08 de Novembro CLOSE-UP
fICHA TÉCNICA
Título Original: Nema-Ye Nazdik
Realização e Argumento: Abbas
Kiarostami
Fotografia: Ali Reza Zarrin-Dast
Montagem: Abbas Kiarostami
Fotografia: Ali Reza Zarrin-Dast
Montagem: Abbas Kiarostami
Som e Sincronização: Mohammad Haqiqi, Ahmad
Asghari, Hassan Zahedi e Yahangir Mirshekari
Intrepretação: Hossain Sabzian, Mohsen Makhmalbaf, Abolfazl Ahankhah, Mehrdad Ahankhah, Monoochehr Ahankhah, Mahrokh Ahankhah, Nayer Mohseni Zonoozi, Ahmad Reza, Moayed Mohseni, Hossain Farazmand, Hooshang Shamaei, Mohammad Ali Barrati, Davood Goodarzi, Haj Ali Reza Ahmadi, Abbas Kiarostami
Intrepretação: Hossain Sabzian, Mohsen Makhmalbaf, Abolfazl Ahankhah, Mehrdad Ahankhah, Monoochehr Ahankhah, Mahrokh Ahankhah, Nayer Mohseni Zonoozi, Ahmad Reza, Moayed Mohseni, Hossain Farazmand, Hooshang Shamaei, Mohammad Ali Barrati, Davood Goodarzi, Haj Ali Reza Ahmadi, Abbas Kiarostami
Origem: IRÃO
Ano: 1990
Duração: 93’
Sinopse: Close-Up (Nema-Ye Nazdik) é a grande obra-prima de Abbas
Kiarostami, inédita e quase desconhecida em Portugal. Neste filme o realizador
iraniano leva mais longe a sua arte, baralhando as fronteiras do documentário e
da ficção, pondo as pessoas a interpretarem-se a si próprias, recriando
acontecimentos reais, e fazendo com que a linha entre o cinema e a vida se
esbata.
A história gira em torno de Hossain Sabzian, um jovem e modesto empregado de uma tipografia, que é também um cinéfilo apaixonado pela obra do realizador Mohsen Makhmalbaf, e que se faz passar por ele junto de uma família. Quando a sua burla é descoberta, Sabzian é preso e julgado por tentativa de fraude. Kiarostami visitou Sabzian na prisão, e obteve permissão para filmar o seu julgamento. O resultado é este impressionante filme que levanta questões sobre o trabalho e a vida, e ainda sobre o próprio cinema e a sua vivência no Irão.
A história gira em torno de Hossain Sabzian, um jovem e modesto empregado de uma tipografia, que é também um cinéfilo apaixonado pela obra do realizador Mohsen Makhmalbaf, e que se faz passar por ele junto de uma família. Quando a sua burla é descoberta, Sabzian é preso e julgado por tentativa de fraude. Kiarostami visitou Sabzian na prisão, e obteve permissão para filmar o seu julgamento. O resultado é este impressionante filme que levanta questões sobre o trabalho e a vida, e ainda sobre o próprio cinema e a sua vivência no Irão.
"Close Up, E a Vida Continua, Através das
Oliveiras, O Sabor da Cereja, O Vento levar-nos-á...
Diz-se
de Kiarostami que faz filmes simples na mesma exacta medida da sua sofisticada
elaboração. A contradição é só aparente e a premissa é absolutamente
verdadeira. Close Up é exemplar
dessa suposta linearidade e dessa incessante abertura. Na altura em que o
filmou, em 1990, o mesmo ano de Trabalhos
de Casa que, como este, combina registos ditos de ficção (nestes dois
casos concretos, cenas de reconstituição de acontecimentos verídicos: os planos
da equipa e do próprio Kiarostami em Trabalhos
de Casa, todas as sequências de Close
Up, à excepção de parte da do julgamento) e documentais sem que uns e
outros sejam necessariamente aquilo que à primeira vista parecem, Abbas
Kiarostami não tinha ainda exprimido teoricamente a sua posição relativamente
ao cinema em que acredita. À medida em que a sua obra foi sendo vista, reconhecida
e comentada, as entrevistas sucederam-se e com elas a explicitação dos pontos
de vista do realizador relativamente ao seu trabalho. Vale a pena citá-lo numa
entrevista a Jean-Luc Nancy recentemente publicada:
"Acontece-me
pensar: como posso fazer um filme sem dizer nada? (...) Quando se conta uma
história, não se conta senão uma história e cada espectador, com a sua
própria capacidade de imaginação, ouve uma história. Mas quando não se
diz nada é como se se dissesse uma multiplicidade de coisas. O poder passa para
o espectador: André Gide dizia que a importância está no olhar, e não no tema.
