos amantes.
Babin é uma das minhas personagens preferidas. É um romântico inveterado, ancorado ao passado e casado com as suas convicções políticas. Ao mesmo tempo é a personagem mais pungente. Ele quer mudar de vida, ser pau, estar com a Suzanne, usufruir dos confortos da classe média: “Não posso ser feliz também?” Não consigo imaginar outro actor a encarnar esta personagem forte, homem rude com um lado vulnerável e sentimental. Gérard rapidamente entrou na pele de Babin. Para o seu cabelo inspiramo-nos no famoso corte à tigela do sindicalista francês Bernard Thibault.
Fabrice Luchini foi uma escolha natural para o papel de Robert Pujol. Pensei que seria arriscado, mas interessante fazer dele o par de Catherine Deneuve. Eles são tão diferentes na maneira como trabalham, na sua aproximação à representação, e nos filmes que fizeram. Eles são um casal improvável, tal como o são Robert e Suzanne, e eu achei que isso ia resultar em algo cómico. Na peça, Robert é o típico marido e patrão escroque. É reaccionário, desonesto e tirano com os seus trabalhadores e com a família, como as personagens que Louis de Funès representou nos anos 70. Mas eu gostei de lhe dar um outro lado, mais infantil. Mais no final do filme, este homem que representa uma autoridade fria e repressiva e um certo chauvinismo masculino, transforma-se num rapazinho, que é protegido pela mulher, quando entra no quarto dela e implora por um beijo. Sabendo o quanto eu tinha gostado do seu trabalho nos filmes de
Eric Rohmer, o Fabrice inicialmente ficou surpreso quando lhe ofereci o papel de Robert Pujol. Mas rapidamente se apropriou da personagem e deu-lhe todo o seu frenético e louco estilo de representação. Ele é um actor destemido que encontra humor no mais ínfimo dos pormenores.
OS FILHOS DE SUZANNE
As outras três personagens – os filhos e a secretária – não eram muito desenvolvidas na peça e não tinham força em si mesmas. Por isso, tive de criar histórias para os enriquecer. Tal como nos filmes de Douglas Sirk, quis mostrar como os filhos podem por vezes ser mais conservadores que os pais. Especialmente na personagem da filha Joëlle que não evolui muito, mas que se revela. No início, esta filhinha do papá acha-se muito moderna e critica a mãe por ser antiquada. Contudo, à medida que a mãe se vai libertando na segunda parte, Joëlle sai do trilho e percebe que ela é que é a conservadora, uma prisioneira das convenções, incapaz de se divorciar ou de fazer um aborto, incapaz de enfrentar a sua própria liberdade. Judith Godrèche rapidamente percebeu que a Joëlle precisava de ser uma verdadeira pirralha, capaz de fazer o mais cruel dos comentários com um sorriso na cara. Ela não estava preocupada em fazer a personagem parecer simpática, sabendo bem o valor de representar a vilã. Ela gostou muito também da transformação física da personagem, divertiu-se com o facto de se tornar numa reencarnação de Farrah Fawcett, com os seus cabelos loiros e sorriso ultra luminoso. Por fora Joëlle parece ser a mais moderna das personagens, mas no seu interior ela é a mais conservadora de todas.
O filho, Paul, é o tipo de personagem que se encontra nas comédias de Molière. Numa tradição que Jacques Demy perpetuou nos seus filmes, os jovens envolvem-se de forma inocente em relações incestuosas, até que um deus ex machina quebra a tensão. Não estava inicialmente previsto que o Paul fosse homossexual, mas eu achei que seria uma boa reviravolta final, levantando a questão: continua a ser incesto se não há o risco de terem filhos? A reviravolta não é o facto de ele ser homossexual – penso que isso até é óbvio desde o início – mas sim o facto de ele se ter envolvido com o seu meio irmão, sem ter consciência disso.
Foi fantástico voltar a trabalhar com Jérémie Renier dez anos depois de LES AMANTS CRIMINELS (1999). Fui seguindo a sua carreira e admiro o seu trabalho como actor. Neste filme eu quis que a personagem dele fosse alegre, jovial e sensual, por oposição aos papéis mais sombrios que ele normalmente desempenha. O seu cabelo louro e a sua figura esbelta eram perfeitos para o seu look anos 70.
