CLAUSTROS DO MUSEU MUNICIPAL
Sócios - 2€ (caderno de 5 senhas, 10€)
Não-Sócios - Estudantes 3,5€ / Restantes 4€
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Um realizador subjugado perante a música dos seus actores. Um realizador paralisado pela doçura?
Aquela sequência em que Ryan Gosling toca e Michelle Williams canta... a suspensão que a improvisação origina, como uma explosão, a distância que se anula, tudo suspenso, inclusive o discernimento que fica sem efeito. Essa sequência contém "Só tu e eu": um realizador, Derek Cianfrance, subjugado perante a música dos seus actores. Um realizador paralisado pela doçura?
A história de Dean (Gosling) e Cindy Periera (Williams) é a catarse feita por um filho de pais divorciados, Cianfrance. É um "labour of love", que demorou 12 anos e 66 versões de argumento a ser concretizado, sobre o fim do amor. Dois tempos, em progressão através do "flashback" - o passado e o presente, o amor e o cansaço -, caminham até ao ponto em que a união e a separação de Dean e Cindy se encontram, um desencontro final. E ainda, pensando na sequência em Manhattan Bridge, filmada numa única "take": aquela resistência de Michelle Williams, uma forma própria que a actriz continua a ter de (nos) agredir com a doçura; o generoso "mergulho" de Ryan Gosling (no caso da cena em questão é, antes, ameaça de voo), actor que aqui tanto lembra o jovem Robert de Niro - não por semelhança física, mas pelo clima de ameaça; e não que ele ameace fazer mal, ele ameaça fazer-se mal.
Com os actores, peças que se tornaram decisivas para a forma como o filme se foi "escrevendo", o realizador organizou uma rodagem em dois tempos: filmou primeiro o enlevo amoroso, o passado, depois o fim do amor, o presente, e separou os dois com a convivência "forçada" de Ryan e Michelle, durante um mês, no quotidiano da "sua" casa. Para ficarem devidamente cansados um do outro.
Cianfrance tinha, portanto, um diamante entre mãos - temos dúvidas é que tenha conseguido autoridade suficiente para o lapidar. Dito de outra forma: este é daqueles casos em que o investimento e a generosidade de um realizador não é proporcional à afirmação de um cineasta. A questão dos "tempos", por exemplo, é problemática. Mesmo tendo utilizado - como Cianfrance explica em entrevistas - técnicas diferentes em cada "segmento", a coexistência que "Só tu e eu" vai tecendo entre passado e presente é sempre mais apaziguada e linear do que convulsa e tensa. E é como se, progressivamente, as hipóteses de tensão fossem anuladas.
Somos gentil e docemente guiados pela dramaturgia de uma separação que nos é descrita em vez de sermos apanhados pela derrocada emocional - como acontecia, por exemplo, em "Cenas da Vida Conjugal" (1973), de Bergman (isto é: lucidez fulminante), como acontece (isto é: prostração) no cinema de John Cassavetes, referência que Cianfrance assume. "Só tu e eu" tem menos possibilidade de enfrentar esses monumentos. Poderá ser mais capaz de medir forças com a nostalgia, com "O Nosso Amor de Ontem" (1973), de Sidney Pollack, por exemplo, mas a tristeza aí também era alimentada pelo fim do melodrama clássico, consciência que já não assombra Cianfrance. Realizador subjugado perante a beleza dos seus actores. Realizador paralisado pela doçura? Sim, um filme doce.
.
Vasco Câmara, Ípsilon
Perguntar o que é o amor, é tão universal quanto a questão imortalizada por Paul Gauguin «D’où venons-nous? Que sommes-nous? Où allons-nous?» (De onde vimos? Quem Somos? Para onde vamos?). A resposta é também ela universal e incerta. À parte de explicações científicas que resumem tudo a uma dose de hormonas e elementos químicos, a verdade é que para quem se questiona é difícil aceitar algo tão básico. Tudo isto para dizer que nada é tão simples quanto aparenta, ou mesmo que o seja, não se aceita. Porque somos complicados, assim como as relações o são.
Blue Valentine, a que em Portugal acrescentaram um sufixo que lhe reduz toda a magia do título – Tu e Eu – é original precisamente por isso. Porque retrata à luz da realidade a relação entre casais habitualmente romantizada pela indústria cinematográfica. Porque parte da questão universal sobre o que é o amor, se é eterno, como nasce e como morre. Foge da tendência do cinema romântico em apresentar o relacionamento entre duas pessoas como o mar de rosas, que efectivamente não é. Não quer com isto dizer que Blue Valentine é um filme pessimista, porque não é. É um filme real, sobre a rotina. É isto o amor? Não sabemos. Tanto pode ser como não, pode ter um fim ou não, mas tem sempre as suas curvas ascendentes e descendentes.
