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Woody Allen regressa com uma comédia agridoce e coral sobre a velhice e o desapontamento.
O último filme de Woody Allen, estreado em Cannes 2010 (fora de competição), arranca com uma citação em forma de epitáfio: "A vida é uma história cheia de ruído e de furor contada por um idiota e que nada significa." A frase é de Shakespeare, um dos dois pilares essenciais do trabalho de Woody Allen (o outro chama-se Ingmar Bergman). E o idiota que conta a história, num gesto de autoironia a que o cineasta nos habituou, bem podia ser Woody himself, ele que tem vindo a atraves¬sar (teoria nossa) a década de trabalho mais irregular da sua carreira, década de altos e baixos que se traduziu no fulgurante ("Match Point") mas também no irrelevante ("Vicky Cristina Barcelona").
"Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos", 'opus 46' de Woody depois da surpresa de "Tudo Pode Dar Certo", confirma que o homem, que já se está nas tintas para as obras-primas, não perdeu a mão. A comédia, essa, é agridoce como sempre e espelha-se na simplicidade do quotidiano, sem mistérios nem transcendências - o velho Woody é hoje um autor funcional e pragmático, igual à sua 'fábrica de produção' que lhe permite fazer pelo menos um filme por ano. No centro da história temos um casal de sexagenários, os Shepridge, com o casamento em crise, Alfie (Sir Anthony Hopkins) e Helena (Gemma Jones). Temos um casal de trintões, a filha do casal anterior, Sally (Naomi Watts), e o marido, Roy (Josh Brolin), a passar por igual tormenta. Alfie encontrará uma call girl 30 mais nova que se diz 'atriz' - e põe fim abrupto a 40 anos de casamento. Helena, que frequenta, sessões de espiritismo, conhecerá um velho alfarrabista espirituoso. Sally, por seu lado, começa a apaixonar-se pelo seu patrão sedutor, dono de uma galeria de arte (Antonio Banderas). E Roy, escritor falhado, não se fica por menos: enfeitiça-se pelos acordes de uma jovem de origem indiana (Freida Pinto, atriz de "Slumdog Millionaire") que anda a estudar música e ensaia na janela do prédio em frente. Ou seja, neste filme-puzzle, cada personagem vai encontrar uma nova cara-metade. Ou será que a cara-metade não passa de uma ilusão?
As personagens de "Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos", todas protagonistas de uma mesma história feita de desapontamentos, continuam fiéis à 'família de Woody': estão demasiado ocupadas com o seu egocentrismo e os seus problemas, vivem presas a crises existenciais que Woody sabe serem comuns a todas as idades. Desta vez, vão juntar-se a um mesmo coro que se impõe pela graça e nos fala subtilmente da desgraça, de ilusões perdidas.
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Francisco Ferreira, Expresso, 22/1/11
Uma frieza peremptória, que tem tudo a ver com o essencial do filme, enésima variação de Woody Allen sobre o tema do destino.
A meio do visionamento de "Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos" damos por nós a pensar que Woody Allen se tornou um realizador de "série B", um pequeno marginal a trabalhar na fronteira do sistema, numa espécie de "poverty row". Tornou-se um irmão dos autores europeus que, nos últimos dez anos, viram o seu público minguar e desaparecer.
Quando o paradigma de um "cinema adulto" e intelectualmente exigente é hoje Christopher Nolan, estamos conversados. Se Woody Allen anda agora a saltitar entre Londres e Barcelona isso é mais do que uma consequência simbólica, porque não foi apenas simbolicamente que o seu território foi ocupado.
Em "Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos", Londres outra vez. Na verdade, podia ser outro lugar qualquer - muito mais do que em "Match Point", Allen trata Londres como um estúdio (o estúdio onde ele pode filmar), um cenário ou um conjunto de cenários. A cidade nunca se impõe nem à câmara nem às personagens (que podiam ser nova iorquinas), o exercício nunca é sociológico nem turístico. É uma Londres funcional, como o cartão pintado de que os cineastas da "poverty row" obscureciam os contornos para não danificar o "efeito de real", e de facto é pelo tratamento do cenário que começamos a ver "Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos" como uma série B. Curiosamente, o filme acompanha a lembrança.
