CLAUSTROS DO MUSEU MUNICIPAL
Sócios - 2€ (caderno de 5 senhas, 10€)
Não-Sócios - Passe para os 10 dias 25€ / Estudantes 3,5€ / Restantes 4€
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"Somewhere" anda às voltas sem sair do mesmo sítio - tal como Sofia Coppola, ela própria. E isso, neste caso, é bom.
Sofia Coppola está habituada ao escrutínio dos holofotes – como se não bastasse ser filha de quem é, quem assina em “Lost in Translation – o Amor é um Lugar Estranho” um dos primeiros filmes seminais do século XXI ergue inescapavelmente as expectativas a uma fasquia difícil de manter.
Daí que, quatro anos depois de uma “Marie Antoinette” que dividiu as águas e levou alguns a chamarem-lhe mulher de um só filme, o primeiro “frisson” inevitável da competição de Veneza fosse “Somewhere”.
O filme foi acolhido calorosamente – a idiossincrasia de “Marie Antoinette” foi perdoada, mesmo que não reencontremos aqui a inspiração do sublime “Lost in Translation”, mesmo que este filme que se diz ser o “mais pessoal” da filha Coppola seja no fundo mais uma variação sobre o seu tema habitual – gente em limbo à procura do seu lugar na vida.
Mas chegará isso para recuperar o estatuto?
Não sabemos. Apesar dos aplausos que recebeu o filme na projecção de imprensa, estamos mesmo a ver muita gente a resmungar que é mais um filme de menina rica sobre meninos ricos que não sabem o que fazer na vida.
É verdade. Lembrámo-nos, a certa altura, do episódio que Sofia escreveu para a “História de Nova Iorque” do pai Francis, há vinte anos, sobre uma menina rica que vive num hotel – e Johnny Marco, o actor desenraizado interpretado por Stephen Dorff que é o centro de “Somewhere”, vive no lendário Chateau Marmont de Los Angeles.
Lembrámo-nos, também, de Marie Antoinette, menina rica perdida num mundo que não dominava – e Johnny também está perdido, na cerveja, nas noitadas, no tabaco, no sexo fácil a toda a hora, nas “lap dances” ao domicílio, no super-luxo dos hotéis e do tratamento VIP. Que não são “substitutos” de nada mas apenas maneiras de preencher o vazio.
Mas o que Sofia faz tão bem é precisamente fazer-nos sentir o vazio - viver o vazio. Dentro desta fachada de luxo não há nada e é preciso que haja alguma coisa, quanto mais não seja por Cleo, a filha adolescente que visita Johnny de vez em quando e acaba por lhe mostrar, imperceptivelmente, o que lhe falta.
E é preciso estar com atenção para ver o que falta. “Somewhere” é um filme de pormenores subterrâneos, planos longos e cores queimadas (rodadas e projectadas em película – o director de fotografia é Harris Savides, que assina aqui um segundo belo trabalho de Los Angeles em filme depois do “Greenberg” de Noah Baumbach). É o filme mais despojado, mais austero, mais “vazio” de Sofia - e esse despojamento é o exacto oposto da máquina da fama que “Somewhere” retrata com um misto impiedoso de melancolia e humor que fere onde dói mas não passa julgamento e ao qual o próprio filme se presta ao estar a concurso num festival tão mediaticamente VIP como Veneza.
A ironia não se perde: ao nosso lado na projecção está uma jornalista italiana louríssima, impecavelmente produzida, que logo antes do filme começar pega no espelho para ver como está o cabelo, bufa aborrecida um par de vezes ao longo do filme e, assim que as luzes sobem, saca da bolsa para retocar a maquilhagem.
Há, evidentemente, algo de rebelde num filme que morde (mesmo que gentilmente) a mão que lhe dá de comer, de menina rica que se queixa sobre como é chato ser uma menina rica. Mas são essas contradições que alimentam a tensão do cinema de Sofia e, sobretudo, de “Somewhere”.
E, como em todos os filmes de Sofia, é nesse vazio onde nada parece acontecer que tudo acontece – por camadas, por acumulação de pequenos nadas que constroem uma história pontilhista.
É legítimo perguntar: estaríamos a prestar tanta atenção a “Somewhere” se fosse outra pessoa (digamos, Vincent Gallo) a realizá-lo? Gostaríamos tanto? É uma pergunta sem resposta. Mas pensá-lo implica que Sofia é uma menina rica que só filma por ser filha de quem é. E o que faz de “Somewhere” um bom filme é precisamente isso: ninguém filma o vazio do sucesso como alguém que o conhece de dentro para fora. Alguém como Sofia Coppola.
