CLAUSTROS DO MUSEU MUNICIPAL
Sócios - 2€ (caderno de 5 senhas, 10€)
Não-Sócios - Estudantes 3,5€ / Restantes 4€
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20 anos depois, Monte Hellman volta ao cinema. E volta com o espírito de um jovem realizador que quer experimentar tudo (todos os planos, todas as tecnologias), mas que para além da ambição, conta com um domínio tremendo sobre o que é fazer cinema.
Foi num blog que encontrámos há dias a melhor imagem para descrever este filme: matrioshka, as célebres bonecas russas que escondem bonecas. Pedimo-lo emprestada porque Road to Nowhere apresenta-se assim, com ideias portentosas que escondem novas ideias... que escondem novas ideias. E passamos boa parte do filme atordoados.
A sinopse fala-nos de um realizador (Mitchell Haven, que partilha as iniciais do nome com o realizador) que anda a fazer um filme sobre uma morte, que na verdade pode muito bem ter sido uma encenação. Começamos o filme precisamente a olhar para um DVD com Road to Nowhere escrito a marcador preto. O DVD é inserido no portátil e a câmara centra-se no pequeno ecrã. Parece uma porta para outra dimensão.
Lá dentro, neste filme dentro de um filme, temos uma actriz escolhida para um papel principal, que pode muito bem ser a tal mulher da história “verídica” que está a ser filmada. O que é real? O que é ficção? A dada altura deixa de importar. Faz de conta que é tudo um sonho. Faz de conta que Monte Hellman faz dele próprio, num sonho que poderia ter nascido num qualquer recanto do cérebro de David Lynch.
Road to Nowhere é coisa labiríntica, densa; algo alienígena. Um objecto estranhíssimo que reclama atenção a cada detalhe. Há filmes que apetece ver várias vezes. Já sabemos o que se vai passar mas estamos mais interessados em revisitar personagens, em rever cenas marcantes e, com sorte, cravar um par de diálogos na memória. E depois há filmes que não nos deixam a cabeça até novo visionamento. Aqui temos este segundo caso, qual combate de boxe em que queremos voltar para um novo round – e fazemos todos os possíveis para evitar um KO. Embora parte da nossa consciência ainda esteja a tentar racionalizar o que acabou de acontecer, há que respirar fundo e aceitar que queremos mais disto, seja lá o que isto for.
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Pedro Filipe Pina, vousair
Objecto vindo de lugar nenhum, autêntico "monólito negro" na paisagem do cinema americano contemporâneo.
"Two Lane Blacktop", a obra-prima de Monte Hellman, um dos grandes filmes americanos dos anos 70, e o "road movie" que por si mesmo consagrou o género como uma metafísica da apatia, ou coisa parecida, terminava com a película a arder. A última coisa que se via era um fotograma incendiado, o filme a desfazer-se à nossa frente - como se fosse a única maneira de acabar com aquilo, porque "a estrada não tem fim" (como dizia o título português de "Two Lane Blacktop") e assim sendo é uma estrada para lugar nenhum, uma "road to nowhere".
Quase quarenta anos depois, e perante um filme chamado, justamente, "Road to Nowhere", é inevitável pensar que Monte Hellman brinca aos encadeados: da película de "Blacktop" ao DVD que está no centro do primeiro plano deste filme, um DVD onde o título do filme está escrito a caneta (como num vulgar DVD pirata) e que é posto a rodar num computador portátil. Primeiro sinal labiríntico. Depois, a câmara de Hellman mergulha em zoom sobre o ecrã do portátil, até que as margens do enquadramento do filme e do filme no filme sejam coincidentes - e a partir desse momento o labirinto é mais do que um sinal, é o território, bifurcado, incerto, especular, sem saída, que "Road to Nowhere" habita até ao fim (e desta vez há um "fim", embora tudo possa sempre voltar ao princípio: ao último plano do filme, podia suceder-se o primeiro, a rodela a ser inserida no leitor, e tudo a começar outra vez). As primeiras imagens do "filme no filme" (ou será, apenas, do "filme") são um longo, longuíssimo, plano de uma rapariga sentada na cama a secar o cabelo, enquanto na banda sonora passa uma canção melancólica sobre "ajuda para passar a noite". É fabuloso - dávamos um doce a quem provar que nos últimos anos viu um filme a entrar desta maneira. Se "Road to Nowhere" acabasse no fim desse plano com o secador já tinha minutos que bastassem para que só tivéssemos vontade de bater palmas.
E esses minutos, como um daqueles "sumários" ao género dos que Hitchcock gostava de fazer, condensam a matéria que "Road to Nowhere" tem para explorar: a componente reflexiva, de filme sobre o cinema, sobre o cinema como ele se faz e se vê hoje (os ecrãs eletrónicos, os aparelhos de vídeo, etc) e sobre o cinema como ele sempre foi (coisa abissal, mergulho sobre o ecrã, fascínio e perdições, espelhos e reflexos); e, não negligenciemos isto, uma infinita paciência para seguir, registar, deixar-se hipnotizar, pelos mais ínfimos e anódinos gestos da actriz principal, Shannyn Sossamon, ora luz ora sombra, quer dizer, actriz em "chiaroscuro" (o "casting", o "casting" e o "casting" são as três tarefas mais importantes de um cineasta, diz o realizador do filme no filme, que se chama Mitchell Haven e tem, caso não se note, as mesmas iniciais que Monte Hellman). Nesse ponto, o filme e o filme no filme tocam-se: são ambos dominados pelo inexorável fascínio por uma mulher, dúplice e misteriosa. "Le cinéma, c''est faire des jolies femmes faire des jolies choses", não foi Monte Hellman que o disse mas podia ter sido.
