Histórias de Shangai (Quem me Dera Saber), Jia Zhang-ke, China, 125'
Ficha Técnica:
Título original: I Wish I Knew
De: Jia Zhang-ke
Género:Documentário
Classificação:M/12
Outros dados:China, 2010, Cores, 125 min.
Sinopse:
Shanghai, uma metrópole que muda a cada instante, um porto onde pessoas chegam e partem. Albergou todo o tipo de pessoas – revolucionários, capitalistas, políticos, soldados, artistas, gangsters. Também foi palco de revoluções, assassinatos, histórias de amor.
Depois da vitória Comunista em 49, milhares de pessoas deixaram Shanghai e partiram para Hong-Kong e Taiwan. Partir significou em muitos casos uma separação de 30 anos, ficar significou sofrer a Revolução Cultural.
Dezoito pessoas relembram a sua vida em Shanghai. As suas experiências pessoais, como dezoito capítulos de uma novela.
Uma alma regressa a Shanghai e ao andar pelas margens do rio desperta para todas as mudanças que a cidade sofreu.
Depois da vitória Comunista em 49, milhares de pessoas deixaram Shanghai e partiram para Hong-Kong e Taiwan. Partir significou em muitos casos uma separação de 30 anos, ficar significou sofrer a Revolução Cultural.
Dezoito pessoas relembram a sua vida em Shanghai. As suas experiências pessoais, como dezoito capítulos de uma novela.
Uma alma regressa a Shanghai e ao andar pelas margens do rio desperta para todas as mudanças que a cidade sofreu.
Trailer: http://vimeo.com/31722662
"A China cresce e impõe-se ao mundo, e no Ocidente
- depreende-se quando se ouvem os políticos e os analistas - ainda
ninguém sabe muito bem como encarar e como lidar com este esquizofrénico
colosso, metade comunista e repressor, metade capitalista e selvagem.
Viver entalado no meio disto não dever ser fácil, e é desta dificuldade
que Jia Zhang-ke têm falado. Também por isso, e porque estamos a falar
de um assunto “importante”, e cada vez mais relacionado com as nossas
vidas, surpreende que os filmes de Jia (que têm sido estreados por cá)
não sejam mais vistos, e arrancados ao nicho dos filmes “de autor”,
aquelas coisas a que, por razões incompreensíveis, os críticos prestam
atenção quando deviam era estar a bater palmas ao Tintin, como toda a
gente. Jia não explica nada, mas ajuda a compreender, mostra e faz
ouvir. É por isso que além de fazer cinema “sério”, faz cinema bom.
Desabafo feito, estas “Histórias de Shanghai” são mais uma notável peça
acrescentada por Jia à sua colecção de retratos da China contemporânea.
Trata-se mesmo, o título não engana, de histórias de Shanghai (ou
Xangai, à portuguesa), cidade histórica na mitologia revolucionária
chinesa e cidade capital na conversão ao capitalismo financeiro. Filme
de encomenda (para a Exposição Mundial de Shanghai em 2010), e portanto
filme “oficial”, e portanto, outra manifestação da curiosa esquizofrenia
do regime chinês, porque se trata de tudo menos de um filme festivo ou
digamos, “positivo”. No centro está um conjunto de 18 depoimentos de
habitantes ou antigos habitantes da cidade, arrumados por ordem
cronológica - dos velhotes que ainda se lembram do aconteceu em 1949,
quando a cidade foi tomada pelo exército comunista, a jovens de agora,
se não nados, pelo menos criados no actual estado de coisas, e tu cá tu
lá com ele. Pelo menos na sua grande maioria, não são deponentes
quaisquer, e é gente de algum destaque na vida chinesa das últimas
décadas, e muita gente do cinema (Hou Hsiao-Hsien, por todos).
O leitor interessado pode encontrar na Internet (na “Cinema Scope”) um
artigo de Tony Rayns que ilumina o que está por detrás destas
personalidades, assim como outras subtilezas operadas por Jia na relação
entre relatos e imagens.
Se todas estas histórias falam, no fim de contas, de muito mais do que
de apenas uma “história de Shanghai”, a cidade nunca deixa de estar no
centro e o filme é, com propriedade, uma pequena “história de Shanghai”.
A Shanghai contemporânea, percorrida em “travellings” de automóvel, em
contra-picado para apanhar os arranha-céus, cidade-estaleiro em
permanente reconstrução, à medida que os edifícios históricos dão lugar a
prédios modernos e espectaculares. O olhar de Jia é melancólico, sem
ser assertivo nem violento: é um observador desconsolado, razoavelmente
perplexo, que sabe que não se trata de uma mera questão de fachadas.
Cada prédio construído é um pedaço de história destruído - e depois há
as pessoas, trabalhadores da indústria ou dos serviços, a quem a câmara
dedica o mais compassivo dos olhares, compensação para o olhar vidrado,
sonhador ou apenas triste deles próprios enquanto esperam pelo “ferry”
para Hong Kong ou outro destino qualquer. Jia também lhes oferece
canções, as canções populares (de onde vem o “Quem Me Dera Saber” do
título) que já tinham papel fundamental no filme anterior, “24 City”, e
são aqui outra vez a memória sussurrada, o eco, a expressão de um
paradoxal tempo de inocência, de uma outra China apagada a ritmo
galopante (o plano inicial, com duas grandes estátuas de leões dourados,
já assinalara sinteticamente esta progressivamente desequilibrada
coexistência do “velho” e do “novo”).
A paisagem e as memórias, portanto, mas ainda as representações da
cidade: “Histórias de Shanghai” também é “história do cinema de
Shangai”, com profusas ilustrações a partir de excertos de filmes
chineses (e não só), de clássicos da propaganda dos anos 50 a filmes
modernos, de Xie Jin a Hou Hsiao-Hsien ou Wong Kar-wai (porque o
“prolongamento” e a “diáspora” de Shanghai para Taiwan ou Hong Kong são
outro dado importante).
O espectador não compreenderá os pormenores todos, não porque Jia
trabalhe em cifras, mas porque a riqueza e a complexidade das
articulações e ligações que o filme estabelece apelam a um conhecimento
da história política e cultural da China que não está ao alcance de toda
a gente. Mas não compreender os pormenores todos, garantimos, não o
impedirá de compreender o filme, muito menos de o apreciar. É rico, é
complexo, é belo - e serve para aprender alguma coisa. “Pedagógico”, se a
palavra ainda fizer algum sentido num contexto de cinema."
Luís Miguel Oliveira, Ípsilon
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