13|11|12 21:30, IPDJ "O GEBO E A SOMBRA" Manoel de Oliveira em todo o seu esplendor...



DIA 13 de NOVEMBRO
O GEBO E A SOMBRA, Manoel de Oliveira, Portugal/França, 2012, 95’, M/12

FICHA TÉCNICA


Realização: Manoel de Oliveira
Argumento: Manoel de Oliveira, baseado na peça homónima de Raul Brandão
Fotografia: Renato Berta
Montagem: Valérie Loiseleux
Origem: Portugal/França
Ano: 2012
Duração: 95’


SINOPSE

Apesar de viver no limiar da pobreza, Gebo continua a sua actividade de contabilista para sustentar Doroteia, a mulher, e Sofia, a nora. A existência daquelas três pessoas é triste e monótona, girando à volta da ausência de João, o filho, que ninguém sabe onde está ou as razões por que partiu. Apesar do velho senhor tentar encontrar maneiras de aliviar o sofrimento das duas mulheres, parece que nada consegue minimizar as suas dores. Até que, sem que já ninguém o esperasse, João regressa. E é a partir daquele momento que o equilíbrio familiar, já de si frágil, se rompe, dando origem a uma catástrofe....
Baseado na peça homónima de Raul Brandão (1867-1930), escrita em 1923, a mais recente obra do mestre Manoel de Oliveira é um retrato da pobreza, da honestidade e do sacrifício.
O "Gebo e a Sombra" teve a sua estreia mundial no início de Setembro, em dias sucessivos, no Festival de Veneza e na Cinemateca Francesa em Paris.



TRAILER



"Um filme magnífico, um grandíssimo Oliveira. Chapéu, Sr. Manoel.
Terá dito Oliveira, conforme citado algures, que foi em resposta a uma sugestão de que fizesse “um filme sobre a pobreza” que se lembrou de adaptar O Gebo e a Sombra de Raul Brandão. A “pobreza”, e o seu tema associado, o “dinheiro”, já tinham visitado, mais este do que aquela, a sua antepenúltima longa, Singularidades de uma Rapariga Loura (a partir de Eça, mas com a moeda convertida em euros); e havia uma espécie de pobreza, a pobreza espiritual de um mundo falho de imaginação, excessiva e tristemente real, no filme que se lhe seguiu, O Estranho Caso de Angélica, onde tudo era tão cinzento que o protagonista preferia a fantasia mórbida, mas mágica e promissora, que vinha com o sorriso de uma morta. São dois filmes excelentes, como excelente é O Gebo e a Sombra, que cruza estes títulos anteriores: fala do dinheiro - “o dinheiro nunca se perdoa”, frase escrita há quase um século, mas tão terrível quando pronunciada aqui e agora, em Portugal 2012 - e da sua escassez, mas também da irredimível pobreza de um mundo “aquém”, de um mundo “encolhido”, que faz pensar imenso no Cavalo de Turim de Tarr e no que teria acontecido àquele pai e àquela filha depois de já não haver luz, nem espaço, nem nada.
Neste mundo dos pobres tal como O Gebo e a Sombra o desenha, também não há luz (sempre na penumbra, noites e dias sucedendo-se sem distinção) nem espaço (tão exíguo que não permite mais do que uma meia dúzia de posições de câmara diferentes). Mesmo se plasticamente é notável, uma coisa belíssima: a fotografia de Renato Berta faz maravilhas com a iluminação e com essa sombra em todos os sentidos omnipresente, e não exageramos se dissermos que desde que o cinema se tornou assunto essencialmente “digital” ainda não tínhamos visto uma imagem assim, tão rica nas temperaturas e nas texturas, tão complexa na própria organização e definição do espaço (aqueles planos em que duas personagens dialogam de frente para a câmara, e há uma terceira a ouvi-las na penumbra da profundidade de campo).