Objecto vindo de lugar nenhum, autêntico "monólito negro" na paisagem do cinema americano contemporâneo, "Road to Nowhere" só pode ser comparado com algum Lynch (o de "Inland Empire", mas sem o sobrenatural e sem a psicanálise), na sua relação/reinvenção com uma mitologia hollywoodiana (e mais do que hollywoodiana: até Bergman é explicitamente citado), e pelo seu lado vertiginosamente reflexivo e terminal (tudo acaba com um movimento de câmara a perder-se dentro dos contornos negros de um poster da protagonista), como o "Cigarette Burns" de John Carpenter. Ou seja, com os grandes filmes americanos sobre a cinefilia no século XXI. E parece uma coisa imensa: Monte Hellman disse algures que "não bastava vê-lo duas vezes" e é capaz de ter razão. Assim como assim, depois de escrito este texto ainda o vamos ver uma terceira vez.
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Luís Miguel Oliveira, Ípsilon
INCLUI DECLARAÇÕES DO REALIZADOR
Estamos em setembro de 2010, é fim de semana em Veneza. "Road to Nowhere - Sem Destino", de Monte Hellman, corre pelo Leão de Ouro. É o filme mais apaixonante a concurso. Encontramos o cineasta num terraço do Hotel Excelsior vazio. Monte não realiza uma longa-metragem há 23 anos, desde "Iguana". Tem 78 anos de vida, 52 de carreira. Cartões de visita? Símbolo do cinema independente americano. O homem que lançou Jack Nicholson. O autor do sublime "Two-Lane Blacktop - A Estrada Não Tem Fim" (1971), filme de todos os cultos. O produtor que permitiu a Tarantino realizar "Cães Danados". And so on. Monte recebe-nos ao lado de Steven Gaydos, argumentista de "Road to Nowhere". No dia seguinte, deixará Veneza com um Leão de Ouro à carreira.
É que, no filme de Hellman, há outro filme lá dentro e outra rodagem. E a atriz que vemos interpreta outra atriz, que por sua vez está a interpretar outra personagem, noutro filme, na mais extraordinária mise en abîme que se viu em muitos anos e que o texto seguinte aprofunda. Digamos numa simplificação impossível que, a Monte, interessa tanto o filme como o seu fantasma. Que atrás de cada filme há sempre uma história de rodagem (um realizador a meter-se com a sua atriz? – dá outro filme). Um fantasma de cinema que nos fará duvidar o tempo todo da natureza de cada plano, gerando a ilusão da ilusão da ilusão... até que a câmara se torne uma arma. Fiquemos, para já, por aqui. Até porque o cineasta acrescenta que "é como se 'Road to Nowhere' fosse o meu primeiro filme e tudo o que fiz até aqui não passasse de um mero ensaio."
E, agora, a Monte o que é de Monte. "Não estive parado todos estes anos. Trabalhei no duro numa boa dúzia de projetos que nunca chegaram a ver a luz do dia, produzi o primeiro filme do Quentin, construí de raiz e estava pronto a filmar 'Buffalo 66' (que Vincent Gallo acabou depois por dirigir), elaborei argumentos que estão agora prontos a filmar, assinei curtas-metragens e ainda dou aulas, no California Institute of the Arts de Los Angeles. Aulas de cinema. Seguindo uma filosofia muito simples: o cinema é coisa que não nasceu para ser ensinada. A primeira coisa que digo aos meus alunos é isto: 'olhem que estão a gastar mal o vosso dinheiro.' Em Hollywood, acho que continuam sem saber quem eu sou. (...) Cada filme que fiz antes de 'Road to Nowhere' foi trabalho de encomenda. Ideias que não eram minhas. E em todos tratei de rescrever o argumento e ganhar outra liberdade, tal como aconteceu com o 'Two-Lane Blacktop”. Que de resto não era um filme sobre corridas de carros, mas sobre uma personagem em conflito entre o seu trabalho e a necessidade de manter uma relação íntima. Este é um problema que também inquieta Mitchell Haven, o realizador que 'está dentro' do meu filme e que Tygh Runyan interpreta. Ele é uma personagem por inteiro, independente, apesar de dizer coisas que eu digo às vezes. E de gostar dos mesmos filmes que eu... 'Road to Nowhere' é um filme sobre filmes e ao mesmo tempo o resultado da minha própria experiência de vida. No fundo, é um livro de memórias (...) Nos meus filmes, acho que o herói é sempre alguém que, por qualquer motivo, se descobre incapaz de comunicar o suficiente com o que ama. Por outro lado, acho que nos meus filmes os atores e as personagens criam uma relação especial que ultrapassa sempre o que está escrito no argumento. Eu passo o tempo a dizer-lhes: 'o vosso trabalho não é transformarem-se nas personagens. Porque as personagens têm que ser vocês'. Acho que é tudo uma questão de casting que depois opera com o subconsciente num processo evolutivo. A Shannyn compreendeu isso perfeitamente. (...) Cinema independente? Bom, sem¬pre me senti mais próximo de Hollywood do que dessa definição. A minha verdadeira inspiração continua a ser a mesma: os clássicos americanos dos anos 40."
