DIA 27 DE
NOVEMBRO
OSLO, 31 DE
AGOSTO, Joachim Trier, Noruega, 2011, 95’, M/12
FICHA
TÉCNICA
Título original: Oslo, 31. august
Realização: Joachim Trier
Argumento: Eskil Vogt e Joachim Trier, livremente adaptado
do romance “Le feu follet” de Pierre Drieu La Rochelle
Montagem: Olivier Bugge Coutté
Director de fotografia: Jakob Ihre
Música original :Ola Flottum
Interpretação:
Anders Danielsen Lie, Hans Olav Brenner, Ingrid Olava, Malin Crépin, Aksel M. Thanke
Origem: Noruega
Ano: 2011
Duração: 95’
SINOPSE
Anders, um jovem de 34 anos - inteligente, bem-parecido e
de boas famílias -, esta a terminar um programa de reabilitação no campo. Uma
ida a cidade fá-lo confrontar-se com os fantasmas do passado e com a angústia
de um futuro incerto. Será demasiado tarde para recomeçar uma nova vida?
TRAILER
CRÍTICA
"Oslo, 31 de Agosto é
um dos grandes filmes do ano: notável melodrama clássico sobre as questões
essenciais da vida moderna.
A primeira coisa que dá vontade de dizer sobre "Oslo, 31 de Agosto" é “daqui ninguém sai vivo”, para citar a célebre biografia de Jim Morrison. Mas talvez fosse mais apropriado dizer que ninguém sai deste filme incólume, intocado; porque o que aqui se faz é, simplesmente, fazer as perguntas “que interessam”, aquelas que toda a gente faz a si próprio regularmente: o que fazemos aqui, o que queremos da vida, quem somos bem lá no fundo. São as perguntas mais simples, porque cabem numa frase, mas as mais complexas, porque não se respondem numa frase ou em duas palavras - e o que Joachim Trier faz é encenar esse questionamento com uma notável capacidade de não o reduzir a banalidades ou a simplificações.
A primeira coisa que dá vontade de dizer sobre "Oslo, 31 de Agosto" é “daqui ninguém sai vivo”, para citar a célebre biografia de Jim Morrison. Mas talvez fosse mais apropriado dizer que ninguém sai deste filme incólume, intocado; porque o que aqui se faz é, simplesmente, fazer as perguntas “que interessam”, aquelas que toda a gente faz a si próprio regularmente: o que fazemos aqui, o que queremos da vida, quem somos bem lá no fundo. São as perguntas mais simples, porque cabem numa frase, mas as mais complexas, porque não se respondem numa frase ou em duas palavras - e o que Joachim Trier faz é encenar esse questionamento com uma notável capacidade de não o reduzir a banalidades ou a simplificações.
Precisamente porque esta é a história de alguém que observa a vida como se
estivesse de fora, alguém que regressa ao mundo depois de uma longa ausência e
se pergunta se vale a pena tentar recuperar a vida que desperdiçou, se há
alguma coisa neste “mundo real” para ele. Esse alguém que regressa ao mundo é
Anders, drogado em reabilitação que regressa a Oslo pelo tempo de 24 horas,
revisitando uma cidade onde tudo o recorda dessa vida anterior que sente ter
desperdiçado. É uma interpretação assombrosa de Anders Danielson Lie, que
habita literalmente a dor existencial de Anders, a sua capacidade de observar
sem nunca sentir que faz parte do mundo que o rodeia, com uma presença que, à
imagem do filme, é simultaneamente física e fantasmagórica.
Como se tudo funcionasse ao mesmo tempo num plano intimista, acompanhando a
jornada interior de Anders, e num plano social, onde o seu questionamento
interior é indissociável da sociedade em que a sua crise pessoal está a
acontecer. Perguntando-se o que será melhor: seguir (para citar outra vez o
rock'n'roll) o “better burn out than fade away” que Neil Young cantou em “Hey
Hey My My (Into the Black)”, ou procurar acomodar-se a um lugar numa sociedade
da qual sempre se procurou distanciar?