Derek Cianfrance divide-se entre as duas épocas que compõem o amor de Dean e Cindy: a fase inicial, do conhecimento, paixão, espontaneidade e a fase final, o desgaste da rotina, o afastamento, as dúvidas, a complexidade. Um contraste contínuo e alternado entre a recordação e nostalgia do passado, com a constante percepção do presente. As coisas mudaram e de quem é a culpa? É dos dois? Ou de nenhum? A facilidade do início é contraposta pela dificuldade em colocar um fim a algo que aparentemente já não tem futuro. Cindy tem dúvidas. É a ela que lhe começam a nascer. Ora pelo firmar da sua relação ter sido algo precipitada, ora por um encontro acidental com alguém do seu passado começar a colocar em questão o futuro. Não surpreende que parta dela a intenção de terminar o remediado. Ele, Dean, assume que não. Mas ficamos na dúvida, nós e ele, se essa dificuldade em aceitar o inevitável parte daquilo que conhecemos por amor ou apenas remediar o que já não tem remédio, o eventual corte com a rotina que tanto custa.
E tão bem, o cineasta assume essa tendência para o corte – pessimista ou realista, não interessa – ao visualmente retratar essas dúvidas. Se o passado é filmado com cores vivas e tons quentes, o presente é retratado em cinza e tons frios. Tão irónico quanto o quarto de motel onde tentam por fim resolver as dúvidas se chamar quarto futurista. Como uma premonição do eventual fim. Tão irónico quanto o tom sufocante que simultaneamente invade as personagens e o espectador. Nobody baby, but you and me. Porque ali são apenas eles. Dean e Cindy numa réstia de firmeza ao passado num quarto tão sufocante, num ambiente que tem tanto de sexy como de desesperante. Tanto de belo e poético como decadente.
Michelle Williams e Ryan Gosling assinam aqui uma das melhores interpretações da sua carreira. Ela, nomeada ao Óscar para Melhor Actriz, nunca chega a atingir a genialidade de Ryan Gosling, um dos actores mais menosprezados desta geração, mas principalmente um dos mais talentosos e injustamente sem uma nomeação ao Óscar de Melhor Actor. Eles transformam-se em Dean e Cindy. Eles são Dean e Cindy e sentem as mesmas dores e as mesmas dúvidas. A mesma obsessão em tentar sobreviver à ruptura que insiste em assolar a sua vida conjunta. Assim como nós. Nós somos eles. Vivemos o mesmo turbilhão, a mesma desolação e melancolia. A mesma dúvida: é isto o amor? Talvez seja, talvez não. Mas a doçura com que Blue Valentine coexiste com os nossos próprios medos é tão realista e honesta que não há forma de não nos apaixonarmos.
Em Blue Valentine há um fim. Mas nunca chegamos a saber se este fim é eterno ou não. Naquele dia sim. Mas o amor e uma vida acaba assim de uma vez, num dia? Também de pouco interessa porque está aqui criado um dos mais importantes e belos retratos do amor e da relação humana.
.
Tiago Ramos
INCLUI DECLARAÇÕES DE RYAN GOSLING
É um facto: Ryan Gosling está a tornar-se um dos talentos mais disputados em Hollywood, mas o intérprete de "Só tu e eu" / "Blue Valentine" nunca irá ser um ídolo convencional de matinées. Já foi nomeado para um Óscar como professor toxicodependente em "Encurralados" /"Half Nelson" e, prestação inesquecível, em "Lars e o Verdadeiro Amor" apaixonava-se por uma boneca insuflável. É natural: para quem foi admitido no Mickey Mouse Club aos 12 anos - era importante ter nos seus membros uma criança canadiana - Ryan está a compensar.
"Só tu e eu", de Derek Cianfrance, é simultaneamente um romance e a história conturbada do seu fim. Michelle Williams interpreta a outra metade do casal, que luta para salvar um casamento de seis anos. Vemos o princípio do fim no início e depois há um "flashback" até à altura em que os dois se conheceram, tempos mais felizes. Mas para Gosling, 30 anos, a relação não está forçosamente no fim. "As relações crescem quando as pessoas passam por períodos difíceis" , diz-nos. "Essas dificuldades mostram-nos quem somos realmente. Este casal passa por dias complicados."