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Francisco Ferreira, Expresso
No final de "Two-Lane Blacktop" (1971, "A Estrada Não Tem Fim"), o som desaparece e a película desacelera até pegar fogo, como se tivesse ficado presa e o calor da lâmpada de projecção a queimasse. Quando isso acontecia, no final de uma viagem sem destino nem regresso pela América dos anos 1970, era como se o cinema se desintegrasse - como se não fosse possível ir mais longe e o que restasse fosse apenas o nada em que, alguns anos antes, a "Máscara" de Ingmar Bergman (1966) nos deixara no seu final igualmente abrupto. Um limbo onde tudo se interrompia, à espera que a película voltasse a correr.
Quarenta anos depois, a viagem interrompida retoma-se, já não em película mas agora em digital, numa "road to nowhere" que não invocará tanto a canção dos Talking Heads como as "estradas perdidas" de David Lynch. Mas quem está ao volante volta a ser Monte Hellman, 79 anos, "o professor do cinema americano que nunca se deixou engolir pela indústria" nas palavras de Fabio Testi.
"Road to Nowhere - Sem Destino" é apenas a sua longa número onze numa carreira iniciada em 1959 com "The Beast from Haunted Cave". É a sua primeira longa em vinte anos, e chega esta semana às salas (numa inversão digna de nota num país onde o cinema de autor chega cada vez mais aos solavancos, Portugal é o primeiro território europeu a estrear o novo filme, uma semana antes de França). Mas é também, como Hellman faz questão de dizer sempre que lhe perguntam, e como reitera ao Ípsilon por e-mail de Los Angeles, "o meu verdadeiro primeiro filme. O único onde estive envolvido no processo desde o princípio" .
No papel, é uma variação sobre os temas do filme negro ambientada no meio do cinema, escrita por Steven Gaydos, jornaIista da revista "Variety" e colaborador criativo do realizador há quarenta anos: um director (Tygh Runyan) que está a rodar um "fiIm noir" baseado num caso verídico dei¬xa-se levar até à obsessão pela actriz (Shannyn Sossamon) que contratou para o papel, e as fronteiras entre a realidade e a ficção começam a diluir-se à medida que as rodagens avançam. No seu e-mail, Hellman diz ao Ipsilon que a história começou "como um desejo de documentar 40 anos da nos¬sa experiência a fazer filmes sem orçamento. Combinámo-la com uma história clássica de filme negro, do género que preferimos. E depois ganhou vida própria, com os actores e os exteriores, de modo muito tangível, a tornarem-se co-autores do filme. "
Mas uma coisa é o papel, outra coisa é o filme acabado. E as questões são inevitáveis: este olhar desencantado sobre uma Hollywood que - nas palavras do realizador - não mudou grandemente ao longo das décadas ("excepto no que diz respeito à disponibilidade de novas tecnologias") é um reflexo da própria experiência de HeIlman numa cidade que parece nunca o ter ttatado bem?
Ele esquiva-se. "Quaisquer mensagens que se leiam nos meus filmes são certamente projecções do especta¬dor, porque sempre segui o conselho [do produtor] Samuel Goldwyn: se se quer mandar uma mensagem, manda-se um telegrama."
Um pouco, então, dessa experiência. Hellman começou na fábrica de Roger Corman em finais dos anos 1950, como tantos contemporâneos que fizeram a história da "nova Hollywood" que tomou conta dos destinos da Meca do Cinema na transição dos anos 1960 para os anos 1970. Mas, talvez por ser mais velho que os colegas, nunca conseguiu o reconhecimento que merecia.
O tratado de Peter Biskind sobre essa geração da qual faziam parte Coppola, Bogdanovich, De Palma, Lucas, Scorsese, Rafelson & etc., "Easy Riders, Raging Bulls", ignora-o - excepto para explicar que "Two-Lane Blacktop", o filme que de modo mais preciso alinhou a carreira de Hellman com a "nova Hollywood" , recebera luz verde da Universal quando o estúdio embarcou no comboio de "Easy Rider" (1969) e foi despejado sem promoção nas salas quando ficou pronto, já a onda tinha passado.
Ao "New York Times", há menos de um ano, Steven Gaydos dizia que "se Robert Altman não tivesse tido 'M*A*S*H', nunca teria podido fazer todos os outros grandes filmes que fez. E Monte nunca teve um 'M*A*S*H"', em referência à sátira de 1972 cujo sucesso crítico e público colocou Altman no mapa. Hellman descarta a questão. "Acho que o Steve estava a falar de sucesso de bilheteira e não de qualidade... Se eu teria gostado de ter tido um "M*A*S*H'? Absolutamente. Tudo teria sido muito mais fácil. "
No entanto, nunca esteve parado. Entre "Two-Lane Blacktop" e "Road to Nowhere", dirigiu quatro longas-metragens que, à imagem das seis anteriores, foram rodadas com orçamentos mínimos (em alguns casos, na melhor tradição de Roger Corman, filmando "dois pelo preço de um" ao mesmo tempo) e não foram vistas, nem sequer no seu próprio país. Todos esses filmes foram encomendas. "Fiz o melhor que pude com o que me coube em sorte. Tive no geral o luxo de poder criar coisas novas para ou refazer completamente o material que me era proposto. Mas todos começaram como ideias de outras pessoas."