Economia de meios, certamente; mas uma economia traduzida na própria "escrita" de Woody Allen: tudo muito rápido, tudo muito seco, praticamente sem planos de ligação, dramaturgia cortada à faca. Uma frieza peremptória, que tem tudo a ver com o essencial do filme, enésima variação de Woody Allen - insistimos: entre as mais geladas de sempre - sobre o tema do destino, algures entre o fatalismo dos gregos e o fatalismo de Edgar G. Ulmer, e sobre tudo o que dá errado mesmo quando parecia que podia dar certo.
As personagens - uma mulher recém divorciada (Gemma Jones); o ex-marido dela (Anthony Hopkins) e a sua nova conquista (Lucy Punch, perfeita enquanto protótipo da "tart", para sermos fieis ao calão britânico); a filha deles (Naomi Watts), prisioneira de angústias profissionais e matrimoniais, e o marido (Josh Brolin), escritor medíocre que sofre por ser um escritor medíocre - começam o filme em estado de desespero e quando Woody as deixa, num final súbito e em suspenso, estão em estado de condenação. Entre um momento e o outro, o que fazia rir (as visitas de Gemma Jones à vidente) foi-se tornando angustiante.
Ao contrário da vidente, Woody Allen não tem nada a prometer, nem está aqui para dizer o que o cliente quer ouvir. "Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos" não dá uma nesga de esperança - mas pensando nisso, o "tall dark stranger" do título original podia ser uma maneira de descrever uma certa e incontornável figura que, por exemplo, Ingmar Bergman, um mestre de Woody, filmou no "Sétimo Selo"...
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Luís Miguel Oliveira, Ipsilon
O título do filme é uma promessa para o futuro, frase de esperança para quem vive uma vida desalentadamente cinzenta numa Londres.
Um rumor repetido até que quem o ouve o tome como verdade e siga por ele.
Lançados nessa dica incerta, todas as personagens apostam o seu destino numa eventualidade.
Não importa a promessa, o filme de Woody Allen vem carregado de desalento. O seu pessimismo é enorme sem ser demasiado severo.
A forma como estas personagens se agarram a quaisquer indícios de esperança é motivo de pena e fonte de comédia sobre os seres mal-amados que Woody Allen adora.
Que trata mal mas dos quais faz excelentes personagens com a ajuda dos excelentes actores que mal podem esperar para se sujeitar a ser figuras tão tristes.
E as personagens não têm recompensa senão o infortúnio.
Excepto aquela que, logo de início, já estava desafortunada. As outras olharam para o que tinham de bom e desejaram ainda mais.
De todas as ilusões brotam desilusões, porque cruzando exageradamente o topo da onda optimista acaba-se sempre suspenso no vazio.
Que o destino se recuse a cumprir com a felicidade implícita na frase-tipo de quem lê a sina é sinal de que quem controla o destino é um idiota - decida-se agora se esse alguém é "superior" ou a própria pessoa.
Assim continua Woody Allen a fazer inteligentes comédias negras sobre a vulgaridade existencial.
A sabedoria dos seus muitos e muitos filmes até o tornou ligeiramente diferente, castigando os que são demasiado espertos para o seu próprio bem e abençoando a ingénua - mesmo crédula - dona de casa abandonada.
O niilismo é o mesmo que sempre lhe reconhecemos, apenas está a resultar em algo diferente.
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Carlos Antunes, splitscreen-blog.blogspot.com/
INCLUI DECLARAÇÕES DO REALIZADOR
Novo Woody Allen: um americano em Londres
No Festival de Cannes de 2010, numa mesa-redonda com jornalistas de vários países, Woody Allen apresentou-se com um gag que poderia estar num dos seus filmes: "Estou constipado, por isso agradeço que não me beijem..." Em boa verdade, o autor de Annie Hall limita-se a ser igual a si próprio, recusando qualquer "evolução" para explicar o humor amargo com que retrata os pares londrinos de Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos (estreia-se na quinta-feira em Portugal) "Sempre vi as coisas assim. As relações humanas são muito difíceis e é preciso ter muita sorte."
