O CAIMÃO
Nani Moretti, 2007
Já tinha tentado ir ver este filme numa das minhas obrigatórias idas a Lisboa, mas agora que o tinha aqui à mão no cine-clube de Faro, era imperdível. Pareceu-me que Nani cineasta, quiz mostrar que é possível driblar e ultrapassar o sarrafeiro Berlusconi, cuja história de esperto milionário que chegou a PM se confunde com a actual realidade italiana. Contudo não leva Berlusconi ao tapete porque não desmonta, nem pelo diálogo nem por imagens, os artifícios subterrâneos do poder de compra e arregimentário dum esperto subitamente surgido milionário armado de poderosos meios mediáticos. Também se absteve de mexer no futebol que, lá como cá, é por onde começa o branqueamento do passado e a entrada, imaculada e intocável, em cena na novela de novos-ricos da alta roda.
Também a burlesca história familiar do produtor com os amores pessoais, a desfazerem-se com a mulher e levemente insinuados com a realizadora, contados por peripécias de conduta e atitudes lamechas (salva-se a irresistível invasão do palco quando a mulher cantava Bach no coro), que se pretende seja uma história paralela ao assunto berlusconiano para o reforçar, afinal contribuem para a fragilização da mensagem final do filme.
No fim, o filme que pretende demolir Berlusconi, ou melhor, os métodos berlusconianos de tomada de poder, não atinge de morte o seu objectivo porque utiliza formas e conteúdo semelhantes aos martelados diáriamente na cabeça do público pela televisão e que já se habituou a vê-los como entretenimento. O filme "A Vida é Bela", que a partir de uma história de amor familiar paternal nos convida a repugnar o horror da guerra, acaba por ser mais eficaz politicamente que este Caimão que, no final ainda nos deixa a dúvida, sob ameaça, da legitimidade entre o direito e o eleito.
José Neves
(recebida por mail a proposta de que disponibilizássemos aqui este texto de um nosso sócio publicado no seu blog pessoal. com todo o prazer!)
3 comentários:
fiquei a pensar neste seu comentário crítico (bem, não tanto tempo assim! só que não tenho tido muita oportunidade de lhe responder) e gostava de acrescentar, àquilo que diz (e o artur no post acima), o seguinte:
creio que há um desequilíbrio neste filme, sim. fartei-me de dar voltas à cabeça (assim que o vi) tentando perceber melhor essa minha sensação.
por um lado, sinto que o moretti precisava de mais uma meia hora para desenvolver melhor a sátira/denúncia a/de berlusconi.
a meu ver, não era obrigatório que referisse tb a ligação ao futebol :-) aliás, nesse aspecto creio que a parcimónia de moretti é inteligente e eficaz: o personagem é sinistro tal como está retratado. aqueles sorrisinhos em resposta a acusações sérias que lhe são endereçadas dizem tudo... contudo, creio que faltou uma melhor 'cola' às imagens reais do próprio berlusconi. é facto que escolheu momentos inolvidáveis daquele individuo, que encheram a Itália de vergonha e o mundo de estupefacção. mas a ligação entre a ascensão de berlusconi até ao poder e o exercício dele não me pareceu totalmente conseguida.
contudo, a grande falha deste filme é para mim um claríssimo erro de casting. não consigo compreender pq moretti não quis interpretar o personagem do produtor (aliás, seria mais uma deliciosa ironia a juntar a tantas outras que caracterizam a sua filmografia), e sim o de berlusconi. não é credível, a título algum. nem o seu ar troppo sério convence ninguém. e suponho que a interpretação do josé no comentário ao post do artur («em cada um de nós há um berlusconi á espreita») é de uma tal radicalidade que não creio ser mt credível, num realizador/cidadão tão assumidamente impoluto como moretti.
com toda a simpatia e o respeito que me possam merecer a interpretação de Silvio Orlando, imagino nanni moretti naquele mesmo papel e exclamo interiormente: «que pena...» Tal como quando woody allen 'põe' actores a representarem 'woody allen' em filmes que realiza...
olhe, por exemplo, não concordo consigo: segundo a minha sensibilidade, achei que não foi eficaz (foi mesmo ridícula) a cena do concerto, e muitas outras bem mais tocantes - o rasgar da camisola, por exemplo.
feitas todas as contas, acho que este filme se ressente com as elipses que, voluntaria ou involuntariamente, contém: seja na 'parte' dedicada à denúncia e berlusconi, seja à da dificuldade de se fazer cinema de autor e combate na itália dos dias de hoje.
gostei.
(se calhar não parece :-)
concordo contigo anabela em alguns aspectos que referiste, tb me parece um pouco forçada a cena da interrupção do concerto, por exemplo, mas não posso deixar de discordar do pretensamente falso ou insípido carácter político do filme... a meu ver o filme é profundamente político, e crítico, não no sentido berlusconiano, mas no sentido social de uma itália que vive praticamente perdida politicamente desde a 2ª guerra (ou talvez desde 78 após a morte de Aldo Moro). Recordo, como exemplo, a cena da conversa entre o produtor di filme, a argumentista e o director da RAI sobre o pretenso apoio ao filme, quando o director da RAI diz que basicamente o filme é sobre uma história que toda a gente conhece e pela qual ninguém se interessa, sendo que o que merece apoio é o filme sobre o colombo. É nesse sentido que para mim claro, o moretti pretende mostrar, como ele próprio assume, ao mundo, não só uma história que em itália é sobejamente conhecida, mas essencialmente, e cito-o "o desporto preferido dos italianos que é a victimização", e permitindo-me completar um certo paralelismo com o portugal de hoje, acrescento a apatia e descrença, para com as instituições que sustentam esta democracia ocidental. E neste sentido acho o filme profundamente político e de uma sobriedade crueza e astúcia que chegam a ser mordazes (à moretti portanto)! mas isto é apenas uma, a minha, leitura...
que subscrevo! (a tua leitura)
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