Pelo meio, realizou para televisão, montou filmes de outros (“Assassinos de Elite", 1975, para Sam Peckinpah), ajudou a produzir a estreia de Quentin Tarantino ("Cães Danados" , 1992) e - sobretudo - faz parte do corpo docente do California Institute of the Arts, onde ensina cinema. No interregno mais longo da carreira - vinte anos entre "Silent Night, Deadly Night 3" (1989), sequela que aceitou por motivos alimentares, e "Road to Nowhere" - nunca lhe "passou pela cabeça que não estava a realizar, porque estava constantemente a trabalhar em direcção a isso. O tempo passa a correr quando nos estamos a divertir. Além do mais, vivi muitas coisas que me permitiram reunir o material e a experiência que possibilitaram “Road to Nowhere”.
O titulo do novo filme - "estrada para lugar nenhum" - é apropriado quando compreendemos que Hellman é um daqueles cineastas que dá razão ao velho adágio que "ninguém é profeta no seu próprio pais". Seis meses depois da apresentação em Veneza 2010, "Road to Nowhere" ainda aguarda data de estreia nos EUA. Em Veneza, Steven Gaydos dissera que o filme havia sido "feito fora de HolIywood e fora do cinema independente americano actual, e isso perturba algumas pessoas." E o orçamento (superior aos que Hellman tinha nos anos 1960, mas ainda assim inexistente pelos padrões contemporâneos - "fazer um filme de baixo orçamento hoje em dia é muito difícil porque é quase impos¬sível obter retorno sobre o investimento sem ter nomes fortes no elenco") tomou a rodagem numa luta constante.
(Shannyn Sossamon disse ao "New York Times" nunca ter trabalhado num filme onde "até os produtores se queixavam de não termos dinheiro nenhum". Mas não foi, no entanto, a falta de dinheiro que levou o realiza¬dor a optar por rodar em digital – já “convertido” ao formato enquanto fotógrafo, "foi uma escolha minha para garantir maior controlo na imagem".)
Por mais que os observadores vejam Hellman como um cineasta enraizadamente americano, os seus filmes não tiveram exposição na América ("'Road to Nowhere' é o meu primeiro filme a ter um distribuidor americano empenhado"), e é na Europa que o seu cinema tem sido melhor recebido. ''Já me chamaram um realizador americano e um cineasta transatlântico...As minhas raízes estão em [Alfred] Hitchcock, [Howard] Hawks, ([John] Huston e [George] Stevens, mas não pude evitar ser influenciado pelo neo-realismo italiano, pela Nouvelle Vague francesa e pela psicanálise sueca" .
Essa conjugação de influências clássicas e modernas é visível em "Road to Nowhere". O filme cita "O Espírito da Colmeia" (1973) do espanhol Victor Erice mas também "As Três Noites de Eva" (1941) de Preston Sturges, nome maior da comédia americana clássica que foi esquecido pelas novas gerações. E quando lhe sugerimos que há um forte travo de "Vertigo" , a célebre "Mulher que Viveu Duas Vezes" (1958) de Hitchcock, no novo filme (a personagem de Shannyn Sossamon seria uma espécie de gémea invertida de Kim Novak), os pontos de exclamação traem o entusiasmo. "Se houve um filme que esteve sempre na nossa cabeça enquanto rodávamos, foi 'Vertigo'."
Em Veneza 2010, "Road to Nowhere" foi recebido com perplexidade - e o realizador puxou de uma velha citação que o tem acompanhado desde sempre, de Jean Cocteau, como uma obra de arte deve ser "de colheita difícil", referindo que gostava da definição que um amigo tinha dado do seu filme que "não podia ser visto apenas duas vezes". No e-mail, precisa: "acredito que um filme que não vale a pena ser visto várias vezes não vale a pena ser visto de todo". Mas, retomando a citação do esteta francês, "Cocteau queria dizer que uma obra de arte deve revelar os seus tesouros com múltiplas visões. Concordo plenamente. Mas não creio que seja algo que procuro conscientemente."
Hellman rejeita qualquer "deliberação" no seu método, explicando que trabalha "primordialmente através do uso de sonhos, emoções, subconsciente", o que implica grande confiança com o elenco. Na conferência de imprensa de Veneza, Steven Gaydos explicava que "a relação com os actores para o Monte é muito importante, porque houve muita coisa resolvida com eles, no momento. A confiança e o conforto com os actores propulsionaram o filme." No seu email, o realizador esclarece que tenta "criar um ambiente que reforce a confiança do actor, o encoraje a experimentar sem ter medo de falhar, sabendo que vai estar protegido. Não exijo 'resultados' . Espero que isso leve à nossa incapacidade de distinguir entre a personagem e a pessoa, entre a representação e o ser." Tudo com um objectivo: "Para parafrasear Griffith, o que estou a tentar conseguir é fazer o espectador sentir. E descobri um fenómeno interessante: quanto mais cerebral for a audiência, tanto menos apreciarão ‘Road to Nowhere’...”
