Quando os franceses, mais precisamente Truffaut, lançam a famosa "política do autor", onde tentam separar o joio do trigo no que dizia respeito ao cinema clássico, deixaram escapar este grande realizador, que para mim fica muito bem ao lado de outros nomes, tão mais reconhecidos, como Billy Wilder ou John Ford. Talvez por só ter feito comédias, um género menos respeitado, em certo sentido, Lewis nunca foi considerado um génio pela grande maioria da crítica. Seu filme de 1961, The Ladies Man, é talvez a obra surrealista mais bem realizada fora do âmbito do movimento. Aliás os surrealistas, que adoravam o cinema e viam nele uma arma eficaz para revolucionar a arte, não realizaram muita coisa. Mesmo Buñuel, que permaneceu surrealista toda a vida, saiu do clube do Breton ainda na altura dos seus primeiros filmes. Dalí acreditava que o que tornava um filme surrealista era o tipo de visionamento - todo e qualquer filme que fosse visto seguindo os preceitos do seu método, a paranóia crítica, converter-se-ia numa obra absolutamente surreal. E todos eles adoravam os cómicos dos anos 20. Animal Crackers, dos Irmãs Marx, era uma obra-prima! E, para mim, o filme de Lewis de que falo aqui, também o é. Um dos grandes problemas dos filmes que "tentaram" ser surrealistas foi o de "esquecerem" um dos princípios fundamentais do movimento: o maravilhoso não surge das sombras da noite, quando dormimos. Mas convive connosco à luz do dia. Não há separação entre o mundo do possível e o do impossível. O sonho frequenta a sala de jantar, não apenas o quarto de dormir. Quem não viu o filme, e gosta de cinema, tem obrigação de fazê-lo porque está tudo lá: desde o metacinema (a cena com George Raft é impagável!); passando pelas delícias do absurdo temperado com pitadas freudianas (um leão que vive numa casa só de mulheres, ideia actualizada por Almódovar em Entretinieblas, onde um tigre vivia num convento) até à convivência pacífica com a televisão, que começava a se tornar uma grande concorrente do cinema. Se não podia vencê-la, não a ignorava, trazia-a para dentro do filme e desmascarava os seus procedimentos. Ando a rever quase tudo dele que saiu em DVD e confesso que cada dia encontro mais motivos para elevá-lo ao meu patamar de realizadores de eleição.
The ladies man
Quando os franceses, mais precisamente Truffaut, lançam a famosa "política do autor", onde tentam separar o joio do trigo no que dizia respeito ao cinema clássico, deixaram escapar este grande realizador, que para mim fica muito bem ao lado de outros nomes, tão mais reconhecidos, como Billy Wilder ou John Ford. Talvez por só ter feito comédias, um género menos respeitado, em certo sentido, Lewis nunca foi considerado um génio pela grande maioria da crítica. Seu filme de 1961, The Ladies Man, é talvez a obra surrealista mais bem realizada fora do âmbito do movimento. Aliás os surrealistas, que adoravam o cinema e viam nele uma arma eficaz para revolucionar a arte, não realizaram muita coisa. Mesmo Buñuel, que permaneceu surrealista toda a vida, saiu do clube do Breton ainda na altura dos seus primeiros filmes. Dalí acreditava que o que tornava um filme surrealista era o tipo de visionamento - todo e qualquer filme que fosse visto seguindo os preceitos do seu método, a paranóia crítica, converter-se-ia numa obra absolutamente surreal. E todos eles adoravam os cómicos dos anos 20. Animal Crackers, dos Irmãs Marx, era uma obra-prima! E, para mim, o filme de Lewis de que falo aqui, também o é. Um dos grandes problemas dos filmes que "tentaram" ser surrealistas foi o de "esquecerem" um dos princípios fundamentais do movimento: o maravilhoso não surge das sombras da noite, quando dormimos. Mas convive connosco à luz do dia. Não há separação entre o mundo do possível e o do impossível. O sonho frequenta a sala de jantar, não apenas o quarto de dormir. Quem não viu o filme, e gosta de cinema, tem obrigação de fazê-lo porque está tudo lá: desde o metacinema (a cena com George Raft é impagável!); passando pelas delícias do absurdo temperado com pitadas freudianas (um leão que vive numa casa só de mulheres, ideia actualizada por Almódovar em Entretinieblas, onde um tigre vivia num convento) até à convivência pacífica com a televisão, que começava a se tornar uma grande concorrente do cinema. Se não podia vencê-la, não a ignorava, trazia-a para dentro do filme e desmascarava os seus procedimentos. Ando a rever quase tudo dele que saiu em DVD e confesso que cada dia encontro mais motivos para elevá-lo ao meu patamar de realizadores de eleição.
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1 comentário:
Jerry Lewis é um dos meus favoritos, desde a altura em que apanhava com doses (de que nunca me fartava) dele na RTP. Talvez por isso, por ter podido ver (ainda que em TV) a obra quase completa e por reconhecer nos filmes traços comuns, não sei se não terá sido um dos meus primeiros "autores".
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