Nota de intenções
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No início, um desafio: celebrar o aniversário do Festival, sem olhar de forma nostálgica os últimos 60 anos, e por outro lado de uma forma que reafirmasse a nossa admiração e confiança nos maiores cineastas do mundo. Cineastas que não nos pararam de surpreender e constantemente reinventar o cinema. Reunimos 35 realizadores, de 5 continentes e 25 países, todos conhecidos internacionalmente. Cada um realizou um filme de 3 minutos, sobre o seu estado de espírito numa sala de cinema, local de comunhão dos cinéfilos do mundo inteiro. A natureza do projecto incitou-os a serem surpreendentes, divertidos, ternos, sarcásticos, mas também comoventes e provocadores. A variedade de culturas, origens, talentos inspirou-nos o título para esta longa metragem CADA UM O SEU CINEMA: 33 trabalhos.
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A Direcção do Festival de Cannes
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Diga um nome de um realizador e ele estará aqui, em CADA UM O SEU CINEMA. Encomenda do Festival de Cannes ao “who’s who” cinematográfico, é composta por 33 pequenos filmes que descrevem uma experiência cinematográfica. Manoel de Oliveira também fez um.
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Há muitos cinemas ao ar livre, cegos que vêem filmes – isto é: que não precisam de olhos para sentir os filmes –, há “cinemas paraíso”da infância, homenagens a Fellini, Robert Bresson, Godard. E salas, abandonadas, que já foram arenas da catarse colectiva. É como se se dissesse: “Ah, o cinema!”
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Alguns dos episódios do filme colectivo CADA UM O SEU CINEMA têm mesmo a cara dos realizadores que os fazem. Literalmente. Nanni Moretti: sozinho numa sala, faz o seu diário de espectador, e isso leva-o a aproximar-se do habitual registo de fúria (para falar dos pés de Michelle Pfeiffer em What Lies Beneath, do momento em que Rocky levou os braços ao ar em Rocky Balboa, do momento em que o filho de dois anos lhe pediu para irem ver Matrix.)
Alguns dos episódios do filme colectivo CADA UM O SEU CINEMA têm mesmo a cara dos realizadores que os fazem. Literalmente. Nanni Moretti: sozinho numa sala, faz o seu diário de espectador, e isso leva-o a aproximar-se do habitual registo de fúria (para falar dos pés de Michelle Pfeiffer em What Lies Beneath, do momento em que Rocky levou os braços ao ar em Rocky Balboa, do momento em que o filho de dois anos lhe pediu para irem ver Matrix.)
Lars von Trier: estilhaça com um martelo a cabeça de um espectador que não pára de falar na sala escura. Nostálgico Lars não é. Eis como a experiência colectiva pode, afinal, ser um problema.
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Takeshi Kitano: sala vazia, só com um espectador, no ecrã um filme, Kids Return, a película sempre a partir-se ou a queimar. O projeccionista deste exercício de humor afiado é o próprio Kitano.
Os irmãos Coen não aparecem, mas às primeiras imagens o seu episódio é reconhecível (pode- se, aliás, fazer um exercício ao longo das duas horas de CADA UM O SEU CINEMA: adivinhar a quem pertence cada pequeno fi me). Nele, um cowboy, no desolado Oeste, aventura-se pela cinefilia, ainda por cima em língua estrangeira. Não sabe o que há-de ver, se A regra do jogo, do francês Jean Renoir, ou se Climas, do turco Nuri Bylge Ceylan. Que aconselhariam?
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“Filmes dentro de filmes” é o que mais há neste projecto, encomenda do festival a toda a gente que é alguém da família do cinema. Cannes reivindica-se como espaço natural para todos eles. São mais de 30 realizadores, contam em poucos minutos o que sentem como experiência cinematográfica.