Qualquer que seja a resposta, Oslo, 31 de Agosto começa com um tour-de-force
extraordinário - dez minutos puramente narrativos quase sem diálogo - antes de
ganhar embalo para um filme que segue os ritmos do melodrama clássico mas o faz
de modo moderno, com uma espantosa humanidade, de uma simplicidade atenta e
observacional aos ritmos e às energias do mundo moderno, de uma maturidade
extraordinária para apenas uma segunda obra. O facto de, no final, percebermos
que se trata de uma adaptação - da novela de Pierre Drieu de la Rochelle que já
inspirara a Louis Malle um dos seus grandes filmes, Fogo Fátuo (1963) - não lhe
retira nem um grama do que o torna num dos mais extraordinários, grandíssimos
filmes que vimos nos últimos meses. Porque ninguém sai deste filme incólume,
intocado - para o bem ou para o mal."
Jorge Mourinha, Ípsilon
Foi do outro lado do
telefone que encontrámos Joachim Trier, jovem realizador norueguês de apenas
38 anos, cujo novo filme ("Oslo, 31 de Agosto") se estreou na passada
quinta-feira nas salas portuguesas. Sempre afável, este antigo campeão regional
de skateboarding (foi ele quem no-lo disse) explicou-nos o que o levou a
correr pelas ruas da capital norueguesa atrás de um junkie. A conversa, essa, foi da toxicodependência à
herança da Nouvelle Vague, passando pelo crescimento do realizador no seio de
uma família ligada ao cinema.
O seu
filme é, ao mesmo tempo, o retrato de uma personagem e o retrato do seu espaço:
a cidade de Oslo. Foi essa a sua Intenção desde o Início?
O
filme é a adaptação de um velho romance francês - "Le Feu Follet", de
Pierre Drieu La Rochelle [1893-1945] -, cujo protagonista me interessava pela
sua integridade autodestrutiva. Foi por aí que comecei. Mas o que acrescentei à
história foi, de facto, o ambiente particular da Oslo de hoje: este filme é,
também, o retrato de uma cidade em mudança, da cidade onde eu próprio cresci.
Devo dizer, ainda, que escrevi o argumento especificamente para o meu amigo
Anders Danielsen Lie [o ator principal de "Oslo, 31 de Agosto"]. Se
ele não tivesse embarcado no projeto, creio que não me teria atrevido a
fazê-lo.
No
filme, tal como no romance, a história desenrola-se durante um período de 24
horas. Foi motivante recriar um tempo narrativo tão condensado?
Na
altura, estava a trabalhar num projeto americano que foi suspenso por razões
financeiras. Decidi aproveitar a folga para fazer um filme que, por oposição
ao meu trabalho anterior - "Reprise" [2006], que era uma overdose de flashbacks e flash-forwards -,
pudesse ser produzido rapidamente (e demorámos só um ano entre o início da
escrita do argumento e a conclusão da pós-produção: foi o filme mais rápido que
alguma vez fiz). Mas, retomando: queria fazer algo que fosse narrativamente
muito simples. Percebi então que, contando a história de um só dia, podia criar
um tempo de ficção mais fácil de gerir dentro dos prazos que tinha. E o desafio
foi motivante, claro.
Embora
o protagonista do filme seja um heroinómano, o que aqui se estuda é,
sobretudo, uma experiência de solidão, onde o motivo da toxicodependência
desempenha apenas um papel acessório...
Tenho
de responder "sim" e "não". Sim: é, antes de mais, a
história da solidão de uma personagem, onde a toxicodependência constitui apenas
um aspeto da sua vida e funciona quase como a metáfora de um mecanismo de
compensação que a leva ao isolamento. E o tema da compulsão, dos vícios que se
escondem nas nossas sociedades ocidentais, fascina-me em geral. Mas, por outro lado,
a toxicodependência é algo que levo muito a sério como tema. Eu próprio tenho
amigos com esse tipo de problemas e pude ver os efeitos devastadores que isso
teve nas suas vidas. Também era importante, para mim, contar essas histórias e
respeitá-las na sua complexidade... Sabe? Entre nós, há pessoas aparentemente
normais que vivem em contacto permanente com a sua própria mortalidade. E eu
acho que, pela sua experiência do limite, essas são figuras às quais devemos
dar ouvidos.