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Jorge Mourinha, Público
Foi num blog que encontrámos há dias a melhor imagem para descrever este filme: matrioshka, as célebres bonecas russas que escondem bonecas. Pedimo-lo emprestada porque Road to Nowhere apresenta-se assim, com ideias portentosas que escondem novas ideias... que escondem novas ideias. E passamos boa parte do filme atordoados.
A sinopse fala-nos de um realizador (Mitchell Haven, que partilha as iniciais do nome com o realizador) que anda a fazer um filme sobre uma morte, que na verdade pode muito bem ter sido uma encenação. Começamos o filme precisamente a olhar para um DVD com Road to Nowhere escrito a marcador preto. O DVD é inserido no portátil e a câmara centra-se no pequeno ecrã. Parece uma porta para outra dimensão.
Lá dentro, neste filme dentro de um filme, temos uma actriz escolhida para um papel principal, que pode muito bem ser a tal mulher da história “verídica” que está a ser filmada. O que é real? O que é ficção? A dada altura deixa de importar. Faz de conta que é tudo um sonho. Faz de conta que Monte Hellman faz dele próprio, num sonho que poderia ter nascido num qualquer recanto do cérebro de David Lynch.
Road to Nowhere é coisa labiríntica, densa; algo alienígena. Um objecto estranhíssimo que reclama atenção a cada detalhe. Há filmes que apetece ver várias vezes. Já sabemos o que se vai passar mas estamos mais interessados em revisitar personagens, em rever cenas marcantes e, com sorte, cravar um par de diálogos na memória. E depois há filmes que não nos deixam a cabeça até novo visionamento. Aqui temos este segundo caso, qual combate de boxe em que queremos voltar para um novo round – e fazemos todos os possíveis para evitar um KO. Embora parte da nossa consciência ainda esteja a tentar racionalizar o que acabou de acontecer, há que respirar fundo e aceitar que queremos mais disto, seja lá o que isto for.
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Pedro Filipe Pina, vousair
Objecto vindo de lugar nenhum, autêntico "monólito negro" na paisagem do cinema americano contemporâneo.
"Two Lane Blacktop", a obra-prima de Monte Hellman, um dos grandes filmes americanos dos anos 70, e o "road movie" que por si mesmo consagrou o género como uma metafísica da apatia, ou coisa parecida, terminava com a película a arder. A última coisa que se via era um fotograma incendiado, o filme a desfazer-se à nossa frente - como se fosse a única maneira de acabar com aquilo, porque "a estrada não tem fim" (como dizia o título português de "Two Lane Blacktop") e assim sendo é uma estrada para lugar nenhum, uma "road to nowhere".
Quase quarenta anos depois, e perante um filme chamado, justamente, "Road to Nowhere", é inevitável pensar que Monte Hellman brinca aos encadeados: da película de "Blacktop" ao DVD que está no centro do primeiro plano deste filme, um DVD onde o título do filme está escrito a caneta (como num vulgar DVD pirata) e que é posto a rodar num computador portátil. Primeiro sinal labiríntico. Depois, a câmara de Hellman mergulha em zoom sobre o ecrã do portátil, até que as margens do enquadramento do filme e do filme no filme sejam coincidentes - e a partir desse momento o labirinto é mais do que um sinal, é o território, bifurcado, incerto, especular, sem saída, que "Road to Nowhere" habita até ao fim (e desta vez há um "fim", embora tudo possa sempre voltar ao princípio: ao último plano do filme, podia suceder-se o primeiro, a rodela a ser inserida no leitor, e tudo a começar outra vez). As primeiras imagens do "filme no filme" (ou será, apenas, do "filme") são um longo, longuíssimo, plano de uma rapariga sentada na cama a secar o cabelo, enquanto na banda sonora passa uma canção melancólica sobre "ajuda para passar a noite". É fabuloso - dávamos um doce a quem provar que nos últimos anos viu um filme a entrar desta maneira. Se "Road to Nowhere" acabasse no fim desse plano com o secador já tinha minutos que bastassem para que só tivéssemos vontade de bater palmas.
E esses minutos, como um daqueles "sumários" ao género dos que Hitchcock gostava de fazer, condensam a matéria que "Road to Nowhere" tem para explorar: a componente reflexiva, de filme sobre o cinema, sobre o cinema como ele se faz e se vê hoje (os ecrãs eletrónicos, os aparelhos de vídeo, etc) e sobre o cinema como ele sempre foi (coisa abissal, mergulho sobre o ecrã, fascínio e perdições, espelhos e reflexos); e, não negligenciemos isto, uma infinita paciência para seguir, registar, deixar-se hipnotizar, pelos mais ínfimos e anódinos gestos da actriz principal, Shannyn Sossamon, ora luz ora sombra, quer dizer, actriz em "chiaroscuro" (o "casting", o "casting" e o "casting" são as três tarefas mais importantes de um cineasta, diz o realizador do filme no filme, que se chama Mitchell Haven e tem, caso não se note, as mesmas iniciais que Monte Hellman). Nesse ponto, o filme e o filme no filme tocam-se: são ambos dominados pelo inexorável fascínio por uma mulher, dúplice e misteriosa. "Le cinéma, c''est faire des jolies femmes faire des jolies choses", não foi Monte Hellman que o disse mas podia ter sido.