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Jorge Mourinha, Ìpsilon
De que se faz, afinal, o cinema de Sofia Coppola? Que temas, obsessões ou sentimentos ligam "As Virgens Suicidas" (1999), "Lost in Translation" (2003) e "Maria Antonieta" (2006)?
Digamos que o seu novo filme, "Somewhere / Algures" (premiado com o Leão de Ouro de Veneza, em 2010), pode ajudar a responder um pouco a tais questões. Que é como quem diz: esta história da relação instável de um actor famoso e a sua filha corresponde a uma espécie de nostalgia romântica, e familiar, que desemboca quase sempre num desencanto suave. Dir-se-ia que as personagens vivem na memória de uma utopia, não política, mas afectiva, que nunca mais poderão encontrar.
Inevitavelmente, a história da relação do actor (Stephen Dorff) e da sua filha adolescente (Elle Fanning) suscitou paralelismos diversos com a próprio biografia de Sofia Coppola. Afinal de contas, ela é filha de um dos nomes grandes do moderno cinema americano, Francis Ford Coppola, e podemos sempre supor que a sua relação com o pai terá passado também por momentos em que algum conflito terá havido entre as nuances da vida particular e as exigências da profissão.
Dito isto, importa também acrescentar que o filme não nos força a tal tipo de metáfora. Aliás, o maior problema de "Somewhere" não é o seu maior ou menor grau de verdade, mas a ligeireza com que tudo é tratado, a ponto de se instalar uma indefinição pouco produtiva: crónica sofrida intimidade ou retrato caricatural da arte de ser célebre? Se Sofia Coppola é uma cineasta dos impasses existenciais da modernidade, "Lost in Translation" continua a ser o momento mais forte do seu trabalho.
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João Lopes, cinemax
ENTREVISTA À REALIZADORA
Qual a sua motivação principal para fazer este filme? Poderemos ver em ‘Algures’ um filme autobiográfico?
Todos os meus filmes têm um lado introspectivo. Nesse sentido, é um trabalho muito pessoal, mas não vou tão longe a dizer que é autobiográfico, pois a minha vida de criança e adolescente foi bastante diferente da que é mostrada no filme. Mas não deixa de ser pessoal. Nesse sentido, usei e imaginei muito do meu passado. É algo que gosto de mostrar.
E o que torna este filme pessoal para si?
É o tipo de vida que mostro. Apesar de ser diferente do que é hoje em dia, não deixa de me ser familiar; depois, o facto da minha filha (Romy, nasceu a 2006) ter nascido pouco tempo antes de começar a escrever o guião fez-me pensar como ser mãe alterava a minha perspectiva sobre o mundo. Embora seja algo diferente da de Johnny Marco (personagem de Stephen Dorff), um actor em momento de pausa e à espera do seu próximo filme. Foi mais esse ponto de vista que quis passar, mesmo que a minha vida tenha sido diferente da dele.
De que forma o facto de ser mãe influenciou todo esse processo?
Ao ser mãe acabamos sempre por olhar para o passado, para a nossa infância. Tentei recordar-me de memórias de momentos importantes que acabei por colocar no filme. No fundo, imaginei a vida deste actor com uma filha (Elle Fanning) e de que forma as prioridades se baralham e alteram a nossa maneira de pensar.
Acha que com o nascimento da sua segunda filha (Cosima, nascida em Junho de 2010) irá limitar mais o seu tempo de trabalho?
Acho que sim, apesar de ser importante continuar a ser criativa. Acho que vou encontrar o meu próprio equilíbrio familiar e continuar a trabalhar. Aliás, o que eu gosto nos filmes é que podemos trabalhar com muita intensidade, mas ter também bastante tempo livre. Acho que consigo ter o melhor desses dois mundos.
Podemos dizer que, de certa forma, o seu pai está presenta na personagem de Johnny Marco?
Não. É apenas o lado divertido e doce de um pai com uma criança. A personagem do Johnny Marco foi baseada em diversos actores e músicos, mas não no meu pai.
É até uma bela surpresa vermos o Stephen no papel excelente, ele que ultimamente estava um pouco arredado dos filmes de primeira linha... Porque se lembrou dele?