Afinal: acabam ou não? "Bom, pelo menos naquele dia. Eles têm uma criança e uma vida juntos e isso não acaba assim de um momento para o outro quando o filme acaba. 'E Tudo o Vento Levou' é mais definitivo. Ele diz: 'sinceramente, minha querida, estou-me nas tintas' e vai-se embora. Em 'Titanic', ele morre e a coisa acaba. Em 'Blue Valentine' ela está a sentir-se sufocada. Percebo que queira dar um tempo."
"É um filme romântico e sim é um filme sexy", continua. "Enfrenta a verdade das relações. Que são complicadas. Quando se vê muitos filmes, assume-se que o amor se comporta de determinada maneira e quando a nossa vida se revela diferente dos filmes, pensamos que a devemos mudar. Estamos atrás de uma imagem que é uma distorção da realidade. Já filmei muitas cenas de sexo, mas nenhuma como aqui, de forma íntima". Como é que se prepara? Bebe? "Não, se assim fosse a coisa corria o risco de se tomar real! É preciso ter cuidado. Mas connosco não houve problema."
Gosling não é sempre cuidadoso. Numa cena improvisada, em que o realizador lhe disse para insistir com a personagem de Williams, saber o que se passava com ela (ela está grávida, de outro homem), ele começou a escalar pelas grades da Manhattan Bridge até ao topo.
"Filmámos durante horas, Michelle não me respondia e o sol estava a desaparecer e estávamos a perder luz, e até já estávamos a filmar para além do tempo que nos tinham autorizado. Eu estava desesperado, quase me matei. Foi estúpido. Quando acabámos a take, havia lágrimas nos olhos da equipa." Michelle continuou "cool". "Ela puxou as coisas até ao limite. É como disse o Derek: eu sou a rapariga e ela é o rapaz. É o contrário do padrão da maioria dos filmes, onde os homens são sempre quem se vai embora e as mulheres querem ficar."
Em última análise Gosling levou a personagem até limites que nem ele nem Cianfrance tinham imaginado. "Não percebo como funciona a representação. Para mim é um mistério. O que é nosso e o que não é e quanto da personagem somos nós, nunca entenderei. É difícil fazê-lo e sabê-lo ao mesmo tempo."
A primeira vez que falou sobre "Blue Valentine" com Cianfrance tinha 23 anos e acreditava ser demasiado novo para fazer de pai de uma criança de seis anos - como acontece na última parte da história. A espera de seis anos acabou por ser apropriada. "Todo o filme é um estudo do tempo e dos seus efeitos, físicos e emocionais", diz Gosling. "Acho interessante e aprendi muito com isso. Olhando para trás, foi a experiência mais gratificante da minha carreira."
Filho de Thomas e Donna Gosling, que se divorciaram quando o filho era criança, Ryan foi criado na religião Mormon. Criança hiperactiva, criando problemas na escola - passou a ter aulas em casa - encontrou uma base de apoio: cantar com a irmã mais velha, Mandi, em casamentos. Foi aceite no Mickey Mouse Club onde, segundo ele, a sua incapacidade para cantar e dançar o faziam sempre aparecer no início e só depois no fim de números musicais que tinham como vedetas Justin Timberlake, Christina Aguilera e Britney Spears. Mas voltou a ter problemas quando foi apanhado a esclarecer as raparigas sobre as várias posições sexuais. "Diziam que eu era demasiado sexual para trabalhar para a Disney. Eu acho que era normal. Eu nunca toquei naquelas raparigas."
Depois de mudar para Los Angeles, aos 16 anos, teve o papel principal em "Young Hercules", série onde pôde, enfim, ser ele próprio. Uma década depois, estava no centro das atenções devido à sua nomeação para o Óscar por "HaIf Nelson" e pelo excêntrico "Lars and the Real Girl". Ele é, de fac¬to, um excêntrico nato. De todas as suas personagens é com Lars que mais se identifica - a boneca do filme, para que conste, está hoje na sua sala de estar "Pu-la a ler um livro, à janela. Mudo o livro uma vez por mês, para ela não se aborrecer", brinca.
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Helen Barlow, Público, 25/2/11
Aquela sequência em que Ryan Gosling toca e Michelle Williams canta... a suspensão que a improvisação origina, como uma explosão, a distância que se anula, tudo suspenso, inclusive o discernimento que fica sem efeito. Essa sequência contém "Só tu e eu": um realizador, Derek Cianfrance, subjugado perante a música dos seus actores. Um realizador paralisado pela doçura?