A SECRETÁRIA
Karin Viard achou que a sua personagem também devia libertar-se e ganhar consciência política, não estar ali apenas para tirar fotocópias, como na peça. A secretária começa por ter um patrão e depois passa a ter uma patroa, e vai-se modificando à medida que o filme avança: “Aprendi que não é preciso abrir as pernas para subir na vida!” O seu discurso, “Tu serás uma secretária, minha querida”, inspirado no poema de Rudyard Kipling “Se”, tinha-o visto numa reportagem sobre escolas de secretariado, no programa de televisão “Aujourd’hui Madame”. Até à montagem do filme eu não tinha a certeza se iria usar essa cena. É surrealista, não tem lógica narrativa – exceptuando o facto de que aborda a posição da mulher na sociedade – mas a Karin interpretou tão bem essa cena que decidi mantê-la. Ela não tem medo de representar estereótipos, ela transcende-os com profundidade e emoção. Ela é a actriz perfeita para este papel.
A MÚSICA E AS CANÇÕES
Não vi qualquer motivo para transformar a peça num musical, mas quis dar destaque àquela época usando música e canções daquela altura. Para a música original pedi ao Philippe Rombi que se inspirasse nas comédias dos anos 70 e nos temas de Vladimir Cosma e Michel Magne, e para desenvolver duas vertentes: uma cómica, ligada a Robert Pujol, e uma mais sentimental, para ilustrar a história de amor de Suzanne e Babin.
O filme move-se em duas direcções: a de Fabrice Luchini e a de Gérard Depardieu. Catherine Deneuve está no meio, alternando entre a comédia e o melodrama.
A música de Michèle Torr “Emmènemoi danser ce soir” foi top de vendas em França em 1977-78. É sobre uma mulher que pede ao marido para olhar para ela como costumava olhar, que é exactamente o que Suzanne sente no início do filme. Quando a Catherine dança e canta na cozinha, tenta manter-se ligada á realidade da personagem, enquanto continua a fazer as suas tarefas domésticas. Eu quis que os espectadores sentissem que, apesar de tudo, aquela mulher era feliz na sua cozinha. Quando terminamos de filmar aquela cena, depois de já ter esvaziado a máquina de lavar loiça uma dúzia de vezes, a Catherine disse-me: “Isto fez-me lembrar a cena do bolo do amor em PEAU D´ÂNE”. Eu não percebi a relação, mas ainda assim gostei do reparo dela.
Para a cena da dança no Badaboum, Benjamin Biolay sugeriu uma música que eu não conhecia Viens faire un tour sous la pluie, de um grupo chamado “Il était une fois”. A música tinha a vantagem de ser da época e de ter dois registos diferentes, um lento e outro mais ritmado, bem ao género Bee Gees. Esta dança entre a Suzanne e o Babin é uma celebração do lendário par Deneuve/Depardieu. É intencionalmente artificial. Eles olham directamente para a câmara. É um momento em que o tempo pára, um pouco mágico. Naquele momento não procuro nenhum realismo, queria apenas captar a essência daquelas duas pessoas a partilharem um momento de grande ternura.
A música que a Suzanne canta no final do filme C´est beau la vie foi escrita em 1960 por Jean Ferrat, para Isabelle Aubret que tinha sobrevivido a um grave acidente de carro. Usar a música num contexto político – na última etapa da corrida, depois de termos acompanhado a Suzanne no seu caminho para a liberdade – dá-lhe outra dimensão. Tanto eu como o Benjamin Biolay queríamos que a voz da Catherine sobressaísse, natural, com toda a sua fragilidade e sinceridade. O argumento não tinha a cena em que Babin ouve Suzanne na rádio, mas improvisei esta cena com o Gérard no final das filmagens. Eu queria voltar a colocá-lo no ecrã depois da conversa telefónica deles, por isso pus a música e deixei-o improvisar. Vendo-o ouvir a voz da Catherine e a cantar com ela foi um dos momentos mais tocantes da rodagem.
ENTREVISTA COM CATHERINE DENEUVE
François Ozon convidou-a para POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA numa fase muito inicial do projecto.
Sim, tal como já tinha feito com OITO MULHERES. Eu estive envolvida no projecto desde o princípio até ao fim. Eu gosto de entrar nos projectos logo no início, compreender mesmo o filme, dar a minha opinião, discutir ideias. Eu tentei seguir as orientações do François. Ele é muito bom a mostrar aquilo que quer fazer. Alguns actores preferem começar a trabalhar apenas quando o argumento está terminado, mas eu gosto de começar um pouco antes. Preciso de ter informações diversas para que a personagem vá ganhando forma, não consigo criar a personagem sozinha. Tenho uma ideia de como ela será, claro, mas não lhe consigo dar vida se me mantiver sempre no abstracto.
Como foi a sua primeira reacção ao projecto?
Eu conhecia o trabalho de Jacqueline Maillan, mas não conhecia a peça de Barillet e Grédy, a qual aliás ainda não li ou vi. Mas quando o François me falou da peça e da sua intenção de a adaptar, eu achei fantástico.