Por acaso, foi um actor de que me lembrei logo, quando estava a escrever. Foi uma imagem que me ajudou durante esse processo e que acabou por impor-se. Felizmente, foi possível trabalhar com ele.
Mas porquê o Stephen?
Já o conheço há bastante tempo e achei que ele possui essa doçura de que falava e poderia acrescentar essa dimensão humana a esta personagem com bastantes defeitos e, de certa forma, fazer-nos sentir alguma empatia com ela.
É interessante a inclusão das ‘stripers’ de ‘pole dancing’ na cena em que o Johnny Marco está no Chateau Marmont... Conhecia este tipo de ‘stripers’ que montam o seu espectáculo no local do cliente?
Não sabia que existiam, mas achei que poderia trazer à personagem uma dimensão interessante.
A Sofia lembra-se também de passar a vida em hotéis como sucede a Elle Fanning no filme?
Sim, sem dúvida. Tenho muitas memórias desse período em que estava quase sempre com adultos. O meu pai levava-me a lugares onde normalmente as crianças não iam. Lembro-me, por exemplo, de aos 16 anos o meu pai de me ter levado a Cuba e de ter conhecido o Fidel Castro. E de termos ido a Las Vegas e a Reno.
Imagino que seja difícil de eliminar as suas memórias de acompanhar o seu pai na rodagem de alguns dos seus filmes...
Claro. A relação com o meu pai é muito importante para mim e está presente no meu trabalho.
Nessa altura quando o acompanhava ainda jovem, já pensava que poderia um dia fazer um filme sobre essa vivência itinerante?
Só comecei a pensar nisso quando estava a viver em Paris, depois de ‘Marie Antoinette’. Foi talvez ao ver fotografias de alguns actores no Chateau Marmont que poderei ter começado a pensar em fazer um filme.
Disse na conferência de imprensa, aqui no festival que o seu pai teria dito que só você poderá ter feito este filme...
Talvez porque viu parte da minha personalidade no filme. Acho que sentiu algo especial.
É algo que ele costuma fazer, dar a sua opinião isenta?
É um pai e, está a ver, como pai tende a ser menos exigente. Mas ele viu este filme e disse-me que gostou muito. Mas é o meu pai, por isso... (risos)
A Sofia também é capaz de ajuizar os filmes dele?
Admiro imenso o trabalho dele. Não gosto de o analisar. Prefiro admirá-lo. Se ele me pedir alguma opinião, sobre guarda-roupa, por exemplo, sou capaz de ajudar...
Fez apenas quatro filmes, mas ao ver este percebemos que só poderia ser feito por si. Percebe-se que está a desenvolver um estilo muito próprio.
Eu gosto de filmes de realizadores em que percebemos a personalidade deles. Não é genérico que possamos reconhecer o estilo deles.
O que lhe fascina mais no processo criativo? É escrever, realizar? Trabalhar com os actores? Montagem...
É difícil de dizer. Talvez seja a montagem, pois aí já temos todos os elementos e é divertido começar a ver o filme ter uma estrutura. E acrescentar a música e o som. Mas gosto também muito de trabalhar com os actores. Há muita energia quando estamos a filmar, apesar de ter também algo desgastante.
Acha que por viver em Paris sente uma maior liberdade criativa?
Eu também vivo em Nova Iorque, não apenas em Paris. Não sei se será liberdade o que sinto, talvez seja apenas uma experiência diferente. Paris tem um ritmo diferente que Nova Iorque. É um pouco mais lento. Talvez por isso tantos escritores se tenham inspiram na vida dos cafés de Paris.
É interessante quando mostra as entrevista no hotel Four Seasons. Como é que avalia esse lado do seu trabalho, ou seja, o contacto com a imprensa e a promoção do filme. É um aspecto contratual? É algo penoso ou até pode ser algo gratificante? Até porque percebemos que o Johnny (Stephen Dorf) não liga muito a isso.
Sim, alguns actores podem ter esse lado. Sobretudo o Johnny Marco que está com uma ressaca e não está interessado em vender um filme que não gostou de fazer. Para mim é diferente, porque gosto muito deste filme. E quero falar sobre ele. E quero que chegue às pessoas. Às vezes pode é ser difícil de falar de certas coisas, pois tenho um envolvimento grande com o filme. Acho que me expresso melhor a fazer filmar.