A história de Dean (Gosling) e Cindy Periera (Williams) é a catarse feita por um filho de pais divorciados, Cianfrance. É um "labour of love", que demorou 12 anos e 66 versões de argumento a ser concretizado, sobre o fim do amor. Dois tempos, em progressão através do "flashback" - o passado e o presente, o amor e o cansaço -, caminham até ao ponto em que a união e a separação de Dean e Cindy se encontram, um desencontro final. E ainda, pensando na sequência em Manhattan Bridge, filmada numa única "take": aquela resistência de Michelle Williams, uma forma própria que a actriz continua a ter de (nos) agredir com a doçura; o generoso "mergulho" de Ryan Gosling (no caso da cena em questão é, antes, ameaça de voo), actor que aqui tanto lembra o jovem Robert de Niro - não por semelhança física, mas pelo clima de ameaça; e não que ele ameace fazer mal, ele ameaça fazer-se mal.
Com os actores, peças que se tornaram decisivas para a forma como o filme se foi "escrevendo", o realizador organizou uma rodagem em dois tempos: filmou primeiro o enlevo amoroso, o passado, depois o fim do amor, o presente, e separou os dois com a convivência "forçada" de Ryan e Michelle, durante um mês, no quotidiano da "sua" casa. Para ficarem devidamente cansados um do outro.
Cianfrance tinha, portanto, um diamante entre mãos - temos dúvidas é que tenha conseguido autoridade suficiente para o lapidar. Dito de outra forma: este é daqueles casos em que o investimento e a generosidade de um realizador não é proporcional à afirmação de um cineasta. A questão dos "tempos", por exemplo, é problemática. Mesmo tendo utilizado - como Cianfrance explica em entrevistas - técnicas diferentes em cada "segmento", a coexistência que "Só tu e eu" vai tecendo entre passado e presente é sempre mais apaziguada e linear do que convulsa e tensa. E é como se, progressivamente, as hipóteses de tensão fossem anuladas.
Somos gentil e docemente guiados pela dramaturgia de uma separação que nos é descrita em vez de sermos apanhados pela derrocada emocional - como acontecia, por exemplo, em "Cenas da Vida Conjugal" (1973), de Bergman (isto é: lucidez fulminante), como acontece (isto é: prostração) no cinema de John Cassavetes, referência que Cianfrance assume. "Só tu e eu" tem menos possibilidade de enfrentar esses monumentos. Poderá ser mais capaz de medir forças com a nostalgia, com "O Nosso Amor de Ontem" (1973), de Sidney Pollack, por exemplo, mas a tristeza aí também era alimentada pelo fim do melodrama clássico, consciência que já não assombra Cianfrance. Realizador subjugado perante a beleza dos seus actores. Realizador paralisado pela doçura? Sim, um filme doce.
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Vasco Câmara, Ípsilon
Perguntar o que é o amor, é tão universal quanto a questão imortalizada por Paul Gauguin «D’où venons-nous? Que sommes-nous? Où allons-nous?» (De onde vimos? Quem Somos? Para onde vamos?). A resposta é também ela universal e incerta. À parte de explicações científicas que resumem tudo a uma dose de hormonas e elementos químicos, a verdade é que para quem se questiona é difícil aceitar algo tão básico. Tudo isto para dizer que nada é tão simples quanto aparenta, ou mesmo que o seja, não se aceita. Porque somos complicados, assim como as relações o são.
Blue Valentine, a que em Portugal acrescentaram um sufixo que lhe reduz toda a magia do título – Tu e Eu – é original precisamente por isso. Porque retrata à luz da realidade a relação entre casais habitualmente romantizada pela indústria cinematográfica. Porque parte da questão universal sobre o que é o amor, se é eterno, como nasce e como morre. Foge da tendência do cinema romântico em apresentar o relacionamento entre duas pessoas como o mar de rosas, que efectivamente não é. Não quer com isto dizer que Blue Valentine é um filme pessimista, porque não é. É um filme real, sobre a rotina. É isto o amor? Não sabemos. Tanto pode ser como não, pode ter um fim ou não, mas tem sempre as suas curvas ascendentes e descendentes.