E Godard diz que aquilo que está sobre o ecrã está já morto. É o olhar do
espectador que lhe insufla a vida. (...) Até agora, não consegui encontrar uma
definição do cinema. Se se considerar que o cinema tem o dever de contar
histórias, parece-me que o romance o faz bem melhor. As peças radiofónicas, as
séries televisivas também cumprem o propósito. Penso noutro cinema que me torna
mais exigente e que é definido como a sétima arte. Neste cinema há música,
história, sonho, poesia. (...) Raramente vi alguém dizer a propósito de um
poema: não percebo. Mas no cinema, desde que não se tenha estabelecido uma ligação,
um vínculo, é frequente dizer-se que não se compreendeu o filme. Ora, a incompreensão
faz parte da essência da poesia. Ela é aceite nesses termos. O mesmo se passa
com a música. O cinema é diferente. Aborda-se um poema com os seus sentimentos,
e o cinema com o seu pensamento, o seu intelecto. Não é suposto poder contar-se
um bom poema, mas é suposto fazê-lo no caso de um bom filme, quando se está ao
telefone com um amigo. Penso que se o cinema deve ser considerado como uma arte
maior, é preciso conceder-lhe esta possibilidade de não ser compreendido (...).
Se se considera o cinema verdadeiramente como uma arte, a sua ambiguidade, o
seu mistério são indispensáveis. A única forma de encarar um novo cinema é
ponderar mais o papel do espectador. É preciso considerar um cinema inacabado e
incompleto para que o espectador possa intervir e preencher os vazios, as
faltas. Em vez de fazer um filme com uma estrutura sólida e impecável, é
preciso fragilizá-la - sempre tendo consciência que não se deve fazer o
espectador fugir! A solução talvez seja justamente incitar o espectador a ter
uma presença activa e construtiva. Acredito mais numa arte que procura criar a
diferença, a divergência entre as pessoas do que a convergência onde o mundo
esteja todo de acordo".
Citação
irresistível de um resistente. Mas o que tem esta longa dissertação
directamente a ver com Close Up, que ainda por cima a antecede em onze
anos? Tudo. Close Up não é um
filme polido, é um filme com uma estrutura "imperfeita", mantém o
mistérioo e a ambiguidade, é facilmente contável à superfície, mas guarda
intactas, a diferentes níveos, uma quantidade de leituras. Além de tudo isto,
é dos filmes de Kiarostami que mais claramente convoca uma reflexão sobre o
poder do cinema, encena a questão do verdadeiro e do falso, e centra
explicitamente a acção num espectador de cinema que se faz passar por um
realizador de cinema para escapar, mesmo que provisoriamente, a uma vida que
lhe não parece fazer sentido.
Indo
por partes: ainda durante o trabalho de Trabalhos de Casa (filme com o
qual, de resto, Close Up rima especialmente), Kiarostami teve
conhecimento de um peculiar caso de polícia, o caso de Hossein Sabzian, jovem
desempregado admirador de O Ciclista,
de Mohsen Makhmalbaf ("O Ciclista faz parte de mim", pede
ele a Kiarostami que transmita como mensagem ao realizador do filme), que
tendo-se feito passar pelo conhecido realizador iraniano Makhmalbaf junto de
uma família em Teerão, tinha sido detido e aguardava julgamento por fraude. A
partir daí, baseou-se nos factos, escreveu o argumento e dispôs-se a realizar
um filme em que todas as cenas reconstituem os acontecimentos verídicos,
excepto os (poucos) captados "em directo" e onde todos os actores
representam os seus próprios papéis, recuperando a história e acompanhando, de
algum modo também "em directo", o seu desfecho.
A
longa sequência inicial desenvolve-se quase toda sobre rodas, como é hábito em
Kiarostami onde o enquadramento do mundo, emoldurado pelas janelas ou por
espelhos retrovisores de automóveis, é mais do que uma figura de estilo, uma
imagem de marca e uma condição. Em A Vida Continua, O Sabor da Cereja e O
Vento Levar-nos-á..., por exemplo, os protagonistas passam a maior parte do
tempo em viagem, deslocando-se em automóveis que funcionam como habitáculos
que atravessam a paisagem, em alguns casos descrevendo repetidamente os mesmos
percursos. Esses longos planos de carros em movimento encontram um paralelo na
abertura de Close Up. Tudo enquadrado, num reflexo do ecrã de cinema,
tanto como do seu princípio de movimento que mais do que representação do real
Kiarostami segue, como, no início, os operadores Lumière descobriram colocando
a câmara no interior de uma gôndola para filmar Veneza a partir da água. A
câmara fixa numa base móvel, tão simples como isso. Tão simples também como,
para o final do prólogo de Close Up, em que em vez de se assistir à
detenção de Sazbian na casa da família Ahankhahs, se permanece à entrada, à
espera com o taxista, um plano segue o movimento aparentemente anódino de uma
embalagem cilíndrica de insecticida que rola pela rua abaixo na sequência de um
gesto ocasional do taxista junto a um molho de ervas e flores. Como o osso de O
Vento Levar-nos-á..., em que Kiarostami retoma a mesma ideia, a captação de
um movimento que deixa em suspenso o que há de vir e simultaneamente dirige o
olhar para a realidade concreta, desviando-a da acção principal.