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Paulo Portugal, c7nema.net
Sofia Coppola está habituada ao escrutínio dos holofotes – como se não bastasse ser filha de quem é, quem assina em “Lost in Translation – o Amor é um Lugar Estranho” um dos primeiros filmes seminais do século XXI ergue inescapavelmente as expectativas a uma fasquia difícil de manter.
Daí que, quatro anos depois de uma “Marie Antoinette” que dividiu as águas e levou alguns a chamarem-lhe mulher de um só filme, o primeiro “frisson” inevitável da competição de Veneza fosse “Somewhere”.
O filme foi acolhido calorosamente – a idiossincrasia de “Marie Antoinette” foi perdoada, mesmo que não reencontremos aqui a inspiração do sublime “Lost in Translation”, mesmo que este filme que se diz ser o “mais pessoal” da filha Coppola seja no fundo mais uma variação sobre o seu tema habitual – gente em limbo à procura do seu lugar na vida.
Mas chegará isso para recuperar o estatuto?
Não sabemos. Apesar dos aplausos que recebeu o filme na projecção de imprensa, estamos mesmo a ver muita gente a resmungar que é mais um filme de menina rica sobre meninos ricos que não sabem o que fazer na vida.
É verdade. Lembrámo-nos, a certa altura, do episódio que Sofia escreveu para a “História de Nova Iorque” do pai Francis, há vinte anos, sobre uma menina rica que vive num hotel – e Johnny Marco, o actor desenraizado interpretado por Stephen Dorff que é o centro de “Somewhere”, vive no lendário Chateau Marmont de Los Angeles.
Lembrámo-nos, também, de Marie Antoinette, menina rica perdida num mundo que não dominava – e Johnny também está perdido, na cerveja, nas noitadas, no tabaco, no sexo fácil a toda a hora, nas “lap dances” ao domicílio, no super-luxo dos hotéis e do tratamento VIP. Que não são “substitutos” de nada mas apenas maneiras de preencher o vazio.
Mas o que Sofia faz tão bem é precisamente fazer-nos sentir o vazio - viver o vazio. Dentro desta fachada de luxo não há nada e é preciso que haja alguma coisa, quanto mais não seja por Cleo, a filha adolescente que visita Johnny de vez em quando e acaba por lhe mostrar, imperceptivelmente, o que lhe falta.
E é preciso estar com atenção para ver o que falta. “Somewhere” é um filme de pormenores subterrâneos, planos longos e cores queimadas (rodadas e projectadas em película – o director de fotografia é Harris Savides, que assina aqui um segundo belo trabalho de Los Angeles em filme depois do “Greenberg” de Noah Baumbach). É o filme mais despojado, mais austero, mais “vazio” de Sofia - e esse despojamento é o exacto oposto da máquina da fama que “Somewhere” retrata com um misto impiedoso de melancolia e humor que fere onde dói mas não passa julgamento e ao qual o próprio filme se presta ao estar a concurso num festival tão mediaticamente VIP como Veneza.
A ironia não se perde: ao nosso lado na projecção está uma jornalista italiana louríssima, impecavelmente produzida, que logo antes do filme começar pega no espelho para ver como está o cabelo, bufa aborrecida um par de vezes ao longo do filme e, assim que as luzes sobem, saca da bolsa para retocar a maquilhagem.
Há, evidentemente, algo de rebelde num filme que morde (mesmo que gentilmente) a mão que lhe dá de comer, de menina rica que se queixa sobre como é chato ser uma menina rica. Mas são essas contradições que alimentam a tensão do cinema de Sofia e, sobretudo, de “Somewhere”.
E, como em todos os filmes de Sofia, é nesse vazio onde nada parece acontecer que tudo acontece – por camadas, por acumulação de pequenos nadas que constroem uma história pontilhista.
É legítimo perguntar: estaríamos a prestar tanta atenção a “Somewhere” se fosse outra pessoa (digamos, Vincent Gallo) a realizá-lo? Gostaríamos tanto? É uma pergunta sem resposta. Mas pensá-lo implica que Sofia é uma menina rica que só filma por ser filha de quem é. E o que faz de “Somewhere” um bom filme é precisamente isso: ninguém filma o vazio do sucesso como alguém que o conhece de dentro para fora. Alguém como Sofia Coppola.
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Jorge Mourinha, Ìpsilon
De que se faz, afinal, o cinema de Sofia Coppola? Que temas, obsessões ou sentimentos ligam "As Virgens Suicidas" (1999), "Lost in Translation" (2003) e "Maria Antonieta" (2006)?