Derek Cianfrance divide-se entre as duas épocas que compõem o amor de Dean e Cindy: a fase inicial, do conhecimento, paixão, espontaneidade e a fase final, o desgaste da rotina, o afastamento, as dúvidas, a complexidade. Um contraste contínuo e alternado entre a recordação e nostalgia do passado, com a constante percepção do presente. As coisas mudaram e de quem é a culpa? É dos dois? Ou de nenhum? A facilidade do início é contraposta pela dificuldade em colocar um fim a algo que aparentemente já não tem futuro. Cindy tem dúvidas. É a ela que lhe começam a nascer. Ora pelo firmar da sua relação ter sido algo precipitada, ora por um encontro acidental com alguém do seu passado começar a colocar em questão o futuro. Não surpreende que parta dela a intenção de terminar o remediado. Ele, Dean, assume que não. Mas ficamos na dúvida, nós e ele, se essa dificuldade em aceitar o inevitável parte daquilo que conhecemos por amor ou apenas remediar o que já não tem remédio, o eventual corte com a rotina que tanto custa.
E tão bem, o cineasta assume essa tendência para o corte – pessimista ou realista, não interessa – ao visualmente retratar essas dúvidas. Se o passado é filmado com cores vivas e tons quentes, o presente é retratado em cinza e tons frios. Tão irónico quanto o quarto de motel onde tentam por fim resolver as dúvidas se chamar quarto futurista. Como uma premonição do eventual fim. Tão irónico quanto o tom sufocante que simultaneamente invade as personagens e o espectador. Nobody baby, but you and me. Porque ali são apenas eles. Dean e Cindy numa réstia de firmeza ao passado num quarto tão sufocante, num ambiente que tem tanto de sexy como de desesperante. Tanto de belo e poético como decadente.
Michelle Williams e Ryan Gosling assinam aqui uma das melhores interpretações da sua carreira. Ela, nomeada ao Óscar para Melhor Actriz, nunca chega a atingir a genialidade de Ryan Gosling, um dos actores mais menosprezados desta geração, mas principalmente um dos mais talentosos e injustamente sem uma nomeação ao Óscar de Melhor Actor. Eles transformam-se em Dean e Cindy. Eles são Dean e Cindy e sentem as mesmas dores e as mesmas dúvidas. A mesma obsessão em tentar sobreviver à ruptura que insiste em assolar a sua vida conjunta. Assim como nós. Nós somos eles. Vivemos o mesmo turbilhão, a mesma desolação e melancolia. A mesma dúvida: é isto o amor? Talvez seja, talvez não. Mas a doçura com que Blue Valentine coexiste com os nossos próprios medos é tão realista e honesta que não há forma de não nos apaixonarmos.
Em Blue Valentine há um fim. Mas nunca chegamos a saber se este fim é eterno ou não. Naquele dia sim. Mas o amor e uma vida acaba assim de uma vez, num dia? Também de pouco interessa porque está aqui criado um dos mais importantes e belos retratos do amor e da relação humana.
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Tiago Ramos
INCLUI DECLARAÇÕES DE RYAN GOSLING
É um facto: Ryan Gosling está a tornar-se um dos talentos mais disputados em Hollywood, mas o intérprete de "Só tu e eu" / "Blue Valentine" nunca irá ser um ídolo convencional de matinées. Já foi nomeado para um Óscar como professor toxicodependente em "Encurralados" /"Half Nelson" e, prestação inesquecível, em "Lars e o Verdadeiro Amor" apaixonava-se por uma boneca insuflável. É natural: para quem foi admitido no Mickey Mouse Club aos 12 anos - era importante ter nos seus membros uma criança canadiana - Ryan está a compensar.
"Só tu e eu", de Derek Cianfrance, é simultaneamente um romance e a história conturbada do seu fim. Michelle Williams interpreta a outra metade do casal, que luta para salvar um casamento de seis anos. Vemos o princípio do fim no início e depois há um "flashback" até à altura em que os dois se conheceram, tempos mais felizes. Mas para Gosling, 30 anos, a relação não está forçosamente no fim. "As relações crescem quando as pessoas passam por períodos difíceis" , diz-nos. "Essas dificuldades mostram-nos quem somos realmente. Este casal passa por dias complicados."
Afinal: acabam ou não? "Bom, pelo menos naquele dia. Eles têm uma criança e uma vida juntos e isso não acaba assim de um momento para o outro quando o filme acaba. 'E Tudo o Vento Levou' é mais definitivo. Ele diz: 'sinceramente, minha querida, estou-me nas tintas' e vai-se embora. Em 'Titanic', ele morre e a coisa acaba. Em 'Blue Valentine' ela está a sentir-se sufocada. Percebo que queira dar um tempo."