Primeiro por ser ele: ele tem um talento único para desconstruir e eu sabia que ele iria dar-lhe a forma certa, uma abordagem irónica e moderna a esta peça “boulevard”, termo que não considero nada pejorativo. Eu conseguia facilmente antever o que ele ia fazer. E depois havia o prazer de voltar a trabalhar com ele. Ele escreveu um argumento que mostra o verdadeiro papel da mulher na sociedade actual. Obviamente que as coisas mudaram nos últimos trinta anos, mas essa mudança em alguns aspectos não é assim tão grande. A peça tem lugar em 1970, mas grande parte do que nela acontece continua actual: greves, patrões que são feitos reféns, as mulheres não tendo muito poder, pelo menos quando comparadas com os homens… Essa luta está longe de terminar.
Quando a sua personagem se envolve na política, vem-nos à memória Ségolène Royal.
Eu tinha uma série de imagens e exemplos em mente ao longo do filme, conforme as situações.
Exemplos de pessoas que conheço, imagens simbólicas, nomes que não revelo porque se o fizesse isso poderia distorcer ou tornar banal a mensagem. Mas uma coisa é certa: pensei em muitas pessoas diferentes.
Esteve bastante envolvida no movimento feminista nos anos 70, nomeadamente quando assinou o Manifesto das 343 pelo direito ao aborto.
Não pensei nisso enquanto trabalhava neste filme, mas claro que isso faz parte de mim. Quando a Joëlle, a minha filha no filme, me diz que não vai fazer um aborto, isso leva-me de volta a esse tempo. Estar grávida, não querer ou não poder fazer um aborto, não ser capaz de deixar o marido… lembro-me de como eram comuns estes dilemas. As mulheres mais jovens sempre tiveram esse direito, elas nem têm ideia de como as coisas mudaram nos últimos trinta anos. Devo dizer que tudo isto aconteceu de forma incrivelmente rápida.
Como é que foi o seu reencontro com o François Ozon?
O facto de já termos trabalhado juntos tornou tudo muito mais fácil. Eu conhecia-o e ele conhecia-me e isso fez-nos poupar muito tempo. Foi muito bom, porque eu estava um pouco apreensiva com o mapa de rodagens e com o facto de eu estar em quase todas as cenas. De facto foi uma rodagem em ritmo acelerado, reflectindo o ritmo do filme. O François nunca perde tempo, com ele nunca se fica à espera que as coisas avancem. Ele é rápido, intenso, claro, incisivo, efervescente. E ao mesmo tempo é muito meticuloso. Senti que estávamos a trabalhar em sintonia. O filme estava muito bem estruturado no argumento, mas dentro dessa estrutura o François deu muita liberdade aos actores. Senti-me muito por dentro do projecto e do filme. Senti sempre que estava a ser valorizada. E depois havia ainda o facto de estarmos a rodar na Bélgica. É sempre melhor filmar fora de Paris. Está-se com os outros muito mais do que quando a seguir às filmagens cada um vai para sua casa, isso cria um melhor espírito de equipa. A rodagem foi muito intensa e alegre. A equipa belga era fantástica. Sentimo-nos muito tristes quando tivemos de nos despedir. O ambiente nas rodagens é sempre imprevisível, depende muito do realizador e da equipa, mas é crucial para o sucesso de um filme, sobretudo se estivermos a falar de uma comédia. É necessário que haja uma certa leveza e alegria em tudo. No entanto, quando terminei a rodagem e olhando para trás o ritmo a que trabalhamos pareceu-me brutal.
É impressionante a sua capacidade de tornar reais as personagens.
Divertimo-nos e, ao mesmo tempo, sentimo-nos tocados pela personagem da Suzanne.
Sim, há uma mistura de comédia e emoção. Eu queria realmente ser sincera, encarnar a personagem e as situações de forma natural. Eu e o François discutimos isso demoradamente. Eu queria evitar ser demasiado teatral, ser o mais genuína possível, criar empatia com a personagem, mostrar o quanto ela era oprimida pelo seu autoritário marido. Dessa forma, quando a Suzanne tem sucesso nós gostamos desse volte face, ficamos felizes por ela ter
conseguido a sua vingança.
O guarda roupa de Suzanne vai evoluindo ao longo do filme. Isso ajudou-a a entrar na personagem?
Sim, sem dúvida. Senti isso também no filme PRINCESSE MARIE, de Benoit Jacquot. Quando há um grande cuidado com a indumentária, alguma coisa acontece com a personagem a um nível subconsciente, a roupa conduz as atitudes. Pascaline Chavanne é uma óptima designer. Ela é uma mina de ouro, faz pesquisas incríveis e depois propões um leque variado de opções. Gradualmente o estilo da personagem começa a ser visível, o que ajuda muito quando se está a desempenhar um papel muito diferente do tipo de personagens que costumamos representar, como me acontece em POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA. Não havia nada pré-definido, mas durante as provas tudo começou a fazer sentido, percebemos que cores e cortes funcionavam. A ideia era adequando o guarda-roupa à época em que o filme se desenrola descobrir o estilo da personagem. A roupa precisava de ser ao mesmo tempo engraçada e credível.