O desencanto vem de longe: "Cresci muito marcado por Nietzsche e Freud. Um dos meus grandes ídolos era Eugene O'Neill. Todos disseram isso melhor do que eu: apenas conseguimos sobreviver com as nossas ilusões; se não tivermos ilusões, a vida torna-se insuportável. Quando nos aproximamos demasiado das coisas da vida, a mensagem que recebemos é desagradável e assustadora. Na verdade, acho que personagens como a que é interpretada por Gemma Jones, com as suas ideias new age, são patetas: se as encontrasse na vida real, não teria paciência para as aturar. E, afinal, talvez sejam mais felizes do que eu... São pessoas religiosas que escutam muito os rabis e os padres... Acho-as ridículas, mas é verdade que têm vidas melhores do que eu."
Quer isto dizer que menospreza as pessoas que recorrem a tais "serviços"? Nada disso: "As pessoas querem respostas, e não as censuro por isso. Só querem alguma magia nas suas vidas... Eu também, mas infelizmente não há magia." Não admira que a hipótese da reencarnação não esteja nas contas existenciais de Allen: "E se eu renasço, daqui a 300 anos, numa família pobre num país fascista?"
Paradoxalmente, isso não significa que Woody Allen menospreze o que conseguiu na sua própria vida: "Tendo em conta o que é humanamente possível, considero que tenho tido uma vida boa, com saúde e sucesso. Mas acabamos todos por morrer: a vida é curta, violenta, solitária, assustadora... Um dia destes, o sol arde por completo, desaparece e desaparecem todas as estrelas. Desaparece tudo aquilo que encaramos como as nossas instituições culturais: deixa de haver Beethoven, Shakespeare, Miguel Ângelo ou Picasso."
Não admira que já não se sinta na "obrigação" de assumir as personagens centrais dos seus filmes. Considerando que isso lhe trouxe bons "papéis românticos", contracenando com actrizes como Diane Keaton ou Mia Farrow, reconhece que, neste filme, poderia ter assumido a personagem de Anthony Hopkins. Mas não teria comparação: "Hopkins é um extraordinário actor shakespeariano; eu talvez conseguisse mais gargalhadas, mas seria mais linear."
Além do mais, muitas vezes, o processo de produção é mais rápido na Europa: "Por vezes, nos EUA, podem gastar-se anos: escreve-se um argumento, arranja-se um produtor, o produtor diz que sim se conseguirmos uma estrela... Depois marcamos um almoço com Jack Nicholson, ele diz que sim, daí a seis meses. Seis meses depois, Jack Nicholson diz que, afinal, lhe apareceu outra coisa... Três anos depois, o realizador talvez consiga fazer o filme. No meu caso, parto já com o financiamento garantido, escrevo o filme em dois meses, mais quatro ou cinco para o fazer... Não é assim tão difícil."
Por isso, Woody Allen insiste que tem muita sorte: "Tenho tempo para tocar com a minha banda de jazz, para estar com os meus filhos, para ir de férias, para assistir a jogos de basebol ou basquetebol..." Aliás, afirma-se como um grande fã de desportos: "Interesso--me muito por desporto. Na escola, era mesmo atleta, apesar de usar estes óculos que me dão um ar de intelectual. Joguei basebol muito bem. Quando voltar a casa, em Nova Iorque, a primeira coisa que vou fazer é ligar a televisão para saber notícias do basebol."
João Lopes, Diário de Notícias
Título Original: You Will Meet a Tall Dark Stranger
Realização: Woody Allen
Interpretação: Anthony Hopkins, Naomi Watts, Josh Brolin, Gemma Jones, Pauline Collins,
Rupert Frazer, Kelly Harrison, Freida Pinto, Antonio Banderas
Argumento: Woody Allen
Fotografia: Vilmos Zsigmond
Montagem: Alisa Lepselter
Origem: EUA/Espanha
Ano: 2010
Duração: 98’
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