“Filmes dentro de filmes” é o que mais há neste projecto, encomenda do festival a toda a gente que é alguém da família do cinema. Cannes reivindica-se como espaço natural para todos eles. São mais de 30 realizadores, contam em poucos minutos o que sentem como experiência cinematográfica.
Diga então o nome de um cineasta, e ele provavelmente estará aqui: Gus Van Sant, Chen Kaige, Hou Hsiao-Hsien, Angelopoulos (homenagem a Marcello Mastroianni), Michael Cimino, Wim Wenders, Tsai Ming-liang, Abbas Kiarostami, Jane Campion...
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Numa sala escura, a mão de um ladrão de carteiras é aproveitada, por aquela que ia ser a vítima, como acalmia de um desejo intenso – belíssimo episódio dos belgas Jean Pierre e Luc Dardenne. Roman Polanski põe um homem a arfar violentamente quando vê o erótico Emmanuelle – é tudo dores, acabou de cair do balcão. O mais aplaudido.
Numa sala escura, a mão de um ladrão de carteiras é aproveitada, por aquela que ia ser a vítima, como acalmia de um desejo intenso – belíssimo episódio dos belgas Jean Pierre e Luc Dardenne. Roman Polanski põe um homem a arfar violentamente quando vê o erótico Emmanuelle – é tudo dores, acabou de cair do balcão. O mais aplaudido.
E um encontro entre o camarada Nikita Krutstchev e o (camarada?) Papa João XXIII? Manoel de Oliveira filmou Nikita (Michel Piccolli) e o papa ( João Bénard da Costa) a compararem o que têm em comum: as barrigas, a necessidade de comer. Como um filme mudo, e serenamente libertário. Palmas, e standing ovation para Oliveira da parte dos seus colegas quando entrou na sala de conferência de imprensa.
O episódio mais aplaudido: o do brasileiro Walter Salles, contagiante batucada, em frente a um cinema no sertão brasileiro, que passa “Os 400 golpes”, de Truffaut. Os batuqueiros cantam tudo o que sabem de Cannes, e sabem tudo desse filme... por causa da Net. Salles dizia que assim quis mostrar que a experiência que o continua a interessar é ver cinema numa sala, não num telemóvel. O rosto de David Cronenberg não mostrou sinais de expressão quando Salles falou. Gostaríamos de saber o que ele pensa. Ele que é autor de um episódio que (não é possível ter a certeza) deverá contar a seguinte história: um homem, “o último judeu na terra” (o próprio Cronenberg), está numa casa de banho, o sítio para onde retrocedeu essa coisa a que se chama “experiência de cinema”. O homem suicida-se. Aceitar-se-iam hipóteses de interpretação, mas Cronenberg deu-as a seguir ao filme: “O meu episódio é sombrio? Não sei. O cinema, tal como nós o conhecemos e amamos, já não existe, já é coisa do passado. O cinema se calhar já não está aqui”.
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Vasco Câmara, Público
Celebrar o cinema e os "autores" com um filme que parece talhado a pensar na idade do "zapping" e do "clip". Em 2007 o Festival de Cannes comemorou 60 anos e o seu director, Gilles Jacob, lembrou-se de assinalar a ocasião com um filme. Ou, se se preferir, com 33 filmes, apresentados como um só, encomendados a 33 cineastas, 33 "autores", todos ou quase todos habitués de Cannes.
Vasco Câmara, Público
Celebrar o cinema e os "autores" com um filme que parece talhado a pensar na idade do "zapping" e do "clip". Em 2007 o Festival de Cannes comemorou 60 anos e o seu director, Gilles Jacob, lembrou-se de assinalar a ocasião com um filme. Ou, se se preferir, com 33 filmes, apresentados como um só, encomendados a 33 cineastas, 33 "autores", todos ou quase todos habitués de Cannes.