Objecto vindo de lugar nenhum, autêntico "monólito negro" na paisagem do cinema americano contemporâneo, "Road to Nowhere" só pode ser comparado com algum Lynch (o de "Inland Empire", mas sem o sobrenatural e sem a psicanálise), na sua relação/reinvenção com uma mitologia hollywoodiana (e mais do que hollywoodiana: até Bergman é explicitamente citado), e pelo seu lado vertiginosamente reflexivo e terminal (tudo acaba com um movimento de câmara a perder-se dentro dos contornos negros de um poster da protagonista), como o "Cigarette Burns" de John Carpenter. Ou seja, com os grandes filmes americanos sobre a cinefilia no século XXI. E parece uma coisa imensa: Monte Hellman disse algures que "não bastava vê-lo duas vezes" e é capaz de ter razão. Assim como assim, depois de escrito este texto ainda o vamos ver uma terceira vez.
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Luís Miguel Oliveira, Ípsilon
INCLUI DECLARAÇÕES DO REALIZADOR
Estamos em setembro de 2010, é fim de semana em Veneza. "Road to Nowhere - Sem Destino", de Monte Hellman, corre pelo Leão de Ouro. É o filme mais apaixonante a concurso. Encontramos o cineasta num terraço do Hotel Excelsior vazio. Monte não realiza uma longa-metragem há 23 anos, desde "Iguana". Tem 78 anos de vida, 52 de carreira. Cartões de visita? Símbolo do cinema independente americano. O homem que lançou Jack Nicholson. O autor do sublime "Two-Lane Blacktop - A Estrada Não Tem Fim" (1971), filme de todos os cultos. O produtor que permitiu a Tarantino realizar "Cães Danados". And so on. Monte recebe-nos ao lado de Steven Gaydos, argumentista de "Road to Nowhere". No dia seguinte, deixará Veneza com um Leão de Ouro à carreira.
É que, no filme de Hellman, há outro filme lá dentro e outra rodagem. E a atriz que vemos interpreta outra atriz, que por sua vez está a interpretar outra personagem, noutro filme, na mais extraordinária mise en abîme que se viu em muitos anos e que o texto seguinte aprofunda. Digamos numa simplificação impossível que, a Monte, interessa tanto o filme como o seu fantasma. Que atrás de cada filme há sempre uma história de rodagem (um realizador a meter-se com a sua atriz? – dá outro filme). Um fantasma de cinema que nos fará duvidar o tempo todo da natureza de cada plano, gerando a ilusão da ilusão da ilusão... até que a câmara se torne uma arma. Fiquemos, para já, por aqui. Até porque o cineasta acrescenta que "é como se 'Road to Nowhere' fosse o meu primeiro filme e tudo o que fiz até aqui não passasse de um mero ensaio."
E, agora, a Monte o que é de Monte. "Não estive parado todos estes anos. Trabalhei no duro numa boa dúzia de projetos que nunca chegaram a ver a luz do dia, produzi o primeiro filme do Quentin, construí de raiz e estava pronto a filmar 'Buffalo 66' (que Vincent Gallo acabou depois por dirigir), elaborei argumentos que estão agora prontos a filmar, assinei curtas-metragens e ainda dou aulas, no California Institute of the Arts de Los Angeles. Aulas de cinema. Seguindo uma filosofia muito simples: o cinema é coisa que não nasceu para ser ensinada. A primeira coisa que digo aos meus alunos é isto: 'olhem que estão a gastar mal o vosso dinheiro.' Em Hollywood, acho que continuam sem saber quem eu sou. (...) Cada filme que fiz antes de 'Road to Nowhere' foi trabalho de encomenda. Ideias que não eram minhas. E em todos tratei de rescrever o argumento e ganhar outra liberdade, tal como aconteceu com o 'Two-Lane Blacktop”. Que de resto não era um filme sobre corridas de carros, mas sobre uma personagem em conflito entre o seu trabalho e a necessidade de manter uma relação íntima. Este é um problema que também inquieta Mitchell Haven, o realizador que 'está dentro' do meu filme e que Tygh Runyan interpreta. Ele é uma personagem por inteiro, independente, apesar de dizer coisas que eu digo às vezes. E de gostar dos mesmos filmes que eu... 'Road to Nowhere' é um filme sobre filmes e ao mesmo tempo o resultado da minha própria experiência de vida. No fundo, é um livro de memórias (...) Nos meus filmes, acho que o herói é sempre alguém que, por qualquer motivo, se descobre incapaz de comunicar o suficiente com o que ama. Por outro lado, acho que nos meus filmes os atores e as personagens criam uma relação especial que ultrapassa sempre o que está escrito no argumento. Eu passo o tempo a dizer-lhes: 'o vosso trabalho não é transformarem-se nas personagens. Porque as personagens têm que ser vocês'. Acho que é tudo uma questão de casting que depois opera com o subconsciente num processo evolutivo. A Shannyn compreendeu isso perfeitamente. (...) Cinema independente? Bom, sem¬pre me senti mais próximo de Hollywood do que dessa definição. A minha verdadeira inspiração continua a ser a mesma: os clássicos americanos dos anos 40."