Digamos que o seu novo filme, "Somewhere / Algures" (premiado com o Leão de Ouro de Veneza, em 2010), pode ajudar a responder um pouco a tais questões. Que é como quem diz: esta história da relação instável de um actor famoso e a sua filha corresponde a uma espécie de nostalgia romântica, e familiar, que desemboca quase sempre num desencanto suave. Dir-se-ia que as personagens vivem na memória de uma utopia, não política, mas afectiva, que nunca mais poderão encontrar.
Inevitavelmente, a história da relação do actor (Stephen Dorff) e da sua filha adolescente (Elle Fanning) suscitou paralelismos diversos com a próprio biografia de Sofia Coppola. Afinal de contas, ela é filha de um dos nomes grandes do moderno cinema americano, Francis Ford Coppola, e podemos sempre supor que a sua relação com o pai terá passado também por momentos em que algum conflito terá havido entre as nuances da vida particular e as exigências da profissão.
Dito isto, importa também acrescentar que o filme não nos força a tal tipo de metáfora. Aliás, o maior problema de "Somewhere" não é o seu maior ou menor grau de verdade, mas a ligeireza com que tudo é tratado, a ponto de se instalar uma indefinição pouco produtiva: crónica sofrida intimidade ou retrato caricatural da arte de ser célebre? Se Sofia Coppola é uma cineasta dos impasses existenciais da modernidade, "Lost in Translation" continua a ser o momento mais forte do seu trabalho.
.
João Lopes, cinemax
ENTREVISTA À REALIZADORA
Qual a sua motivação principal para fazer este filme? Poderemos ver em ‘Algures’ um filme autobiográfico?
Todos os meus filmes têm um lado introspectivo. Nesse sentido, é um trabalho muito pessoal, mas não vou tão longe a dizer que é autobiográfico, pois a minha vida de criança e adolescente foi bastante diferente da que é mostrada no filme. Mas não deixa de ser pessoal. Nesse sentido, usei e imaginei muito do meu passado. É algo que gosto de mostrar.
E o que torna este filme pessoal para si?
É o tipo de vida que mostro. Apesar de ser diferente do que é hoje em dia, não deixa de me ser familiar; depois, o facto da minha filha (Romy, nasceu a 2006) ter nascido pouco tempo antes de começar a escrever o guião fez-me pensar como ser mãe alterava a minha perspectiva sobre o mundo. Embora seja algo diferente da de Johnny Marco (personagem de Stephen Dorff), um actor em momento de pausa e à espera do seu próximo filme. Foi mais esse ponto de vista que quis passar, mesmo que a minha vida tenha sido diferente da dele.
De que forma o facto de ser mãe influenciou todo esse processo?
Ao ser mãe acabamos sempre por olhar para o passado, para a nossa infância. Tentei recordar-me de memórias de momentos importantes que acabei por colocar no filme. No fundo, imaginei a vida deste actor com uma filha (Elle Fanning) e de que forma as prioridades se baralham e alteram a nossa maneira de pensar.
Acha que com o nascimento da sua segunda filha (Cosima, nascida em Junho de 2010) irá limitar mais o seu tempo de trabalho?
Acho que sim, apesar de ser importante continuar a ser criativa. Acho que vou encontrar o meu próprio equilíbrio familiar e continuar a trabalhar. Aliás, o que eu gosto nos filmes é que podemos trabalhar com muita intensidade, mas ter também bastante tempo livre. Acho que consigo ter o melhor desses dois mundos.
Podemos dizer que, de certa forma, o seu pai está presenta na personagem de Johnny Marco?
Não. É apenas o lado divertido e doce de um pai com uma criança. A personagem do Johnny Marco foi baseada em diversos actores e músicos, mas não no meu pai.
É até uma bela surpresa vermos o Stephen no papel excelente, ele que ultimamente estava um pouco arredado dos filmes de primeira linha... Porque se lembrou dele?
Por acaso, foi um actor de que me lembrei logo, quando estava a escrever. Foi uma imagem que me ajudou durante esse processo e que acabou por impor-se. Felizmente, foi possível trabalhar com ele.
Mas porquê o Stephen?
Já o conheço há bastante tempo e achei que ele possui essa doçura de que falava e poderia acrescentar essa dimensão humana a esta personagem com bastantes defeitos e, de certa forma, fazer-nos sentir alguma empatia com ela.