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Trinta e três "cartas brancas", a preencher tendo em atenção dois factores estruturantes: respeito por uma duração pré-definida (todos os filmes têm três minutos) e obrigação de ter pelo menos uma cena numa sala de cinema. Essa obrigação acabou por se transformar num mote temático, que domina, com maiores ou menores variações e liberdades, às vezes cheias de ironia, praticamente todos os filmes. E é, no fundo, o elemento agregador de "Cada um o seu Cinema", pois dificilmente se encontra outro traço de união nesta heteróclita agremiação de realizadores, tão próxima da proverbial "salada russa", que põe lado a lado Iñarritu e Kaurismaki, Oliveira e Lelouch, Kiarostami e Wong Kar Wai, Cronenberg e Angelopoulos (não deixa de ser um divertimento: pegar na lista de realizadores envolvidos e formar pares "improváveis").
Trinta e três "cartas brancas", a preencher tendo em atenção dois factores estruturantes: respeito por uma duração pré-definida (todos os filmes têm três minutos) e obrigação de ter pelo menos uma cena numa sala de cinema. Essa obrigação acabou por se transformar num mote temático, que domina, com maiores ou menores variações e liberdades, às vezes cheias de ironia, praticamente todos os filmes. E é, no fundo, o elemento agregador de "Cada um o seu Cinema", pois dificilmente se encontra outro traço de união nesta heteróclita agremiação de realizadores, tão próxima da proverbial "salada russa", que põe lado a lado Iñarritu e Kaurismaki, Oliveira e Lelouch, Kiarostami e Wong Kar Wai, Cronenberg e Angelopoulos (não deixa de ser um divertimento: pegar na lista de realizadores envolvidos e formar pares "improváveis").
Há um paradoxo curioso, se nos pusermos a pensar nisto: celebrar o cinema e os "autores", e sobretudo a sala de cinema, com um filme que parece talhado a pensar na idade do "zapping" e do "clip" (nunca se fez filme que pedisse tanto a sua "youtube-ização"...). O paradoxo em si mesmo não representa nenhum óbice - não consegue é fugir ao óbice do "zapping" e do "clip", que como dizia o outro distraem mas não preenchem: se há um problema genérico em "Cada um o seu Cinema" é a dificuldade de muitos dos filmes para conseguirem encontrar algum peso dentro dos seus três minutos. Meia-hora depois da projecção, alguns já se estão a desvanecer na memória ("como é que era o do Gitai"?). Como conjunto de reflexões individuais sobre a cinefilia e o espaço, outrora encantado, da sala de cinema, é sempre interessante. Depois, é quase uma questão do temperamento de cada um (em filmes de três minutos não chega a ser possível dissociar o "estilo" e o "temperamento" de um cineasta, uma coisa faz a outra).
Da nostalgia beata de Claude Lelouch (com o seu "cinéma de papá" a que ele dá, enfim, um sentido literal) à frieza apocalíptica de Cronenberg ("At the Suicide of the Last Jew in the World in the Last Cinema in the World", o mais impressionante filme de todos). Da decepcionante anedota ilustrada de Roman Polanski à divertidíssima encenação do anedótico por parte de Oliveira (o encontro entre Kruschev e o Papa). Kiarostami a apontar a câmara para as espectadoras sentadas numa sala de cinema, numa espécie de "avant-gout" de "Shirin". Kaurismaki a filmar o sorumbático proletariado finlandês como se fosse uma sequência arrancada a uma das suas longas-metragens.
David Lynch a conceber uma espécie de "instalação", que leva mais tempo a descrever do que a ver, sobre a tempestuosa experiência da "sala". Tsai Ming Liang e a sala de cinema como consolo desconsolado. Ou Nanni Moretti a falar para a câmara, sentado no lugar do espectador, como espectador.
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O bom cinéfilo identifica os autores de cada um dos filmes antes de aparecer o genérico final. Se quiserem, também o podem ver como um teste às vossas capacidades de reconhecimento estilístico. Ou como uma demonstração do que é um "autor": um plano tem sempre assinatura.
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Luís Miguel Oliveira, Público
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