A
abertura de Close Up é também a única cena repetida em outro momento,
desta vez no interior da casa e na perspectiva do pai de família, longamente
filma poucas palavras e perante a observação muda do protagonista que assiste à
janela aos movimentos dos outros na preparação do cerco, porque se trata de uma
questão de olhar. E talvez seja uma forma apropriada para referir este filme,
um filme de olhares. Entre dois
dispositivos, o jurídico e o cinematográfico; entre realizadores de cinema,
Kiarostami e Makhmalbaf que acaba por integrar o filme no papel de actor; de
espectadores de cinema, "traduza o meu sofrimento no seu filme" pede
Sabzian a Kiaro quando aceita entrar no jogo de representação da sua própria
história no seu próprio papel. As relações entre o cinema e o espectador, entre
o acto de filmar e o de representar, entre a realidade e a ficção são o centro
sobre o qual Close Up se constrói.
A
fronteira entre o cinema e a realidade é ténue,
para os espectadores e para os participantes do filme. A ficção parte da
realidade e estabelece com ela um diálogo que tem múltiplas direcções. Por um
lado, se todos representam o seu próprio papel, representam também o papel de
um outro: Sabzian como Makhmalbaf, Makhmalbaf como actor, e até o jornalista
assume a sua pretensão em alcançar o estatuto de Ornella Fallaci, conhecida
jornalista iraniana, e o taxista é um aviador que passou a deslocar-se em
terra. Por outro, a ficção é uma reivindicação: evidencia-se como tal quando
Kiarostami se desloca à prisão para propor o filme a Sabzian e depois solicita
autorização para filmar o processo junto das autoridades competentes, pedindo
mesmo que antecipem a sua data por causa do plano de filmagens (!). É
transparente quando o realizador convoca explicitamente a ausência de
neutralidade do olhar. Na sequência do julgamento, que começa com o plano da
claquete, "Cena 1, take 1 no tribunal, 10 de Dezembro", um dos sinais
do mecanismo da filmagem, como os microfones que também se dão a ver,
Kiarostami explica ao seu actor, ali réu, a posição das duas câmaras disponíveis
para filmar o julgamento.
E
assim, a "sequência documental", cujo rasto da diferença de grão da
imagem permanece no filme, é uma das mais encenadas. A mise-en-scène é
cuidadosamente preparada, por isso são tão explícitas as referências ao filme
que se está a fazer. Se a câmara ocupou um papel fundamental no curso do
julgamento, era necessário mostrá-la, dirá Kiarostami que acredita também que o
filme acabou por ter uma influência decisiva no termo positivo do processo. Uma
das câmaras filma em grande plano, especialmente dirigida para Sabzian,
conforme a promessa feita por Kiarostami durante o encontro na prisão, para que
ele possa dizer as coisas "em que ninguém vai acreditar".
Está
também a oferecer-lhe o seu close up,
a possibilidade de explicar o papel que assumiu na realidade, tirando
partido da semelhança física com Makhmalbaf. Permite-se, assim, a Sabzian
cumprir o desejo de aproximar o seu mundo ao do cinema, tornando-se
protagonista de um filme. A tocante cena final, oferece-lhe mesmo um encontro
com o seu ídolo e, por instantes, a identificação total com ele. Quando volta
ao "local do crime", conduzido de motoreta por Makhmalbaf, que
encontra depois da libertação, Sabzian só é reconhecido pelo interfone quando
pronuncia o nome do outro que vem em seu socorro, repetindo o nome. A porta é
aberta e alguém dirá pouco depois, "Sr. Makhmalbaf, o outro Sr. Makhmalbaf
era mais Makhmalbaf do que o Senhor". Réplica perfeita para um final que
reflecte também como questão de princípio a crença, várias vezes repetida por
Kiarostami, de que nunca se chega tão perto da verdade senão à mentira.
Falsificar as coisas para servir a expressão das verdades é todo um programa.
Inclui-se a traição, os artifícios, como o recurso ao pretenso acidente com o
microfone nesta sequência final, explicitado como tal pela conversa da equipa
que filma à distância, o encontro Sabzian/Makhmalbaf, de que o primeiro não
estava ao corrente, e que serve com rara intensidade esse momento final. O uso
que Kiarostami faz do som em todos os seus filmes, para tornar mais visível o
que permanece fora de campo, é também aqui fundamental. "O impostor sou
eu, a vítima sou eu", dirá ele. A sorte é nossa."
Maria João Madeira, in
O Olhar de Ulisses - Resistência
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