É interessante a inclusão das ‘stripers’ de ‘pole dancing’ na cena em que o Johnny Marco está no Chateau Marmont... Conhecia este tipo de ‘stripers’ que montam o seu espectáculo no local do cliente?
Não sabia que existiam, mas achei que poderia trazer à personagem uma dimensão interessante.
A Sofia lembra-se também de passar a vida em hotéis como sucede a Elle Fanning no filme?
Sim, sem dúvida. Tenho muitas memórias desse período em que estava quase sempre com adultos. O meu pai levava-me a lugares onde normalmente as crianças não iam. Lembro-me, por exemplo, de aos 16 anos o meu pai de me ter levado a Cuba e de ter conhecido o Fidel Castro. E de termos ido a Las Vegas e a Reno.
Imagino que seja difícil de eliminar as suas memórias de acompanhar o seu pai na rodagem de alguns dos seus filmes...
Claro. A relação com o meu pai é muito importante para mim e está presente no meu trabalho.
Nessa altura quando o acompanhava ainda jovem, já pensava que poderia um dia fazer um filme sobre essa vivência itinerante?
Só comecei a pensar nisso quando estava a viver em Paris, depois de ‘Marie Antoinette’. Foi talvez ao ver fotografias de alguns actores no Chateau Marmont que poderei ter começado a pensar em fazer um filme.
Disse na conferência de imprensa, aqui no festival que o seu pai teria dito que só você poderá ter feito este filme...
Talvez porque viu parte da minha personalidade no filme. Acho que sentiu algo especial.
É algo que ele costuma fazer, dar a sua opinião isenta?
É um pai e, está a ver, como pai tende a ser menos exigente. Mas ele viu este filme e disse-me que gostou muito. Mas é o meu pai, por isso... (risos)
A Sofia também é capaz de ajuizar os filmes dele?
Admiro imenso o trabalho dele. Não gosto de o analisar. Prefiro admirá-lo. Se ele me pedir alguma opinião, sobre guarda-roupa, por exemplo, sou capaz de ajudar...
Fez apenas quatro filmes, mas ao ver este percebemos que só poderia ser feito por si. Percebe-se que está a desenvolver um estilo muito próprio.
Eu gosto de filmes de realizadores em que percebemos a personalidade deles. Não é genérico que possamos reconhecer o estilo deles.
O que lhe fascina mais no processo criativo? É escrever, realizar? Trabalhar com os actores? Montagem...
É difícil de dizer. Talvez seja a montagem, pois aí já temos todos os elementos e é divertido começar a ver o filme ter uma estrutura. E acrescentar a música e o som. Mas gosto também muito de trabalhar com os actores. Há muita energia quando estamos a filmar, apesar de ter também algo desgastante.
Acha que por viver em Paris sente uma maior liberdade criativa?
Eu também vivo em Nova Iorque, não apenas em Paris. Não sei se será liberdade o que sinto, talvez seja apenas uma experiência diferente. Paris tem um ritmo diferente que Nova Iorque. É um pouco mais lento. Talvez por isso tantos escritores se tenham inspiram na vida dos cafés de Paris.
É interessante quando mostra as entrevista no hotel Four Seasons. Como é que avalia esse lado do seu trabalho, ou seja, o contacto com a imprensa e a promoção do filme. É um aspecto contratual? É algo penoso ou até pode ser algo gratificante? Até porque percebemos que o Johnny (Stephen Dorf) não liga muito a isso.
Sim, alguns actores podem ter esse lado. Sobretudo o Johnny Marco que está com uma ressaca e não está interessado em vender um filme que não gostou de fazer. Para mim é diferente, porque gosto muito deste filme. E quero falar sobre ele. E quero que chegue às pessoas. Às vezes pode é ser difícil de falar de certas coisas, pois tenho um envolvimento grande com o filme. Acho que me expresso melhor a fazer filmar.
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Paulo Portugal, c7nema.net
Título Original: Somewhere
Realização: Sofia Coppola
Argumento: Sofia Coppola
Fotografia: Harris Savides
Montagem: Sarah Flack
Música: Phoenix
Interpretação: Stephen Dorff, Elle Fanning, Chris Pontius, Michelle Monaghan
Origem: EUA
Ano: 2010
Duração: 97’
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Reservas: ccf@cineclubefaro.com (levantar até às 21h45)
Comprar para qualquer sessão (na sede ou nas sessões – bilheteira abre às 21h30)
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