O
romance de Drieu La Rochelle que serve de base narrativa ao filme foi também
adaptado ao cinema por Louis Malle ["Fogo Fátuo", 1963]. Essa obra
Influenciou-o de algum modo?
Sim.
Foi aliás através dela que descobri o livro. Vi o filme do Malle há muitos
anos, numa cinemateca, e senti que era um dos mais belos retratos da solidão
que já vira. Na altura, foi reconfortante - estranhamente reconfortante -
partilhar aquela experiência numa sala escura com outras pessoas. E talvez
seja essa partilha da solidão que, em última análise, justifica adaptar a
literatura ao cinema... Dito isto, para fazer o meu filme, centrei-me no livro
e não me atrevi a rever o trabalho do Malle, porque tinha muito medo de ficar
intimidado por ele [risos]. Mas, tenho a certeza de que a recordação desse
trabalho se tomou parte integrante do que fizemos em "Oslo, 31 de
Agosto".
Pela forma como constrói a relação do
protagonista com a sua cidade, o seu filme tem sido frequentemente associado à
Nouvelle Vague...
Cineastas
como Godard ou Antonioni foram, de facto, uma tremenda inspiração para mim. E o
"Hiroshima Meu Amor" [1959], do Resnais, é um dos meus filmes
favoritos. Na Nouvelle Vague, atrai-me a mistura de um enorme conhecimento
acerca da história do cinema com uma espécie de atitude punk avant la
lettre, com um certo desrespeito pelas regras. O espírito da Nouvelle
Vague, o seu desejo de retratar o seu meio ambiente, de descer às ruas, à
cidade, de ir ao encontro das pessoas que nela vivem, de não estabelecer uma
distinção clara entre r o documentário e a ficção... são coisas que estão no
primeiro Rohmer - "O Signo do Leão" [1959] - e no "Duas Horas da
Vida de Uma Mulher" [1962], da Varda, por exemplo. Enfim... tudo isso me
cativa muito.
As opções de mlse en scène de "Oslo, 31 de Agosto"
são bastante heterogéneas. Por exemplo, alterna constantemente entre a câmara
à mão e a câmara fixa...
É a
linguagem que desenvolvi através das minhas longas, curtas e filmes publicitários.
Coloquemos a questão assim: inspira-me muito a precisão de um Bresson, mas
gosto de viver num tempo em que tenho à minha disposição uma
pletora
de possibilidades técnicas (diferentes lentes, dollies...). Isso
permite-me usar os recursos que me parecem ser mais adequados à exploração de
cada cena individual. Mas nunca me preocupei muito com a consistência estilística
dos meus filmes. Quando realizo, gosto de experimentar. E quem manda são as
cenas...
O seu avô, Erik Lschen [1924-1983], foi
também cineasta. O seu trabalho Influenciou-o?
Sim,
embora indiretamente. O meu avô faleceu quando eu tinha 9 anos, mas as suas
ideias sobre o cinema, o seu desejo de libertar o cinema da literatura, do
teatro e das outras formas de arte para encontrar a sua pureza, impregnaram a
minha família e acabaram por me inspirar. Eu cresci numa família muito ligada
ao cinema. O meu pai [Jacob Trier], por exemplo, era técnico de som e, ainda em
criança, eu tornei-me ciente da importância do som no cinema. Passava a vida
nas rodagens e via que, às vezes, ele punha microfones em sítios estranhos
[risos] para gravar o som ambiente. Lembro-me também claramente de a minha mãe
me ter levado a ver um filme do Tati quando eu era pequeno... No fim, falou-me
sobre a importância do trabalho da câmara e da duração dos planos [risos]...
Sabemos que, entretanto, retomou o seu
"projeto americano". Pode dizer-nos alguma coisa sobre ele?
Posso:
vai chamar-se "Louder Than Bombs" [estreia prevista para 2013] e, se
tudo correr bem, será um drama familiar acerca das relações entre pais e
filhos. Depois verá.
Vasco Baptista Marques, Expresso, 1/9/12
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