A “sombra” de Gebo (Michael Lonsdale), modesto e dúctil cobrador de uma empresa qualquer, é o seu filho, desaparecido há oito anos, em busca de outra vida para além da pobreza, mas presumivelmente também para além da aceitação da pobreza como “moral”, que Gebo professa dir-se-ia religiosamente (ele que diz que um homem pode ser honesto e honrado, ou então “tentar enriquecer”). Essa sombra materializar-se-á quando o filho (Ricardo Trêpa) torna a casa, pelo tempo suficiente para se revelar - numa figura com o seu quê de nietzscheano - a antítese moral do pai. Mais ainda do que o roubo, é o seu discurso brutal, a rebentar qualquer moralidade, perante aquela atónita plateia (a família e os vizinhos) de gente que tem na pobreza um ideal de honradez, a cena mais impressionante e violenta de todo o filme, anunciada pela gargalhada, “diabólica”, do momento do seu regresso. Violenta também pela ambiguidade da sua crítica à docilidade da pobreza e dos pobres (ele não vem só de outra vida, traz também outra voz), ambiguidade reforçada ainda pelo facto de a personagem ser interpretada por Trêpa, que tem sido, de modo mais ou menos evidente consoante os casos, o “duplo” de Oliveira dentro dos seus filmes. Mas a história do filme - que termina no final do terceiro dos quatros actos da peça de Brandão, e é genial que o faça - é a da transformação de Gebo na sua própria sombra. O momento em que a policia chega é o único momento em que a luz do sol penetra naquele tugúrio, e portanto o único momento em que Gebo, de frente para a luz do sol, projecta uma sombra. Torna-se nela, na dúvida, angustiante, paralisante (como o “paralítico” que imediatamente imobiliza a imagem e se mantém por grande parte do genérico de fecho), de que tudo terá sido “inútil”, de que sempre foi pobre e podia não ter sido, de que a pobreza pode ser uma mentira tão ilusória como a abastança, de que havia talvez uma outra vida algures, para ele, para a mulher (Claudia Cardinale), para a filha-nora (Leonor Silveira). É um final terrível, terrificante - decididamente, nunca se sai a rir de um filme de Oliveira.
Mas sorri-se bastante, ao longo da hora e três quartos da sua duração. Pela delicadeza e graça com que Oliveira condimenta a austeridade da sua mise-en-scène, e pela delicadeza, em estado de graça, do seu sexteto de actores - faltava mencionar Luís Miguel Cintra e Jeanne Moreau, que chegam para saborear o gosto do saké, perdão, do café quente, na maravilhosamente amena cena de conjunto que antecede o trauma que por sua vez prepara a tragédia. A tragédia do bas fonds: discutir-se-á se Brandão está mais próximo de Gorki do que Oliveira está de Renoir, mas Gebo e a Sombra também lembra bastante a adaptação do russo que o francês fez nos anos 30, Les Bas Fonds e que Oliveira certamente viu - o seu filme parece que lhe “responde”. Em todo o caso, um filme magnífico, um grandíssimo Oliveira. Chapéu, Sr. Manoel."

