Desassossego - parte 3, a conversa inacabada de pedro mexia

Dia 26, 21h30, Grande Auditório de Gambelas

Com o apoio da Reitoria da Universidade do Algarve

FILME DO DESASSOSSEGO, de João Botelho

PRESENÇA DO REALIZADOR (mesmo!) e do protagonista CLÁUDIO DA SILVA

Preços: Sócios e Estudantes - 4€ / Restantes casos - 5€

Bilhetes já à venda (sede ao lado da Zara, 2ªf, 3ªf e 4ªf, 10h30-12h30 / 14h30-17h30, e sessões IPJ às 2ªf 21h30)


Às 18h, no Clube Farense, encontro com Richard Zenith e João Botelho. Organização da UAlg. Entrada livre.




Conversa inacabada

Trinta anos depois de Conversa Acabada, a conversa continua inacabada. A primeira longa-metragem de João Botelho leu o início da nossa modernidade à luz de um diálogo. Um diálogo quase perfeito, embora angustiado, fracturado e precocemente interrompido. A correspondência entre Pessoa e Sá-Carneiro teve interlocutores reais, mas os textos é que ficam. E por isso Botelho fez «um documentário sobre poesia que progride e se resolve em drama poético».

Filme do Desassossego sugere que o Livro do Desassossego é a continuação, em drama poético, dessa conversa, desta vez enquanto monólogo. Pessoa já não dialoga com um outro mas com outros dentro de si mesmo. Criou os heterónimos (entre os quais Bernardo Soares). E transforma em ficção poética aquilo que observa nas ruas da Baixa.

O carácter fragmentário do Livro do Desassossego é transposto para a tela através de uma sucessão de quadros que animam os textos de Pessoa. Tal como em Conversa Acabada, não se procura qualquer realismo, mas uma assumida encenação, que neste caso se distribui numa multiplicidade de vozes lisboetas, mais ou menos intemporais, dos burgueses aos pedintes. Trata-se, uma vez mais, de um «filme de textos», o que não é estranho num cineasta que trabalhou Diderot e Dickens, Garrett e Agustina.

A encenação dos textos do desassossego divide-se entre o pudor e a boémia. Lisboa e os seus habitantes aparecem como um circo sentencioso, cheio de tristes alcoolizados, ridículas preciosas, aparições eróticas e Esteves da tabacaria. Pessoa ouve a gente por quem passa, e é essa gente que dá vida às palavras que ele escreveu, como se a cidade fosse um fantoche e ele um ventríloquo. Lisboa, aliás, é aqui filmada sem a menor cedência ao postal ilustrado, é uma Lisboa fantástica, quase uma Lisboa de Escher, desdobrada em formas imaginadas e impossíveis.
Já Pessoa, o funcionário cansado, parece uma criatura infotografável, como numa cena que ironiza a própria dificuldade de passar estes textos ao cinema. Pessoa é o contrário das multidões que atravessam as ruas, «não sou de multidões», diz ele, sofre fechado em quartos e em escritórios, ameaçado por espelhos, labirintos e ventanias. Cláudio da Silva encarna com grande justeza o pudor de Pessoa (que é também o pudor de Botelho), e sofre as agruras da sua infatigável consciência, que nunca o deixa em paz.

Pessoa defendia a «dignidade do tédio», redimida através da fúria de escrever. Foi isso que João Botelho nos deu. Tédio e fúria. Pudor e consciência. Isso a que chamamos «desassossego».
Pedro Mexia



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