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Francisco Ferreira, Expresso
No final de "Two-Lane Blacktop" (1971, "A Estrada Não Tem Fim"), o som desaparece e a película desacelera até pegar fogo, como se tivesse ficado presa e o calor da lâmpada de projecção a queimasse. Quando isso acontecia, no final de uma viagem sem destino nem regresso pela América dos anos 1970, era como se o cinema se desintegrasse - como se não fosse possível ir mais longe e o que restasse fosse apenas o nada em que, alguns anos antes, a "Máscara" de Ingmar Bergman (1966) nos deixara no seu final igualmente abrupto. Um limbo onde tudo se interrompia, à espera que a película voltasse a correr.
Quarenta anos depois, a viagem interrompida retoma-se, já não em película mas agora em digital, numa "road to nowhere" que não invocará tanto a canção dos Talking Heads como as "estradas perdidas" de David Lynch. Mas quem está ao volante volta a ser Monte Hellman, 79 anos, "o professor do cinema americano que nunca se deixou engolir pela indústria" nas palavras de Fabio Testi.
"Road to Nowhere - Sem Destino" é apenas a sua longa número onze numa carreira iniciada em 1959 com "The Beast from Haunted Cave". É a sua primeira longa em vinte anos, e chega esta semana às salas (numa inversão digna de nota num país onde o cinema de autor chega cada vez mais aos solavancos, Portugal é o primeiro território europeu a estrear o novo filme, uma semana antes de França). Mas é também, como Hellman faz questão de dizer sempre que lhe perguntam, e como reitera ao Ípsilon por e-mail de Los Angeles, "o meu verdadeiro primeiro filme. O único onde estive envolvido no processo desde o princípio" .
No papel, é uma variação sobre os temas do filme negro ambientada no meio do cinema, escrita por Steven Gaydos, jornaIista da revista "Variety" e colaborador criativo do realizador há quarenta anos: um director (Tygh Runyan) que está a rodar um "fiIm noir" baseado num caso verídico dei¬xa-se levar até à obsessão pela actriz (Shannyn Sossamon) que contratou para o papel, e as fronteiras entre a realidade e a ficção começam a diluir-se à medida que as rodagens avançam. No seu e-mail, Hellman diz ao Ipsilon que a história começou "como um desejo de documentar 40 anos da nos¬sa experiência a fazer filmes sem orçamento. Combinámo-la com uma história clássica de filme negro, do género que preferimos. E depois ganhou vida própria, com os actores e os exteriores, de modo muito tangível, a tornarem-se co-autores do filme. "
Mas uma coisa é o papel, outra coisa é o filme acabado. E as questões são inevitáveis: este olhar desencantado sobre uma Hollywood que - nas palavras do realizador - não mudou grandemente ao longo das décadas ("excepto no que diz respeito à disponibilidade de novas tecnologias") é um reflexo da própria experiência de HeIlman numa cidade que parece nunca o ter ttatado bem?
Ele esquiva-se. "Quaisquer mensagens que se leiam nos meus filmes são certamente projecções do especta¬dor, porque sempre segui o conselho [do produtor] Samuel Goldwyn: se se quer mandar uma mensagem, manda-se um telegrama."
Um pouco, então, dessa experiência. Hellman começou na fábrica de Roger Corman em finais dos anos 1950, como tantos contemporâneos que fizeram a história da "nova Hollywood" que tomou conta dos destinos da Meca do Cinema na transição dos anos 1960 para os anos 1970. Mas, talvez por ser mais velho que os colegas, nunca conseguiu o reconhecimento que merecia.
O tratado de Peter Biskind sobre essa geração da qual faziam parte Coppola, Bogdanovich, De Palma, Lucas, Scorsese, Rafelson & etc., "Easy Riders, Raging Bulls", ignora-o - excepto para explicar que "Two-Lane Blacktop", o filme que de modo mais preciso alinhou a carreira de Hellman com a "nova Hollywood" , recebera luz verde da Universal quando o estúdio embarcou no comboio de "Easy Rider" (1969) e foi despejado sem promoção nas salas quando ficou pronto, já a onda tinha passado.
Ao "New York Times", há menos de um ano, Steven Gaydos dizia que "se Robert Altman não tivesse tido 'M*A*S*H', nunca teria podido fazer todos os outros grandes filmes que fez. E Monte nunca teve um 'M*A*S*H"', em referência à sátira de 1972 cujo sucesso crítico e público colocou Altman no mapa. Hellman descarta a questão. "Acho que o Steve estava a falar de sucesso de bilheteira e não de qualidade... Se eu teria gostado de ter tido um "M*A*S*H'? Absolutamente. Tudo teria sido muito mais fácil. "
No entanto, nunca esteve parado. Entre "Two-Lane Blacktop" e "Road to Nowhere", dirigiu quatro longas-metragens que, à imagem das seis anteriores, foram rodadas com orçamentos mínimos (em alguns casos, na melhor tradição de Roger Corman, filmando "dois pelo preço de um" ao mesmo tempo) e não foram vistas, nem sequer no seu próprio país. Todos esses filmes foram encomendas. "Fiz o melhor que pude com o que me coube em sorte. Tive no geral o luxo de poder criar coisas novas para ou refazer completamente o material que me era proposto. Mas todos começaram como ideias de outras pessoas."