A roupa mais improvável é o fato de treino vermelho que Suzanne usa no inicio do filme, quando ainda é a boa dona de casa burguesa.
Esse fato de treino foi feito usando um molde e materiais usados nos anos 70. Esta indumentária direcciona a personagem para a mudança que ela vai sofrer, mas neste momento ela ainda tem os rolos no cabelo! Os rolos foram ideia minha, para contrariar o lado mais moderno que o fato de treino lhe dá. Se ela tivesse usado uma fita na cabeça pareceria uma burguesa liberal, coisa que naquela altura ela ainda não era. Precisávamos de algo subtil para que aquela primeira cena marcasse logo o tom do filme.
Como foi o reencontro com Gérard Depardieu?
Ao longo dos anos fomo-nos reencontrando diversas vezes. E de todas as vezes foi sempre muito
natural. Eu gosto dele e admiro-o muito. Ele é um actor que é muito solícito e caloroso com os colegas. Além disso é muito engraçado e… muito impaciente. Ele não gosta de ensaiar, gosta de gravar, tem tendência a querer apressar as coisas. Felizmente, o François é igual. Eu acho que o Gérard se divertiu muito no papel de sindicalista. Ele estava muito à vontade no papel, as cenas fluíram naturalmente. François aproveitou o enorme carisma de Gérard. Ele sabia que ao tê-lo a desempenhar o papel tudo o resto correria bem.
Por outro lado, esta é a primeira vez que trabalha com Fabrice Luchini.
Gérard é instintivo e muito directo na forma como trabalha, enquanto que o Fabrice passa bastante tempo a preparar-se. Quando chega ao cenário já desenvolveu totalmente a personagem. Ele é acima de tudo um actor de teatro. Com Gérard pode mudar-se tudo em cima da hora. Com o Fabrice isso é mais complicado porque a sua forma de trabalhar é oposta à do Gérard. Ele é brilhante e hilariante no papel. Consegue dar a Pujol toda a sua irascibilidade e nervosismo, e depois transforma-o numa personagem simpática quando Pujol percebe finalmente que ninguém é indispensável, nem mesmo ele. Ele não é nenhum Cidadão Hearst!
OITO MULHERES e POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA eram ambos originalmente peças de teatro, mas muito diferentes uma da outra.
Sim, para mim, os dois filmes estão em extremos opostos. Antes de mais OITO MULHERES foi rodado num único cenário, ao passo que POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA foi rodado em diferentes cenários e locais. Não são o mesmo género de história e, sobretudo, havia muito menos emoção em OITO MULHERES. O filme baseava-se noutras coisas: a cumplicidade entre as actrizes, a relação mãe-filha. O tom era mais alegre.
Não faz teatro, mas não tem medo de desempenhar papeis teatrais no cinema.
Certo, porque o cinema e o teatro são completamente diferentes. Actuação teatral em cinema continua a ser cinema. O que me assusta no teatro é a unidade do espaço, o facto de que tudo tem de ser planeado e decidido à priori, tudo está preparado, está-se sempre a fazer a mesma coisa. Eu não lido bem com isso, nem com o medo do palco, assusta-me ser o centra das atenções de uma plateia. Continuo a não conseguir imaginar-me a trabalhar em teatro.
Título original: Potiche
Realização: François Ozon
Argumento e adaptação livre de François Ozon da peça homónima de Barillet & Grédy
Fotografia: Yorick Le Saux
Som: Pascal Jasmes
Guarda Roupa: Pascaline Chavanne
Montagem: Laure Gardette
Interpretação: Catherine Deneuve, Gérard Depardieu, Fabrice Luchini, Karin Viard,
Judith Godrèche, Jérémie Renier, Sergi Lopez
Música Original: Philippe Rombi - “Slow Giradschi” (Stelvio Cipriani) 1973 – CAM,
“Teen agers cha cha cha” (Stelvio Cipriani) 1973 – CAM
Origem : França
Ano : 2010
Duração: 103’
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Reservas até às 17h do dia da sessão: ccf@cineclubefaro.com (levantar até às 21h45)
Comprar para qualquer sessão (na sede ou nas sessões – bilheteira abre às 21h30)
Abertura das portas do recinto: 21h45
Comprar para qualquer sessão (na sede ou nas sessões – bilheteira abre às 21h30)
Abertura das portas do recinto: 21h45
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