Luís Miguel Oliveira, Ípsilon


ENTREVISTA A MANOEL DE OLIVEIRA
Como é trabalhar com jovens no cinema?
 É trabalhar! Sabe, a natureza deu fome ao homem e esse acontecimento da fome é que obriga a trabalhar, senão ele não fazia nada. Toda a gente tem fome em qualquer idade. Portanto, aí, o velho não se distingue do novo porque ambos têm fome.
O Manoel viu o cinema nascer. E viu o cinema crescer e mudar. O cinema hoje é velho?
 Não! É mais novo do que nunca. O cinema é uma síntese de todas as artes. Engloba-as todas. Tal qual a vida. A vida é de onde se tiram os argumentos, as ações que se vão depois projetar fora, como se fossem verdadeiras, só que não são verdadeiras, são inventadas, são feitas à sombra e à imagem da realidade mas não são reais, são ficção.
Há muita diferença entre o real, o que se passa aqui e agora (neste bocado passam-se milhões de coisas pelo mundo fora, coisas diferentes, impossíveis de gravar) e o romance. O romance inventa e põe à sombra da realidade mas não é realidade.
Eu digo que o cinema não envelheceu porque, repito, é a síntese do todas as artes e portanto tinha que aparecer em último lugar, é a sétima arte, que beneficia do romance, da poesia, da vida e com isso tudo se joga para fazer cinema. O cinema é atual. A máquina de filmar só filma o presente. Se não estiver aqui ninguém, já não filma.
O presente contém toda a sabedoria que vem do passado. Está guardada no passado. Quanto ao futuro, não se sabe nada.
No romance “A guerra e a paz” do Tolstoi, há um nobre ferido a morrer na sua cama e está preocupado em saber o que é a morte. E nisto, olha em volta e dá com uma porta e diz ‘ah, é uma porta’! (risos). Bom, é uma porta onde ninguém quer entrar. Quer dizer, alguns forçam a entrada…
Ninguém nasceu por vontade própria e por essa razão quem não estiver contente pode se matar, escusa de continuar a viver.
Existe um cinema europeu?
 O Fernando Pessoa dizia que os descobrimentos são portugueses. Mesmo os que foram feitos por estrangeiros, porque o sistema é português. Agora, passando isso para o cinema, é a mesma coisa. O cinema é francês. Mesmo aqueles que fazem filmes fora da França, mas sistema é francês. Ele nasceu com tudo o que era preciso quando nasceu.
O Lumière quando fez o primeiro filme, “La Sortie de l’usine Lumière à Lyon” criou o realismo cinematográfico e logo a seguir veio o Méliès e fez a fantasia cinematográfica, e logo a seguir, logo, logo, veio o Max Linder e fez o cinema cómico. De maneira que o cinema, não há outra coisa, está tudo no primeiro dia em que foi inventado. A vida nossa é sempre a mesma, comemos para viver, vivemos para comer e depois morrermos, é o programa.
No seu programa identifica-se com esses três momentos do cinema, a parte realista, fantasista e cómica?
 Sabe o Coppola a certa altura faliu e foi para uma quinta que tinha e fez uns vinhos durante dez anos e ganhou uma fortuna fortíssima com esses vinhos que ele lá fez. De maneira que quando retomou o cinema com a nova juventude, ele disse que a televisão contava histórias de uma forma muito apressada, a correr, a correr, e pior do que isso Hollywood copiou a mesma coisa, sem dar sequer tempo para pensar. A coisa mais rica que o Homem tem é o pensamento, foram precisos milhares e milhares de anos para que o homem chegasse à inteligência e ao pensamento, o pensamento é a coisa mais refinada que o homem tem em si próprio.
Podes-nos falar do novo filme?
 “O Gebo e a sombra”. Sombra é o contrário do gebo. Sabe porque fiz o filme? Fiz o filme porque uma pessoa me encontrou e disse que gostava muito dos meus filmes e perguntou-me porque não faz um filme sobre a pobreza, sobre os pobres. Eu disse que não era fácil, se fosse um documentário seria mais fácil fazer um documentário, vai-se buscar um caso ou outro caso.
Mas depois lembrei-me do Raul Brandão. Aqui está um homem pobre que morre pobre mas digno, com toda a sua dignidade, é o que é o filme. De maneira que é um filme que vale tanto hoje como ontem.
É um filme jovem?
 Todos os filmes são jovens quando nascem, depois é que envelhecem, é como nós.
 O filme foi feito relativamente rápido. Há pouco dizia que o tempo era importante para si. Mas tem trabalhado a um ritmo sustentado. E mais fácil para si fazer filmes agora, vê as coisas de forma mais clara?
 Tudo nasceu no primeiro dia e a própria vida também nasceu no primeiro dia, o que modifica a vida é a ciência, o conhecimento.
Mas no final, nasce-se, vive-se e morre-se, daqui não saímos, de onde vimos, de onde viemos, é a pergunta, para onde vamos nós no fim disto?
É claro que para os religiosos, como eu sou, há esperança do céu. O papa João Paulo Segundo disse “padre nosso que estais no céu, mas como o céu tem sido muito explorado com as balas que põem lá vigiam o que se passa ele disse que o céu era uma palavra simbólica. Na vida tudo é simbólico, não é só o céu.
Este último filme, baseado no Raul Brandão, também é um símbolo da época em que vivemos?
Não, porque o filme faz uma crítica muito severa à situação. E o facto de eu o representar no tempo em que ele foi escrito, no princípio do século XX, não é tão agressivo como se fosse representado no tempo de hoje. O filme não é agressivo, agora põem os pontos nos is”.
O passado e o presente confundem-se?
 O homem do passado não é diferente do homem de hoje. O homem tem as mesmas características. Um grande filósofo espanhol Garcia e Ortega dizia “o Homem e a sua circunstância”. A circunstância é que lhe determina as situações. De maneira que a técnica tem evoluído muito, agora os telemóveis fazem tudo, só não é para almoçar, que é o essencial. O homem tem de matar o bichinho ou comer as ervinhas, etc. Nós de certa maneira, somos condenados a viver. E vivemos satisfeitos, contentes por viver, só pelo facto de estar vivo.
Como é que trabalha com os atores nos filmes? Dirige muito ou dá-lhes liberdade? Aproveita o que eles são ou dá-lhes algumas indicações?
 Olhe nunca lhes bati… :) Dou-lhes inteira liberdade porque não gosto que os atores representem, gosto que eles vivam o papel. Representar não é bonito, é mais falso. De maneira que lhes dou inteira liberdade, é claro que tenho de determinar a marcação. Eles já sabem o papel são pessoas inteligentes como nós. Cada à sua maneira, com o seu papel.

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