Pelo meio, realizou para televisão, montou filmes de outros (“Assassinos de Elite", 1975, para Sam Peckinpah), ajudou a produzir a estreia de Quentin Tarantino ("Cães Danados" , 1992) e - sobretudo - faz parte do corpo docente do California Institute of the Arts, onde ensina cinema. No interregno mais longo da carreira - vinte anos entre "Silent Night, Deadly Night 3" (1989), sequela que aceitou por motivos alimentares, e "Road to Nowhere" - nunca lhe "passou pela cabeça que não estava a realizar, porque estava constantemente a trabalhar em direcção a isso. O tempo passa a correr quando nos estamos a divertir. Além do mais, vivi muitas coisas que me permitiram reunir o material e a experiência que possibilitaram “Road to Nowhere”.
O titulo do novo filme - "estrada para lugar nenhum" - é apropriado quando compreendemos que Hellman é um daqueles cineastas que dá razão ao velho adágio que "ninguém é profeta no seu próprio pais". Seis meses depois da apresentação em Veneza 2010, "Road to Nowhere" ainda aguarda data de estreia nos EUA. Em Veneza, Steven Gaydos dissera que o filme havia sido "feito fora de HolIywood e fora do cinema independente americano actual, e isso perturba algumas pessoas." E o orçamento (superior aos que Hellman tinha nos anos 1960, mas ainda assim inexistente pelos padrões contemporâneos - "fazer um filme de baixo orçamento hoje em dia é muito difícil porque é quase impos¬sível obter retorno sobre o investimento sem ter nomes fortes no elenco") tomou a rodagem numa luta constante.
(Shannyn Sossamon disse ao "New York Times" nunca ter trabalhado num filme onde "até os produtores se queixavam de não termos dinheiro nenhum". Mas não foi, no entanto, a falta de dinheiro que levou o realiza¬dor a optar por rodar em digital – já “convertido” ao formato enquanto fotógrafo, "foi uma escolha minha para garantir maior controlo na imagem".)
Por mais que os observadores vejam Hellman como um cineasta enraizadamente americano, os seus filmes não tiveram exposição na América ("'Road to Nowhere' é o meu primeiro filme a ter um distribuidor americano empenhado"), e é na Europa que o seu cinema tem sido melhor recebido. ''Já me chamaram um realizador americano e um cineasta transatlântico...As minhas raízes estão em [Alfred] Hitchcock, [Howard] Hawks, ([John] Huston e [George] Stevens, mas não pude evitar ser influenciado pelo neo-realismo italiano, pela Nouvelle Vague francesa e pela psicanálise sueca" .
Essa conjugação de influências clássicas e modernas é visível em "Road to Nowhere". O filme cita "O Espírito da Colmeia" (1973) do espanhol Victor Erice mas também "As Três Noites de Eva" (1941) de Preston Sturges, nome maior da comédia americana clássica que foi esquecido pelas novas gerações. E quando lhe sugerimos que há um forte travo de "Vertigo" , a célebre "Mulher que Viveu Duas Vezes" (1958) de Hitchcock, no novo filme (a personagem de Shannyn Sossamon seria uma espécie de gémea invertida de Kim Novak), os pontos de exclamação traem o entusiasmo. "Se houve um filme que esteve sempre na nossa cabeça enquanto rodávamos, foi 'Vertigo'."
Em Veneza 2010, "Road to Nowhere" foi recebido com perplexidade - e o realizador puxou de uma velha citação que o tem acompanhado desde sempre, de Jean Cocteau, como uma obra de arte deve ser "de colheita difícil", referindo que gostava da definição que um amigo tinha dado do seu filme que "não podia ser visto apenas duas vezes". No e-mail, precisa: "acredito que um filme que não vale a pena ser visto várias vezes não vale a pena ser visto de todo". Mas, retomando a citação do esteta francês, "Cocteau queria dizer que uma obra de arte deve revelar os seus tesouros com múltiplas visões. Concordo plenamente. Mas não creio que seja algo que procuro conscientemente."
Hellman rejeita qualquer "deliberação" no seu método, explicando que trabalha "primordialmente através do uso de sonhos, emoções, subconsciente", o que implica grande confiança com o elenco. Na conferência de imprensa de Veneza, Steven Gaydos explicava que "a relação com os actores para o Monte é muito importante, porque houve muita coisa resolvida com eles, no momento. A confiança e o conforto com os actores propulsionaram o filme." No seu email, o realizador esclarece que tenta "criar um ambiente que reforce a confiança do actor, o encoraje a experimentar sem ter medo de falhar, sabendo que vai estar protegido. Não exijo 'resultados' . Espero que isso leve à nossa incapacidade de distinguir entre a personagem e a pessoa, entre a representação e o ser." Tudo com um objectivo: "Para parafrasear Griffith, o que estou a tentar conseguir é fazer o espectador sentir. E descobri um fenómeno interessante: quanto mais cerebral for a audiência, tanto menos apreciarão ‘Road to Nowhere’...”
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Jorge Mourinha, Público
Título original: Road to Nowhere
Realização: Monte Hellman
Argumento; Steven Gaydos
Fotografia: Josep M. Civit
Montagem: Céline Ameslon
Música: Anastasia Brown (supervisora)
Interpretação: Shannyn Sossamon, Dominique Swain, Tygh Runyan, Cliff de Young, Waylon Payne
Origem: EUA
Ano: 2010
Duração: 121’
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Reservas até às 17h do dia da sessão: ccf@cineclubefaro.com (levantar até às 21h45)
Comprar para qualquer sessão (na sede ou nas sessões – bilheteira abre às 21h30)
Abertura das portas do recinto: 21h45
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