"É um filme romântico e sim é um filme sexy", continua. "Enfrenta a verdade das relações. Que são complicadas. Quando se vê muitos filmes, assume-se que o amor se comporta de determinada maneira e quando a nossa vida se revela diferente dos filmes, pensamos que a devemos mudar. Estamos atrás de uma imagem que é uma distorção da realidade. Já filmei muitas cenas de sexo, mas nenhuma como aqui, de forma íntima". Como é que se prepara? Bebe? "Não, se assim fosse a coisa corria o risco de se tomar real! É preciso ter cuidado. Mas connosco não houve problema."
Gosling não é sempre cuidadoso. Numa cena improvisada, em que o realizador lhe disse para insistir com a personagem de Williams, saber o que se passava com ela (ela está grávida, de outro homem), ele começou a escalar pelas grades da Manhattan Bridge até ao topo.
"Filmámos durante horas, Michelle não me respondia e o sol estava a desaparecer e estávamos a perder luz, e até já estávamos a filmar para além do tempo que nos tinham autorizado. Eu estava desesperado, quase me matei. Foi estúpido. Quando acabámos a take, havia lágrimas nos olhos da equipa." Michelle continuou "cool". "Ela puxou as coisas até ao limite. É como disse o Derek: eu sou a rapariga e ela é o rapaz. É o contrário do padrão da maioria dos filmes, onde os homens são sempre quem se vai embora e as mulheres querem ficar."
Em última análise Gosling levou a personagem até limites que nem ele nem Cianfrance tinham imaginado. "Não percebo como funciona a representação. Para mim é um mistério. O que é nosso e o que não é e quanto da personagem somos nós, nunca entenderei. É difícil fazê-lo e sabê-lo ao mesmo tempo."
A primeira vez que falou sobre "Blue Valentine" com Cianfrance tinha 23 anos e acreditava ser demasiado novo para fazer de pai de uma criança de seis anos - como acontece na última parte da história. A espera de seis anos acabou por ser apropriada. "Todo o filme é um estudo do tempo e dos seus efeitos, físicos e emocionais", diz Gosling. "Acho interessante e aprendi muito com isso. Olhando para trás, foi a experiência mais gratificante da minha carreira."
Filho de Thomas e Donna Gosling, que se divorciaram quando o filho era criança, Ryan foi criado na religião Mormon. Criança hiperactiva, criando problemas na escola - passou a ter aulas em casa - encontrou uma base de apoio: cantar com a irmã mais velha, Mandi, em casamentos. Foi aceite no Mickey Mouse Club onde, segundo ele, a sua incapacidade para cantar e dançar o faziam sempre aparecer no início e só depois no fim de números musicais que tinham como vedetas Justin Timberlake, Christina Aguilera e Britney Spears. Mas voltou a ter problemas quando foi apanhado a esclarecer as raparigas sobre as várias posições sexuais. "Diziam que eu era demasiado sexual para trabalhar para a Disney. Eu acho que era normal. Eu nunca toquei naquelas raparigas."
Depois de mudar para Los Angeles, aos 16 anos, teve o papel principal em "Young Hercules", série onde pôde, enfim, ser ele próprio. Uma década depois, estava no centro das atenções devido à sua nomeação para o Óscar por "HaIf Nelson" e pelo excêntrico "Lars and the Real Girl". Ele é, de fac¬to, um excêntrico nato. De todas as suas personagens é com Lars que mais se identifica - a boneca do filme, para que conste, está hoje na sua sala de estar "Pu-la a ler um livro, à janela. Mudo o livro uma vez por mês, para ela não se aborrecer", brinca.
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Helen Barlow, Público, 25/2/11
(desculpem as legendas em brasileiro...)
Título Original: Blue Valentine
Realização: Derek Cianfrance
Argumento: Derek Cianfrance, Cami Delavigne, Joey Curtis
Fotografia: Andrij Parekh
Montagem: Jim Helton, Ron Patane
Música: Grizzly Bear
Interpretação: Ryan Gosling, Michelle Williams, Faith Wladyka, John Doman,
Mike Vogel, Marshall Johnson, Jen Jones, Maryann Plunkett, James Benatti, Barbara TroyCarey Westbrook
Origem: EUA
Ano: 2010
Duração: 112'
Reservas até às 17h do dia da sessão: ccf@cineclubefaro.com (levantar até às 21h45)
Comprar para qualquer sessão (na sede ou nas sessões – bilheteira abre às 21h30)
Abertura das portas do recinto: 21h45
Comprar para qualquer sessão (na sede ou nas sessões – bilheteira abre às 21h30)
Abertura das portas do recinto: 21h45
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